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A estratégia da audácia de Guaidó para salvar a Venezuela

O momento histórico criou homens e mulheres de incrível coragem e nenhum deles é mais arrojado do que o presidente interino que só tem divisões morais

Por Vilma Gryzinski 2 Maio 2019, 10h58
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  • “O papa? Quantas divisões ele tem?”. Esta é talvez a mais famosa frase de Stalin. Foi dita em tom sarcástico, em 1935, a Pierre Laval, ministro das Relações Exteriores da França, que passava o chapéu em todas as frentes, do Vaticano ao subserviente Partido Comunista Francês, para selar alianças contra o iminente perigo alemão.

    Juan Guaidó não tem divisão nenhuma e pareceu enfraquecido depois da quase inexistente rebelião militar da terça-feira, encerrada com os poucos integrantes da Guarda Nacional pedindo asilo na embaixada brasileira e Leopoldo López, seu mentor, na embaixada da Espanha.

    No dia seguinte, com voz rouca, falou à massa como se o que tivesse acontecido fosse pouca coisa: “Peço a todos os venezuelanos que continuemos agitados, fortes, altivos, com esperança, com confiança”.

    “Hoje Maduro não tem o apoio das Forças Armadas”, disse num vídeo anterior, contra todas as evidências.

    Como se estivesse acostumada a qualquer coisa, e talvez os anos de dureza tenham ativado a reserva de força que todos têm para os momentos de grande emergência, Lilian Tintori, a ex-campeã de kitesurfe e participante de reality shows transformada em leoa na defesa do marido, Leopoldo López, inspecionou sua casa revirada e saqueada enquanto estava com ele na embaixada da Espanha.

    “Maduro mandou uns ladrões porque ele é um ladrão, um corrupto, um ditador, uma pessoa que que mantém destruído um país que passa fome.”

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    “O que ganharam com isso? As pessoas foram às ruas do mesmo jeito; querem mudança e a mudança virá; a usurpação já vai acabar.”

    Palavras assim são importantes para lembrar que milhões e milhões de venezuelanos não estão acabados, perdidos, derrotados. Resistem com os meios que têm, desafiam a tirania e arriscam a própria vida.

    Mesmo quando os adversários “zombam de nós e de nosso sofrimento”, segundo disse Guaidó.

    Também valeria notar que o governo Trump não está perdido, sem opções, segundo uma peculiar teoria do momento.

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    Nem que declarações de contatos fracassados com altas autoridades do regime significam um reconhecimento de derrota. Só do nome de alguém como o poderoso Padrino, o chefe das Forças Armadas, ou de um juiz da Suprema Corte aparecer na lista já basta para criar, como dizem os médicos para preparar o espírito do paciente, um grande desconforto.

    Desde o momento em que irrompeu estrondosamente na praça pública, real e virtual, declarando-se presidente interino com base na autoridade dada pela Assembleia Nacional, o congresso neutralizado pelo regime por ter maioria absoluta oposicionista, Guaidó optou pela audácia.

    Segundo o Wall Street Journal, pouquíssimas pessoas sabiam da iniciativa, inclusive da oposição, para que “não estragassem tudo”. Alguns desceram do palanque improvisado e todos começaram a perguntar pelo WhatsApp que diabos, digamos, estava acontecendo.

    Foi deixada a Guaidó a prerrogativa de tomar a decisão, apenas um dia antes, por causa dos “riscos que corria”, segundo Edgar Zambrano, vice dele na Assembleia Nacional, um dos poucos informados sobre o plano, comandando por Leopoldo López de casa, onde cumpria prisão domiciliar.

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    É claro que houve uma longa preparação de bastidores, sobretudo nos Estados Unidos, onde o governo Trump está apertando todos os parafusos da caixa de ferramentas para expelir Maduro e companhia pela via pacífica.

    O sucesso de Guaidó com a massa e o concatenado reconhecimento diplomático que recebeu criaram o momentum certo, o impulso que parecia irresistível.

    Com a ajuda de seus 2.000 generais e de aliados que parecem nome dos sujos e malvados – Rússia, China, Turquia e Irã –, Nicolás Maduro resistiu a manobras audaciosas como a autoproclamação de Guaidó, a frustrada tentativa de colocar ajuda humanitária através de fronteiras, saída e entrada no país de Guaidó sob proibição, a mobilização permanente e os acontecimentos dessa semana.

    Em todas as ocasiões, sem vacilar, Juan Guaidó respondeu que era questão de tempo e só existia a via da persistência. Depois, em algum momento, dobrou a aposta.

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    “A primeira virtude de um soldado é suportar a fadiga, coragem é apenas a segunda”, dizia Napoleão, também eternamente associado ao comando “a audácia, sempre a audácia”, uma disposição tática que deveria ser precedida pelo minucioso planejamento estratégico.

    A audácia de Guaidó vai ser compensada? Com o jogo se desenrolando, é difícil cravar.

    Maduro saiu hoje em marcha triunfal, acompanhado de quatro mil militares, Vladimir Padrino ao lado. Parecia a marcha da vitória, mas é bom prestar a atenção a um vídeo postado por seis parentes do general, incluindo sua mãe, Carmen Oneida López.

    “Você, como outros venezuelanos, sonhava com um país melhor e cresceu com um projeto que é evidente hoje que fracassou. Sabemos como é difícil estar em seu lugar. Mas você, meu amor, pode fazer isso e dar o valente passo de ficar ao lado do povo. Estamos falando porque nunca perdemos a esperança de ver você dar o passo correto”, apelou ela.

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    Já pensaram ouvir isso da mãe?

    E qual mãe se orgulha mais do filho: a de Padrino ou a de Guaidó?

    Adendo final: depois da invasão alemã, Pierre Laval ficou do lado errado da história e aderiu ao governo colaboracionista de Vichy, a cidade francesa onde o marechal Pétain pretendeu salvar a França através da submissão ao nazismo.

    Foi executado por fuzilamento em 15 de outubro de 1945, depois de uma fracassada tentativa de suicídio.

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