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Animais estranhos

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Por Antônio Xerxenesky
Atualizado em 13 ago 2018, 21h38 - Publicado em 4 fev 2012, 08h57
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    O que significa, hoje em dia, “literatura experimental”? Depois das vanguardas e dos experimentos radicais do modernismo, como Finnegan’s Wake, de James Joyce, e das principais obras pós-modernistas, como O arco-íris da gravidade, de Thomas Pynchon, sobrou algo para se inventar? Se, por um lado, os conceitos de inovação e originalidade parecem palavras antiquadas, por outro, ainda precisamos de algum termo como “experimental” para definir a estranha ficção praticada pelo prolífico mexicano Mario Bellatin.

    Autor de mais de vinte livros (a maioria publicada em um espaço de menos de duas décadas), Bellatin se tornou conhecido do público brasileiro desde sua aparição irreverente na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) de 2009. A Cosac Naify lança agora Cães Heróis (128 páginas, 37 reais), mais uma peça esquisita na bibliografia do mexicano. O livro já chama a atenção pela aparência: trata-se de uma obra sem capa, com os cadernos costurados – um livro mutilado.

    Nesta novela – embora até o termo novela pareça excessivo para um texto tão breve, que, se estivesse em uma antologia, poderia muito bem ser considerado um conto longo – Bellatin narra o cotidiano de um homem imóvel e recluso que treina (e comanda) trinta cachorros da raça pastor belga malinois. O inválido mora em uma casa junto com a mãe, a irmã e uma pessoa que atua tanto como enfermeiro do homem imóvel quanto como treinador dos cachorros. Nenhum dos personagens tem nome, e são definidos conforme sua relação com o homem paralisado.

    A principal chave de leitura de Cães Heróis está no subtítulo do livro: “Tratado sobre o futuro da América Latina visto através de um homem imóvel e seus trinta pastores belgas malinois”. O homem imóvel possui um mapa do continente latino-americano onde está marcado, em vermelho, os lugares em que a criação de cachorros daquela raça são mais avançados. A partir desse dado, a novela pode ser lida como uma curiosa metáfora para os regimes totalitários. Apesar de sua fraqueza corporal, que se estende até a voz, frágil e quase incompreensível, o homem imóvel tem completo controle sobre os animais. A soberania silenciosa do inválido também é exercida em relação ao resto da família, pois a mãe e a irmã estão presas a um trabalho kafkiano de separação de sacolas plásticas, um afazer que realizam sem sequer saber o propósito de sua ocupação.

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    A prosa de Bellatin tem uma secura única que se tornou sua marca registrada. Desprovida de qualquer emoção, o autor mexicano narra e descreve cenas como uma câmera estática. O livro, por sua vez, é um compilado de pequenos eventos e descrições. A novela é como uma granada que explodiu em centenas de pedaços, e o leitor necessita juntar os cacos em uma tentativa de reconstrução que está fadada ao fracasso. Este recurso, todavia, foi melhor utilizado em Flores, de 2009, uma obra que parece menos fechada em si mesma. Cães Heróis, por outro lado, é uma novela críptica e hermética. Sua trama pode ser reduzida a uma simples, porém esquisita, metáfora sobre a ditadura. Entretanto, tal reducionismo não dá conta dos mecanismos narrativos que se agitam no texto. Bellatin, como demonstrou no inédito Lecciones a una liebre muerta, é uma máquina de engenhar histórias. Suas tramas se espalham no espaço, abrindo-se para muitas interpretações, implorando para serem descobertas por um leitor com coragem de decifrá-las.

     

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