Lázaro Ramos: ‘Falar sobre racismo é incômodo’
Convidado da Flip 2017, ator e escritor fala sobre sua autobiografia, Lima Barreto e os diálogos estabelecidos pelos novos tempos
Há um mês, Lázaro Ramos lançou um de seus maiores desafios. O livro Na Minha Pele (Objetiva, 152 páginas, 34,90 reais) foi um projeto que demandou quase dez anos de amadurecimento do autor, receoso de algo tão íntimo quanto uma autobiografia, especialmente com o racismo como mote. O resultado o surpreendeu. Além da boa recepção, que garantiu um primeiro lugar na lista de mais vendidos – em um mês, o título já está em sua 4ª reimpressão com tiragem de 43.000 exemplares – os leitores atingidos ultrapassou o limite antes imaginado de um público-alvo. “Tenho recebido o mais diverso tipo de retorno. Não sei mais dizer quem é o meu leitor. São pessoas variadas”, conta a VEJA durante conversa na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Ramos foi convidado de honra na abertura do evento, no qual leu textos de Lima Barreto, homenageado da edição.
Durante a entrevista, o ator falou sobre suas novas afinidades com o escritor carioca e sobre racismo, tema não só de seu livro, mas também assunto quente do evento literário.
No livro, você convida as pessoas a compartilharem histórias e diz que gostaria de saber se elas, de algum modo, estão se identificando com algo. Recebeu retornos nesse sentido? Sim, o mais legal que está acontecendo é justamente isso, o retorno das pessoas. Desde gente próxima, como meu pai me mandou um e-mail lindo depois que leu o livro, e meus amigos de infância. Até pessoas que me param e comentam um trecho e como aquilo fez com que elas refletissem sobre sua própria vida. Mas o que mais me surpreende são leitores muito diversos que se identificaram com o livro e por motivos diferentes. Especialmente a relação com a minha mãe. A ideia sempre foi essa, só não tinha certeza de que isso aconteceria. Queria puxar uma conversa com as pessoas. Meu receio era que essa conversa não se estabelecesse. Pois é difícil conversar, ainda mais sobre assuntos como os do livro.
Algum colega de profissão reagiu ao texto, te disse algo que não esperava? Um amigo meu falou: “Eu não te conhecia”. E pediu desculpa, disse que deveria ter sido um amigo mais atento à questão do racismo, o que me deixou muito acanhado. Apesar de no livro eu diagnosticar essa falta, de amigos que desconhecem o que os negros passam, não sei dizer se minhas amizades seriam mais fortes ou não se esse assunto estivesse presente. A resposta desse livro tem sido afetuosa. O lugar dele é do afeto, do retorno. Algumas pessoas me mandam mensagens dizendo que leram o livro. Outras simplesmente tiram uma foto com a capa, o que, para mim, na minha leitura, é um recado que diz: estou próximo. É um gesto superimportante.
Quão difícil é falar sobre racismo? O grande desafio, quando a gente fala de qualquer assunto que pode ser polêmico, é encontrar o ouvido, encontrar a escuta. Temos a capacidade de ter muitas teorias sobre tudo. Falar aquilo que a gente acha. Chegar à roda de conversas e diagnosticar várias coisas. Mas quando o outro diz algo, que talvez não seja tão parecido com aquilo que você pensa, o outro vira um quase-inimigo e você passa a não escutá-lo. Se esforça em tentar encontrar argumentos para que ele se silencie. Isso não é conversa, é outra coisa, menos conversa. Esse nome Na Minha Pele parecia equivocado no começo. Hoje em dia acho muito acertado, pois o título deu conta desse gesto de aproximação que queria. Assim como a capa, que ganhou uma nova narrativa. As pessoas naturalmente aproximam a capa do rosto para fotos. É um gesto de aproximação, de se igualar, de se completar.
Outro ponto do livro são questões estético-raciais. Tem uma opinião sobre apropriação cultural? Acho que é mais um dos traços da redefinição de narrativa que a gente vive. Eu tenho teses, que seriam longuíssimas. Sempre que vou falar sobre algo eu fujo de dar uma resposta definitiva, pois eu acho que as coisas são simultâneas. Precisamos entender o conceito de simultaneidade nas relações, nas coisas, nos desejos, e não só ficar no ser contra ou a favor. Estou mais interessado nesta narrativa. No livro, apesar de eu falar de fatos, eu não arroto verdades, eu tento incluir nas rodas de discussões, entender motivações, ver de onde vêm as coisas. É o caminho que eu optei para mim como comunicador. E tem sido útil, pois está estabelecendo uma conversa. Abrir mão dessa preciosidade que é conversar sobre os assuntos para poder dar uma resposta definitiva sobre algo não é o mais útil para o momento que a gente vive.
Muitas pessoas dizem que racismo é mimimi. O que diria para elas? Falar sobre racismo é realmente incômodo. Sair do seu lazer, do lugar que acha não ter problemas, que isso não te atinge. Quando na verdade atinge. É um incômodo. Esse discurso teria que ser renovado. Não pensar somente como mimimi, mas tentar iniciar uma conversa. Entender porque esse mimimi, esse choro. Se racismo é mimimi, precisamos ouvir esse choro. Uma amiga minha, a tia Má, me falou uma frase muito bonita sobre mimimi: “O pessoal fica falando que negro fica de mimimi, mas mimimi não é choro? Então realmente. A gente tá chorando. Tem um monte de jovem negro sendo assassinado, tem um monte de mulher negra que é desqualificada, tem um monte de acesso a direitos que ainda é negado, então a gente tá chorando mesmo”.
Acha que aprendeu a lidar com a discriminação? Ficamos mais fortalecidos. Porém, quem passa por uma situação de discriminação nunca está pronto. Você não sabe como vai reagir. E nem sei se é bom saber como reagir, pois significa que você está se vigiando constantemente para estar no mundo.
Se aproximar de Lima Barreto também te fez refletir sobre o tema? Fiz um mergulho em Lima Barreto. Me envolvi com a trajetória de vida dele, desde os momentos de dificuldade e exclusão, até o universo criativo. Fiquei muito emocionado na abertura da Flip. Cada texto que declamei, eu estava alimentado por um pedaço da história dele. As palavras do Lima Barreto são uma preciosidade.
Se identificou com algo? Estou com um problema seríssimo. Lendo o livro da Lilia Schwarcz (Lima Barreto: Triste Visionário, da Companhia das Letras), o tempo todo vou encontrando coisas com as quais me identifico. Agora já estou encontrando semelhanças bobas, por exemplo, Lima Barreto morreu no dia 1º de novembro, que é a data do meu aniversário. Ele morreu com 41 anos, minha mãe morreu com 41 anos. Vou encontrando desde essas coisas até outras muito tristes, como análises políticas que ele faz da República, que me representam em tempos atuais.