Representante para a COP faz alerta sobre exploração perto da Amazônia
Em entrevista, Ali Shareef, das Maldivas, afirma que governo Lula deve garantir 'medidas rigorosas de segurança antes de projeto' na Foz do Amazonas

Uma das vozes mais influentes na agenda global de adaptação climática, o oceanógrafo Ali Shareef alertou o governo brasileiro, em entrevista exclusiva à coluna, para o risco de explorar petróleo perto da Amazônia. “Acredito que o governo deve garantir medidas rigorosas de segurança e avaliações ambientais detalhadas antes de seguir adiante com esse tipo de projeto. No caso do Brasil, há um dilema: o país precisa crescer economicamente, mas também precisa proteger seus recursos naturais”, afirmou ao participar, no Brasil, de evento preparativo da COP 30 (Conferência das Partes da ONU sobre Mudança do Clima), organizado pelo Instituto Talanoa, nesta semana.
Enviado especial para Mudanças Climáticas da Presidência das Maldivas, Ali Shareef acredita que a COP 30, a ser realizada em Belém, é uma excelente oportunidade para o fortalecimento da liderança climática do Brasil. “Acho que essa é uma excelente oportunidade para o Brasil demonstrar liderança climática. Um dos principais desafios é garantir que haja um mecanismo robusto de financiamento para o combate às mudanças climáticas. Quando falo em robustez, refiro-me à necessidade de medidas concretas e um cronograma bem definido para direcionar os recursos. Qual será o caminho para garantir esse financiamento? Como ele será distribuído de maneira eficiente? Se o Brasil puder estruturar um plano claro sobre isso, terá um grande sucesso na COP-30”, explica ele.
Questionado se as ilhas como as Maldivas vão desaparecer com a mudança climática e a elevação do nível do mar, Ali Shareef se mostrou otimista. “Diria com convicção que não. Não acredito que estaremos completamente submersos em um futuro próximo, como em 2400 e 2500. As ilhas e os recifes têm uma capacidade natural de adaptação”, disse, defendendo a construção de barreiras de contenção. Na entrevista, Ali Shareef ainda comentou medidas do presidente Donald Trump como a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris e o avanço da extrema-direita no mundo e no Brasil.
Leia os principais trechos a seguir:
Qual é a sua expectativa para a COP 30?
Ali Shareef: Bem, para a COP 30, minha expectativa é que possamos avançar nas negociações sobre financiamento climático. Desde a última COP, nós, da AOSIS (Aliança dos Pequenos Estados Insulares), temos defendido fortemente que uma parcela dedicada de financiamento seja incluída no pacote financeiro. Até agora, isso ainda não foi concretizado. Para esta COP, espero que, sob a presidência do Brasil, possamos ver um plano claro sobre como os US$ 1,3 trilhão prometidos serão mobilizados até 2035. Mais do que um planejamento teórico, precisamos de algo tangível, que contemple a mitigação dos impactos, a adaptação e, principalmente, a questão financeira. O acesso ao financiamento tem sido um grande desafio. Sem citar nomes, mas desde as agências implementadoras até as instituições financeiras, incluindo bancos e filantropos, os recursos existem, mas o acesso é difícil devido à atual arquitetura financeira. Minha expectativa é que a COP traga soluções concretas para destravar esses fundos.
O mundo se comprometeu a reduzir o uso de combustíveis fósseis, mas muitos países seguem ampliando sua exploração de petróleo. Aqui no Brasil há um debate sobre exploração de óleo na foz do Rio Amazonas. O que você pensa sobre isso?
Ali Shareef: Para ser honesto, sou contra o aumento da exploração de óleo, mas precisamos considerar também o aspecto socioeconômico. Muitos países produtores dependem dessa atividade para sua economia. No caso do Brasil, há um dilema: o país precisa crescer economicamente, mas também precisa proteger seus recursos naturais. A Amazônia é um dos maiores sumidouros de carbono do mundo, e qualquer exploração que possa ameaçá-la deve ser muito bem analisada. Acredito que o governo deve garantir medidas rigorosas de segurança e avaliações ambientais detalhadas antes de seguir adiante com esse tipo de projeto.
Donald Trump retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris. O que isso significa para a COP 30 e para o meio ambiente?
