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A guerra é justa, mas…

Israel não pode conviver com o Hamas nem destruir Gaza no processo

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 4 jun 2024, 09h56 - Publicado em 18 nov 2023, 08h00

A analogia dos lutadores de boxe é muitas vezes invocada para retratar os limites da guerra justa. Se os dois boxeadores estão no ringue, podem se esmurrar com gosto e até quem nem suporta ver isso costuma aceitar as regras do jogo. Se um deles ataca o adversário pelas costas a caminho do vestiário, está infringindo as regras. Depois do ataque em massa contra civis, com o extermínio de crianças, a incineração de pessoas vivas e o estupro de mulheres, vivas e mortas, Israel pode se manter britanicamente entre as quatro cordas do ringue, acertando o adversário apenas dentro dos limites da discriminação e da proporcionalidade, segundo os critérios internacionais?

A resposta é não e sim. Pelos princípios da proporcionalidade, os objetivos militares alcançados com um inevitável sofrimento da população civil têm uma importância absoluta: Israel não pode deixar que os responsáveis pelas monstruosidades cometidas em seu território escapem impunes, sob o risco existencial de vir a sofrer novos e piores ataques. Quem tem reiteradas intenções genocidas em relação à população judaica é o Hamas. “Do rio ao mar, a Palestina vai ganhar”, a palavra de ordem repetida em manifestações mundo afora significa que a nação de hoje se tornaria Judenfrei, uma reedição do ideal nazista.

Mas os líderes israelenses sabem também que existe uma “janela de oportunidade”, um tempo em que a margem de tolerância dos diversos atores políticos envolvidos vai se esgarçando. A memória das atrocidades cometidas em 7 de outubro vai sendo superada pelas imagens de civis de Gaza mortos, feridos ou desabrigados. O Hamas conta — e sempre contou — com isso, mas o fato de que manipule o sofrimento de sua própria população não significa que aceitemos impassivelmente vê-lo acontecer.

“Os israelenses sabem que existe uma ‘janela de oportunidade’ em termos de tolerância global”

A guerra pode ser justa e até moral, mas para uma mãe que perde um filho num bombardeio o fato de que os critérios de proporcionalidade foram atendidos nada muda. Todas as pessoas dotadas de empatia e compaixão entendem isso, embora saibam muito bem distinguir quem foi a vítima e quem foi o agressor responsável por desencadear a terrível roda da morte e rejeitem a torpe equiparação entre os dois lados. O sofrimento da população civil influencia a opinião pública nos Estados Unidos, levando Joe Biden a pressionar Israel a aliviar os bombardeios — ou pelo menos parecer que está fazendo isso. Aliados importantes no Oriente Médio, que abominam o Hamas, também correm risco de desestabilização se não parecerem defender uma população árabe.

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A estranha guerra em que Israel bombardeia a superfície e atinge civis, enquanto os combatentes inimigos estão debaixo da terra e as saídas dos túneis têm de ser explodidas uma a uma, pode durar meses, se considerados apenas os critérios militares. Mas a janela de oportunidade, em termos de tolerância da opinião pública internacional, não vai ficar aberta esse tempo todo. Como a volta ao status quo anterior é injusta e até maligna, além de inaceitável para os israelenses judeus, Israel tem de cumprir depressa a missão de obliterar o Hamas.

Duas grandes forças morais antagônicas se digladiam, a guerra justa e a justa defesa de civis, e exigem que tomemos posição. Não é fácil enfrentar esse octógono em escala mundial.

Publicado em VEJA de 17 de novembro de 2023, edição nº 2868

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