Estados Unidos, Reino Unido, União Europeia, Canadá, Austrália, entre outros desenvolvidos, estão embicando para a recessão.
Alguns aceitam a realidade ou não optam pela economia quântica, na qual a recessão pode ser e pode não ser ao mesmo tempo. O presidente do Banco da Inglaterra, Andrew Bailey, fez prognósticos de arrepiar: a recessão no Reino Unido começará no fim desse ano e avançará por cinco trimestres seguidos.
O PIB vai cair 2,1% e a inflação atingirá 13%. Os preços da energia empurram esse fenômeno deprimente, que coincidirá com a administração do novo primeiro-ministro – ou nova, todo mundo sabe -, a ser escolhido pelo Partido Conservador, em setembro. Nem um mágico dará jeito e não é impossível prever um governo de esquerda a partir de 2024: não há prestígio que aguente uma recessão com inflação, o melhor jeito de deixar todo mundo mais pobre.
O mesmo fenômeno já corrói cruelmente a popularidade catastrófica de Joe Biden. Algumas pesquisas dão uma aprovação apenas um pontinhos acima de 30% – “nixoniana”, foi um dos adjetivos empregados, comparando o presidente à fase que antecedeu a renúncia de um destroçado Richard Nixon.
Os dois trimestres seguidos de PIB negativo colocaram os Estados Unidos bem no colo da recessão e a reação dos simpatizantes do governo foi tentar mudar a definição. A Wikipedia virou cenário de intervenções constantes, na tentativa de dizer que a coisa não é bem assim.
No momento, a definição clássica é acompanhada pelo “mas, porém” do Serviço Nacional de Pesquisas Econômicas (NBER, em inglês), qualificando recessão como “um declínio significativo na atividade econômica disseminado pelo mercado, durando mais do que alguns meses, geralmente visível no PIB real, na renda real, no emprego, na produção industrial e nas vendas no atacado e no varejo”.
O NBER “não é o árbitro oficial da recessão”, escreveu no Wall Street Journal o economista Philip Magness do Instituto Americano de Pesquisas Econômicas, alinhado com a visão libertária. Ele também ironizou o jogo de palavras – e o “modernismo” linguístico – da Casa Branca ao defender um “olhar holístico sobre os dados”.
Geralmente, quando a abusada palavra “holística” entra em campo, a discussão já está perdida.
Mas mesmo assim os checadores do Facebook insistiram e classificaram a análise de Magness de “equivocada”.
“Vivemos num inferno orwelliano”, reagiu o economista. “O Facebook agora ‘checa’ qualquer pessoa que questione o jogo de palavras da Casa Branca sobre a definição de recessão”.
“Recessão. A) Dois trimestres consecutivos de crescimento negativo do PIB quando a mídia não gosta do presidente. B) Um estado vago, holístico, mal definido, sobre o qual você não é autorizado a falar até que o NBER tome uma posição, daqui a um ano, quando a mídia gosta do presidente”.
O encolhimento do PIB americano foi de 1,6% no primeiro trimestre e de 0,9% no segundo.
É óbvio que as declarações da Casa Branca e seus anexos tentando negar a realidade obedecem ao principio político do “o que é ruim, a gente esconde”. E é óbvio que a oposição de direita tem interesse em trombetear os números negativos.
Janet Yellen, a secretária do Tesouro, já teve que pedir desculpas por ter desqualificado os indicadores da inflação – o que fez, evidentemente, não por ignorância, mas por encenação política.
O risco de esconder demais o que é ruim é exagerar na mão e perder a credibilidade. Tanto Janet Yellen quanto o presidente do Fed, Jerome Powell, estão correndo este risco.
“E não foi só a elite do governo que errou ou mentiu”, bufou no Substack o analista Christian Whiton.
“As outras pessoas a quem você paga indiretamente para acertar, analistas econômicos das grandes firmas de Wall Street, na maioria erraram. No geral, os grandes bancos prognosticaram crescimento econômico embora tivessem acesso à mesma informação que o resto de nós tem e a confirmação de um desaquecimento em suas próprias atividades comerciais”.
O que pode fazer o governo Biden para mudar o quadro recessivo e, mesmo que não dê tempo para alguma recuperação até a eleição legislativa de novembro, chegar à disputa presidencial de 2024 sem as pernas quebradas?
Biden aposta no keynesianismo de manual, com toques de Nova Política Monetária: gastar, gastar muito, esperando que as sucessivas injeções de trilhões de dólares sacudam a economia. O mais recente pacote, de 700 bilhões de dólares, aprovado pelo senador democrata Joe Manchin, que relutava em aumentar a gastança, foi tratado por simpatizantes do governo como a salvação nacional.
O que não pode fazer, pois iria contra os princípios hoje dominantes no Partido Democrata, é apostar no modelo Ronald Reagan, um caso raro de presidente reeleito com recessão.
Reagan “cortou impostos e regulamentações, ao mesmo tempo em que deu a Paul Volcker, o presidente do Fed, o apoio político necessário para apertar a política monetária dramaticamente”, resumiu Whiton.
É difícil acreditar, hoje, mas a taxa de juros nos Estados Unidos subiu na época a 20%. Isso aumentou a recessão, mas controlou a inflação.
“A partir desse reset, os cortes de impostos e o apoio sem freios de Reagan ao capitalismo de livre mercado criaram uma economia vibrante, sete gordos anos de crescimento que mudaram a América e o mundo”.
É claro que, para os defensores das teses opostas – não existe disciplina mais politizada do que a economia -, Reagan foi um desastroso precursor da disparidade de renda e do corte de serviços públicos essenciais.
Recessões são períodos difíceis em que as tensões entre as respostas para os problemas eternos – qual a melhor forma de governar um país e beneficiar o maior número possível de pessoas – aumentam em vez de diminuir.
Isso não vai mudar se o PIB crescer no próximo trimestre ou o mercado de trabalho continuar a apresentar bons números. O fenômeno tem raízes profundas, a praga da Covid mudou muita coisa e a Rússia não vai dar sossego ao mercado de combustíveis. Não tem visão holística que mude isso.