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A psicóloga e pesquisadora Ilana Pinsky reflete sobre saúde mental e suas conexões com a nossa sociedade
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Vai deixar para depois? A ciência da procrastinação

Colunista examina, à luz das investigações da psicologia e da neurociência, por que adiamos tanto as tarefas e como brecar esse comportamento

Por Ilana Pinsky
Atualizado em 9 Maio 2024, 10h37 - Publicado em 6 fev 2024, 16h14

Gostar ninguém gosta, mas a maioria de nós volta e meia deixa para depois tarefas que tinha se proposto a fazer naquela hora.

Alguns cenários. Sua chefe passa um grande projeto de trabalho que cabe desenvolver imediatamente. Só que você se dá conta de que não pode se dedicar a ele antes de limpar a escrivaninha, jogar palavras-cruzadas e assistir àquela série da Netflix.

Outro cenário: você não gosta da aparência de uma pinta estranha que apareceu na perna, mas se vê esquecendo por meses de agendar o dermatologista.

Mais um: desta semana a arrumação do armário não passa, mas você vem dizendo isso há 20 sábados seguidos. Último: seu sonho é correr uma maratona, mas a empreitada exige começar a correr e a fazer musculação para se fortalecer e você sempre encontra outras prioridades.

Tarefas e metas são adiadas frequentemente para serem iniciadas no dia seguinte. A sensação é que agora você não consegue, não tem tempo, não quer… Mas que amanhã vai ser o momento ideal. E o ciclo recomeça.

A procrastinação, conforme ilustrada nos cenários acima, é o adiamento voluntário de uma ação pretendida, sem nenhuma razão evidente, mesmo sabendo que provavelmente a situação irá piorar devido ao atraso. Um estudo recente, publicado na revista científica Nature, aponta que se trata de um tipo de viés cognitivo (em outras palavras: um autoengano).

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O cérebro nos convence de que realizar essas tarefas será, de alguma forma, mais fácil no futuro. Ou que, no fundo, a gente não quer realizar essa incumbência, e deve dispender tempo só com coisas que nos deem prazer imediato.

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Procrastinação é uma experiência universal (quem nunca?) que muitas vezes deixa as pessoas lidando com prazos iminentes… E altos e desnecessários níveis de estresse.

Entre estudantes universitários, há indícios de que 50% procrastinam cronicamente. Entre adultos, estimativas apontam que ao menos 15% se descrevem como procrastinadores crônicos.

Alguns diagnósticos de saúde mental têm alta prevalência de procrastinadores. O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), por exemplo, tem como uma de suas características centrais o adiamento constante da realização de tarefas.

Tim Pychyl, ex-professor da Universidade de Carlenton, no Canadá, é um dos principais pesquisadores dessa área na psicologia. Ele afirma que, diferentemente do que se costuma pensar, a procrastinação não é um problema de organização ou preguiça, mas uma dificuldade de autorregulação emocional.

A neurociência apoia essa hipótese como um conflito entre o sistema límbico, associado às respostas emocionais e à busca de prazer, e o córtex pré-frontal, responsável pela tomada de decisões e pela definição de metas. A postergação de atividades não acontece com situações atraentes, prazerosas: você já viu alguém procrastinar a degustação de um chocolate?

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Adiamos, isso sim, obrigações que avaliamos como chatas, entediantes, trabalhosas, cansativas, às vezes insuportáveis – no trabalho ou na vida pessoal. Dessa forma, não é exatamente que o indivíduo esteja escapando da atividade em si – o que se evita é a emoção negativa que vem atrelada à tarefa.

Ao adiar o sentimento de ansiedade ou de angústia que associamos à tarefa, encontramos, temporariamente, uma forma de lidar com essas emoções. A neurocientista Fuschia Sirois, da Universidade de Durham, na Inglaterra, argumenta também que o risco de procrastinação aumenta em contextos estressantes, porque o adiamento de tarefas é uma maneira simples de melhorar nosso humor no curto prazo.

O problema é que o pagamento vem com juros, principalmente para os procrastinadores crônicos, para quem essa estratégia – não muito boa – se torna praticamente um estilo de vida. As consequências incluem relacionamentos tensos, declínio no desempenho de trabalho e estudo, objetivos não alcançados, saúde física e emocional comprometidas.

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Que tipo de procrastinador você é?

Há vários tipos de procrastinadores, ou melhor, cada um de nós tem estilos de ser que impactam diferentemente nossa tendência a adiar. Vamos olhar para três versões principais.

De um lado, há os procrastinadores decisivos, que encontram tanta dificuldade em tomar decisões que acabam postergando qualquer tarefa relacionada a esse processo. O medo de escolher incorretamente é tanto que passam anos em um relacionamento falido, em um trabalho medíocre, em um sofrimento corriqueiro. Evidentemente, quando não tomamos uma decisão, estamos fazendo uma escolha, de qualquer maneira.

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Outro tipo bem conhecido é o procrastinador perfeccionista. É aquele que estabelece padrões extremamente altos, às vezes impossíveis de alcançar, para a realização de suas obrigações. Isso causa, frequentemente, grande ansiedade para o início e desempenho dessas atividades, vistas como avassaladoras (mesmo que se trate apenas da redação de um e-mail de trabalho).

O perfeccionismo e a procrastinação podem criar um círculo vicioso em que o receio da imperfeição resulta em procrastinação, e a procrastinação, por sua vez, fortalece as características perfeccionistas.

Há também um terceiro tipo, com o qual alguns dos leitores irão se identificar. O procrastinador por excitação. Ele acredita que consegue render melhor sob intensa pressão. E conta com o estresse ou a excitação relacionados a prazos apertados como motivação para iniciar e concluir tarefas.

No entanto, esse padrão de comportamento, quando ocorre com frequência, tende a elevar o nível de estresse, diminuir o desempenho global e prejudicar a saúde mental.

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Como domar a procrastinação?

Existem diversos caminhos para reduzir a procrastinação, mas eles dependem muito da situação específica em que o comportamento aparece. O ponto de partida, em geral, é a pessoa realmente se dar conta de como o adiamento de tarefas se relaciona com uma tentativa de evitar emoções negativas – e quanto essa tática não funciona.

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Deve-se olhar de frente para isso, não se martirizar. Uma das estratégias de enfrentamento, segundo estudos, refere-se a um conceito de psicologia chamado “intenção de implementação”. A ideia é associar um comportamento que pretendemos realizar a um estímulo situacional.

Assim, por exemplo, em vez de pensar em uma intenção genérica como “Quero voltar a ler livros”, uma intenção de planejamento propõe: “Vou escolher até o final desta semana um livro de mistério para começar a ler. A partir daí vou ler por meia hora aos sábados após o almoço, e às terças e quintas antes de ir para a cama”.

Essa tática permite à pessoa não ficar dependente apenas de suas motivações internas (como a vontade do momento), evitando recair em hábitos que podem não ser os mais saudáveis. Além disso, o que comprovadamente ajuda é dividir tarefas complexas em passos menores, claros e objetivos – e depois focar no passo a passo.

Quando a ação seguinte é definida e tem um tamanho razoável, torna-se mais fácil para o indivíduo se animar (sem ser demasiadamente severo consigo mesmo) e progredir para a próxima etapa. E, aí, vamos botar a mão na massa agora?

* Ilana Pinsky é psicóloga clínica e pesquisadora ligada à Fiocruz. É autora de Saúde Emocional: Como Não Pirar em Tempos Instáveis (Contexto),  foi consultora da OMS e professora da Unifesp e da Universidade de Columbia

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