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Saramago pré-Saramago

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Por Antônio Xerxenesky
Atualizado em 13 ago 2018, 21h45 - Publicado em 20 nov 2011, 09h10
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    É com grande curiosidade que os entusiastas do autor português José Saramago aguardavam o lançamento de Claraboia (Companhia das Letras, 384 páginas, 46 reais), romance que o autor português escreveu no início dos anos 1950, muito antes da fama e do sucesso, e que nunca havia sido publicado até agora, mais de um ano depois de sua morte.

    Inevitavelmente, os estudiosos do escritor farão uma leitura desse romance na qual rastrearão temas e formas que devem estar presentes em estágio embrionário nesta obra de início de carreira. Os que não são especialistas em Saramago, entretanto, ficarão chocados ao descobrir que Claraboia não apresenta quase nenhuma característica que costumamos associar ao autor.

    O estilo que o escritor de O Evangelho segundo Jesus Cristo tornou sua marca registrada, instantaneamente reconhecível pelo uso peculiar de pontuação (frases longas unidas por vírgulas, sem travessões ou aspas para identificar diálogos), está ausente em Claraboia. Neste livro de juventude, Saramago utiliza um registro bem comportado, alternando descrições de cenário e objetos, detalhamento psicológico e diálogos bem marcados. Em resumo: um estilo muito similar ao dos realistas do século XIX, como o português Eça de Queirós, mas com descrições que não possuem o brilho das oferecidas por Eça.

    Mas do que se trata, afinal, Claraboia? Da vida cotidiana de um grupo de pessoas, que mora em um mesmo prédio, em uma zona pouco nobre da cidade. São vários núcleos de personagens, cada um em seu apartamento: irmãs que tem discussões sobre música e livros, um velho casal que sofre com a falta de dinheiro e aluga um quarto para um jovem rapaz, uma moça que é sustentada pelo amante de mais idade… Pouca coisa acontece no enredo do romance, estruturado como pequenos registros fotográficos de momentos comuns da vida dessas pessoas. Há apenas esparsas tentativas de escapar desse esquema narrativo, como o capítulo XIII, que começa com um trecho de diário e segue com um recorte de um romance de Diderot.

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    claraboia-saramago-capaAs partes de maior impacto emocional do romance geralmente são sabotadas por uma dramaticidade exagerada e por diálogos que revelam demais, como este de Emílio falando com o filho adormecido: “Sou infeliz, Henrique, sou muito infeliz. Vou-me embora um dia destes. Não sei quando, mas sei que irei. A felicidade não se conquista, mas quero conquistá-la. Aqui já não posso. Morreu tudo… A minha vida falhou. Vivo nesta casa como um estranho. Gosto de ti e da tua mãe, talvez, mas falta-me qualquer coisa”.

    O verdadeiro problema de Claraboia talvez resida no fato de que Saramago deixa muito pouco para a imaginação do leitor. O que não está explicitado em diálogos, logo em seguida é tornado claro pelo narrador. O leitor custa a crer que se trata do mesmo autor que, anos depois, se especializaria em metáforas e alegorias de múltiplas interpretações, como é o caso de seu Ensaio sobre a Cegueira.

    Saramago também sempre foi associado a ideias ousadas e polêmicas – e até questionáveis. Ateu convicto e crítico severo do sistema capitalista, nunca deixou de expressar com vigor sua visão de mundo em entrevistas e livros, como Ensaio sobre a Lucidez, que apresenta como enredo uma votação que tem 70% de votos em brancos, mostrando uma população revoltada com a suposta democracia que imperava no local. Nada desse vigor se encontra em Claraboia, no entanto. Parece haver uma tentativa do autor de buscar uma espécie de sabedoria popular. Saramago coloca, constantemente, os personagens em discussões políticas e filosóficas. No entanto, as ideias expressadas não possuem potência ou energia, e as discussões se tornam de baixa voltagem.

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    Depois de Claraboia ter sido recusado por uma editora nos anos 50, Saramago só voltou a tentar publicar um livro na década de 70. Podemos especular que foi nesse período de vinte anos de silêncio que o autor viveu sua verdadeira formação literária, começou a forjar seu estilo e a estruturar suas ideias e linhas de ataque. Se Saramago é de fato o gênio que muitos dizem que é, não será uma tarefa fácil localizar vislumbres deste talento avassalador nas linhas enfadonhas de Claraboia.

     

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