Ali Shareef: Vamos recuar um pouco para o período em que Trump foi presidente anteriormente. Ele tomou essa mesma decisão, e isso causou bastante dano. O governo dos EUA contribui financeiramente para diversas áreas, não apenas para a UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), mas também para bancos de desenvolvimento e assistência bilateral. A contribuição financeira dos EUA é significativa, e grande parte do orçamento da UNFCCC vem desse financiamento. Atualmente, estamos sentindo o impacto dessa decisão. A ordem superior que ele emitiu para a USAID afetou vários projetos, muitos dos quais estão parados. Em relação ao Acordo de Paris, muitos negociadores nos EUA também discordam da retirada, mas, como é uma decisão governamental, têm que aceitá-la. Isso ocorre em um momento muito infeliz, pois uma parte essencial da COP 30 será a discussão sobre financiamento. Os EUA são um dos maiores contribuintes, e sua saída impacta diretamente a meta de arrecadação de US$ 1,3 trilhão. Mesmo em relação aos US$ 300 bilhões prometidos, que já é um valor muito menor, a retirada de um grande financiador torna esse objetivo ainda mais difícil de ser alcançado. As implicações já estão sendo sentidas.
Gostaria de falar um pouco sobre as Maldivas. Entendo que 80% do território está a apenas um metro acima do nível do mar. Com a crise climática, é possível que as Maldivas fiquem submersas?
Ali Shareef: Sim, a maioria das ilhas tem uma altitude média de 1,3 a 1,5 metros acima do nível do mar. Essa questão sempre surge. Eu diria com convicção que não. Não acredito que estaremos completamente submersos em um futuro próximo, como em 2400 e 2500. As ilhas e os recifes têm uma capacidade natural de adaptação. O problema é que a infraestrutura atual não pode ser simplesmente movida à medida que as ilhas mudam. No entanto, estamos percebendo um aumento na severidade de eventos climáticos extremos, como tempestades e monções, afetando todo o arquipélago. O impacto desses eventos só tende a piorar. A ciência aponta que, sem medidas de adaptação como a construção de barreiras, as ilhas podem enfrentar sérios riscos. Mas, com essas medidas, acredito que conseguiremos sobreviver.
No Brasil, a extrema direita venceu as eleições em 2018, perdeu em 2022, mas continua crescendo. Muitos desses grupos negam as mudanças climáticas, mesmo diante de eventos extremos. Como você vê essa realidade?
Ali Shareef: Sim, existem extremismos de ambos os lados. No entanto, é preciso haver um equilíbrio para que as coisas avancem. Muitas dessas pessoas ignoram o consenso científico e questionam evidências que são amplamente aceitas. Os relatórios do IPCC, por exemplo, são baseados em centenas de estudos revisados por cientistas de todo o mundo. Se a grande maioria dos cientistas concorda que as mudanças climáticas são reais, por que deveríamos acreditar na minoria que as nega sem evidências concretas?
Como podemos mudar essa mentalidade?
Ali Shareef: Eu perguntaria a essas pessoas: por que acreditam na ciência para voar em um avião, para a medicina ou para a engenharia, mas não para o clima? A ciência precisa ser vista de forma consistente.
Você tem algum conselho para o presidente Lula e o governo brasileiro em relação à COP-30?
Ali Shareef: Sim. Acho que essa é uma excelente oportunidade para o Brasil demonstrar liderança climática. Um dos principais desafios é garantir que haja um mecanismo robusto de financiamento para o combate às mudanças climáticas. Quando falo em robustez, refiro-me à necessidade de medidas concretas e um cronograma bem definido para direcionar os recursos. Qual será o caminho para garantir esse financiamento? Como ele será distribuído de maneira eficiente? Se o Brasil puder estruturar um plano claro sobre isso, terá um grande sucesso na COP 30.
Alguma mensagem para a população brasileira?
Ali Shareef: Sim. Esta é minha primeira vez em Brasília. Já havia visitado a América Latina antes, mas não a capital brasileira. Ainda não consegui explorar muito, mas visitei alguns pontos da cidade. As pessoas são muito acolhedoras. Tive a oportunidade de conhecer algumas comunidades em um evento próximo à catedral. É um lugar especial, com uma atmosfera incrível. Acho que esse ambiente contribuirá para o sucesso da COP 30.