Desde que o juiz federal Ricardo Leite determinou a apreensão do passaporte do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na última quinta-feira, e o levou a cancelar a viagem que faria à Etiópia para um evento da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), tem circulado nas redes sociais o boato de que o secretário-geral da ONU, António Guterres, protestou contra a decisão, classificou-a como “ato ditatorial” e ameaçou o Brasil com sanções caso o confisco do documento seja mantido.
A lorota ecoou, sobretudo, no Facebook. Uma das postagens mais populares com a notícia falsa na rede social foi compartilhada cerca de 33.000 vezes em três dias e gerou mais de 1.200 comentários.
Guterres não fez nenhum tipo de comentário sobre a decisão judicial, nem muito menos ameaçou punir o Brasil em função dela.
Caso o chefe da Organização das Nações Unidas tivesse mesmo feito qualquer crítica à apreensão do passaporte de Lula, por mais diplomática que fosse, não faltariam registros das declarações dele em veículos de informação profissionais do mundo todo. É de se imaginar, portanto, a repercussão que teria a tal ameaça de sanção ao Brasil. Não há, contudo, nenhuma linha sequer publicada, porque se trata de mais uma fake news.
Além disso, não caberia a Guterres, pessoalmente, como secretário-geral da entidade, impor punições ao Brasil. As aplicação de sanções é determinada pelo Conselho de Segurança da ONU, composto por quinze países (cinco permanentes, com direito a veto, e dez não-permanentes), a nações que ameacem a paz mundial. O secretário-geral pode, no máximo, recomendar ao Conselho que determinado país sofra sanções, sempre sob a ótica da preservação da segurança.
Embora António Guterres não tenha se manifestado sobre a apreensão do passaporte de Lula, houve, de fato, um membro da ONU a criticar a decisão do juiz Ricardo Leite. Foi o diretor de comunicação da entidade, Enrique Yeves, em um artigo publicado no jornal El País. O texto não representa a opinião da ONU.
No jornal espanhol, Yeves classificou como “ironia perversa” que Lula, “o arquiteto do maior sucesso internacional na luta contra a fome e a pobreza”, tenha sido impedido de ir à Etiópia para o evento da FAO. Sem falar em nome da ONU ou no de Guterres, ele também criticou o julgamento do ex-presidente no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), que condenou o petista em segunda instância pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá. Enrique Yeves escreveu ainda que, caso Lula consiga concorrer à Presidência em outubro, é “seguro” que ele vencerá a eleição.
Em sua conta no Twitter, ele também lamentou a ausência do ex-presidente na cúpula da FAO.
Lamentamos que @LulapeloBrasil não possa compartilhar pessoalmente seu conhecimento e valiosa experiência na luta contra #fome na Cúpula da @_AfricanUnion na #Etiópia O evento deste sábado com chefes @ONU @AU e outras é grande oportunidade para falar do progresso #fome na Africa
— EnriqueYeves (@EnriqueYeves) January 26, 2018
Em suas opiniões pessoais expressas no texto, Yeves não classificou em momento algum a decisão de Ricardo Leite como “ditatorial”, como diz a notícia falsa.
O boato sobre António Guterres, a propósito, sequer foi baseado no texto do diretor de comunicação da ONU. Isso porque a lorota começou a circular no último dia 26 de janeiro, enquanto o artigo foi publicado no dia 27.
Então ficamos assim: o secretário-geral da ONU, António Guterres, não ameaçou impor sanções ao Brasil caso o passaporte de Lula não seja devolvido. Ele sequer se manifestou publicamente em relação à decisão judicial que determinou o confisco. Já o diretor de Comunicação da entidade criticou a decisão da Justiça brasileira em um artigo com sua opinião pessoal em um jornal.
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