Raquel Carneiro
Robert Galbraith teve uma curta temporada nas livrarias. Em três meses de modestas vendas, o misterioso escritor de O Chamado do Cuco (tradução de Ryta Vinagre, Rocco, 447 páginas, 39,50 reais) teve sua máscara retirada para revelar o rosto de uma das autoras mais famosas da história da literatura. Confortável com seu pseudônimo, J.K. Rowling, criadora da saga Harry Potter e de Morte Súbita, navegou pelo submundo das celebridades e criou um romance policial que em nada perde para antecessoras de peso como P.D. James e Agatha Christie.
Detalhista e envolvente, a narrativa de J.K. conta a história da morte misteriosa da modelo Lula Landry, que caiu da cobertura do prédio em que morava em Londres e, por seu passado marcado pelo uso de drogas e depressão, foi tomada como suicida. Mesmo com o caso fechado, o irmão adotivo da garota, John Bristow, não concorda com a conclusão da polícia e contrata o detetive particular Cormoran Strike para encontrar o possível assassino.
Strike então assume o papel principal no livro, responsável por conduzir a história e desvendar o mistério. O detetive, no entanto, não possui muitos adjetivos. Pouco atraente em vários sentidos, Strike é descrito como um cara grandalhão, desengonçado, sem aptidões sociais, introspectivo e endividado.
Veterano na guerra do Afeganistão, o personagem perdeu uma perna em combate e carrega consigo a vergonhosa história de sua família. Filho de uma groupie, que engravidou de um astro do rock e ficou famosa por isso, Strike é sempre lembrado como fruto de uma família desestruturada e de uma mãe que, aos olhos da sociedade, mereceu a morte por overdose.
Não bastasse, no mesmo dia em que é procurado pelo irmão de Lula, o detetive tem uma briga épica com a noiva, Charlotte, com quem termina o relacionamento, passando a morar no escritório em que trabalha. A vida conturbada de Strike tem relação com a de Lula que, assim como a mãe do detetive, é julgada pela imprensa, pelos amigos e até mesmo pela família, que vê sua morte prematura como algo esperado. “Como era fácil tirar proveito da tendência de uma pessoa à autodestruição; como era simples empurrá-la para a inexistência”, escreve a autora em certo ponto sobre a comparação das personagens desvalorizadas.
A seu favor, o detetive tem sua apurada inteligência e sua nova assistente temporária, Robin, uma jovem garota que aceita o trabalho mais pelo fascínio pela profissão do chefe que pelo salário.
A investigação dura o livro todo, com diversas entrevistas com as pessoas que, de algum modo, estavam envolvidas com a modelo em seus últimos dias de vida. Os leitores mais curiosos devem se segurar para não pular os capítulos para as últimas páginas e descobrir a verdade sobre o caso antes da hora. E, enquanto aguardam o desfecho, acompanhar as reflexões levantadas pela autora ao longo do livro.
Sua principal crítica é voltada à sujeira do mundo da fama. Na falsidade e superficialidade de seus agentes, assim como nos fãs, obcecados por ídolos que pouco têm a oferecer e que, mesmo depois da morte, continuam a ser referência. A imprensa também ganha alfinetadas, principalmente os famosos tabloides ingleses, que exploram ao máximo e incansavelmente pessoas e suas histórias, por vezes trágicas e indignas de serem reveladas. Em certo ponto, a perseguição sofrida por Lula pelos jornais é apontada pela escritora como um dos responsáveis por sua morte.
Apesar da falta de charme e de todas as dificuldades encontradas para desenvolver a investigação, Strike consegue ser um personagem que prende o leitor. Seus pensamentos são relacionáveis e sua falta de simpatia não é motivo para aversão. Enquanto isso, sua criadora prova que conseguiu dar um novo passo dentro da literatura. Com novo fôlego e uma sequência pronta, J.K. Rowling se reinventa, conduz bem o romance policial e prova que saiu com glória das fantasias infantojuvenis para entrar com o pé direito no universo do mistério.