A entrega da edição 2016 do Prêmio Camões, na manhã desta sexta-feira em São Paulo, foi marcada por um barraco incomum em cerimônias literárias. Agraciado com o prêmio de 100.000 euros (cerca de 330.000 reais), o escritor paulista Raduan Nassar subiu ao palco para agradecer – e também para protestar contra o governo Temer, de quem é crítico feroz desde que a possibilidade do impeachment de Dilma Rousseff começou a se desenhar no cenário político. Escalado para falar na sequência, o ministro da Cultura, Roberto Freire, não ficou calado. Ao contrário: bateu pesado em Raduan, a quem sugeriu que rejeitasse a distinção, e deixou parte da plateia indignada, aos gritos de “Fora Temer”. Presente à cerimônia, o presidente da Companhia das Letras, Luiz Schwarcz, falou a VEJA Meus Livros.
Houve quem apontasse uma inversão na ordem dos discursos – Raduan Nassar deveria falar por último na cerimônia. O senhor acredita que tenha havido uma inversão? Houve de fato um equívoco por parte do cerimonial de inverter a ordem dos discursos. Sempre se deixou primeiro os representantes dos governos falarem e por fim o agraciado. Nos últimos prêmios, foi assim. Tendo-se invertido a ordem e tendo o Raduan se tornado recentemente um manifestante político, o ministro se sentiu ofendido e com vontade de contestar o que foi falado. Mas penso que foi um erro do governo.
Como assim? Acho que estavam esperando uma manifestação do Raduan e por isso inverteram a ordem dos discursos para ter a última palavra, mas foi uma estratégia errada. Faltou sobriedade e elegância. O governo teria saído engrandecido se evitasse o debate. O governo sai diminuído.
Faltou diplomacia, também? Sim. O protesto poderia ter sido recebido com mais diplomacia por parte do ministro e não ter gerado as manifestações acaloradas da plateia. Se eu fosse um governo criticado numa ocasião como essa, teria optado por uma atitude diplomaticamente mais sóbria, de não partir para o confronto para o premiado. No máximo, uma opinião curta, dizer, “Na minha opinião, não houve golpe”.
Que parte do discurso do ministro mais o incomodou? Foi ruim desde o início. Ele começou dizendo que não esperava tal atitude de protesto de uma pessoa com a idade do Raduan, já se fosse um autor mais jovem… E sugeriu que não aceitasse o prêmio. O Roberto Freire resolveu contra-atacar as críticas fortes do Raduan, que não considera essa gestão legítima, mas foi ruim.
O senhor falou com o Raduan depois da entrega do prêmio? Não conseguimos conversar depois. Mas sei que ele está descansando em casa, em São Paulo.
O Prêmio Camões é a mais importante distinção da Língua Portuguesa. O embaixador de Portugal no Brasil, Jorge Cabral, participou da entrega. pic.twitter.com/UvY1xsZ2oR
— Roberto Freire (@freire_roberto) February 17, 2017