O assunto é sério, mas é difícil não dar risada com o caso de Chris Pincher, cujo sobrenome significa o que belisca, ou beliscador.
Depois de uma noite de bebedeira e assédio sexual a dois homens num clube fechado, Pincher foi afastado do posto de vice-líder do Partido Conservador, ou principal assessor do “whip”, o encarregado da disciplina partidária.
Como é comum em casos similares, ele tinha uma longa ficha de desvios de comportamento, inclusive uma ocasião em que passou a mão na parte de dentro da coxa de outro parlamentar.
Já seria um constrangimento para o governo se Boris Johnson não tivesse recorrido a uma conhecida tática: negar tudo. Quando a realidade fática vai aparecendo, ele vai mudando de versão.
Boris já está com a ficha suja em seu próprio partido por causa dessa relação elástica com os fatos. Os escândalos são pequenos, alguns até ridículos, mas ficam pior ainda por causa das mentiras.
Exemplos: aceitou dinheiro de um grande doador do partido para que a mulher renovasse a ala residencial de Downing Street com um papel de parede caríssimo (o wallpapergate), tentou emplacar um emprego para ela nada menos que na equipe do príncipe Charles, participou de várias festinhas e happy hours no local de trabalho enquanto o resto do país seguia as regras rígidas do isolamento social (o partygate).
A renúncia de dois de seus ministros mais importantes transformou um caso menor, embora não desprezível, no escândalo que pode finalmente concretizar a tantas vezes prognosticada queda de Boris Johnson.
Perder Rishi Sunak num momento em que se acumulam os problemas econômicos comuns a tantos países – combustíveis caros e, potencialmente, inacessíveis e as mordidas dolorosas da inflação – é um golpe quase letal para Boris.
O outro ministro, Sajid Rajiv, tinha conseguido o impressionante feito de estabilizar a pasta da Saúde, abalada em plena pandemia por outro escândalo ridículo, quando seu antecessor, Matt Hancock, foi filmado agarrando uma assessora em pleno local de trabalho. Os dois saíram do governo e ficaram juntos, deixando um dos vários legados de descrédito que se acumulam em torno de Boris.
“O público espera, com razão, que o governo seja conduzido apropriadamente, competentemente e seriamente”, disse Rishi no seu pedido de demissão. Reconheço que este pode ser meu último cargo ministerial, mas acredito que são padrões pelos quais vale a pena e é por isso que estou renunciando”, escreveu Rishi.
Ele próprio tinha sido chamuscado pelo caso de sua mulher, filha de um bilionário indiano que continuava a ter domicílio fiscal na Índia – com consequentes benefícios.
Said Rajiv, filho de imigrantes paquistaneses, teve uma frase demolidora, apesar de ressaltar as conquistas de Boris: “Não posso mais, em sã consciência, continuar a servir este governo.” “Os britânicos esperam, com razão, integridade de seu governo”.
Boris sobreviveu a uma moção de não confiança apresentada por parlamentares que não aguentavam mais sua integridade duvidosa e estava relativamente garantido pelo prazo de um ano, o mínimo para outra iniciativa desse tipo.
Agora, um homem chamado beliscador apareceu em seu caminho e tudo pode desabar.