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“Abraços e não balaços”: política mexicana resultou em mais violência

O presidente López Obrador faz o gênero paz e amor, mas a realidade de um país dominado pelo narcotráfico vai ficando cada vez pior

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 16 ago 2022, 08h05 - Publicado em 16 ago 2022, 08h04

Um dos mais falsos argumentos dos que defendem a legalização das drogas é dizer que a guerra a elas fracassou.

É mentira: fracassados são os governos ineptos ou corruptos, quando não ambas as coisas, que não conseguem cumprir um dos deveres mais básicos, o de garantir padrões aceitáveis de segurança para a população.

Um exemplo flagrante disso é o que está acontecendo no México, onde o presidente Andrés Manuel López Obrador prometeu “abraços e não balaços” e hoje está colhendo repiques de violência que impressionam até pelos padrões mexicanos.

AMLO, como é conhecido, finalmente se pronunciou sobre a onda de atentados e assassinatos, dizendo, contra todas as evidências, que a governabilidade não está ameaçada e, claro, tudo não passa de “propaganda negra” de seus adversários políticos.

Talvez ele devesse incluir o governo americano na lista: metade do México está sob alerta laranja ou vermelho, um sistema do Departamento de Estado para avisar os cidadãos do país sobre regiões conflagradas no estrangeiro. Em Tijuana, a complicada cidade que fica na fronteira, os funcionários diplomáticos americanos foram instruídos a não sair de casa durante o último fim de semana.

Segundo a explicação oficial, a explosão de violência, com tiroteios nas ruas e dezenas de incêndios de pequenos comércios, a maioria da bem sucedida rede de lojas de conveniência Oxxo, aconteceu porque uma unidade do Exército teve ousadia de fazer uma operação no momento em que representantes do mais brutal dos bandos de narcotraficantes, o Cartel Jalisco Nova Geração, estavam reunidos. Foi por acaso, os envolvidos nem imaginavam que tinha gente tão VIP assim.

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O chefão mais importante, Roberto Ruiz Velasco, conhecido como Doble R, escapou, apesar dos boatos de que seus cupinchas estavam botando fogo no país para conseguir sua libertação.

Não seria uma novidade. Numa atitude inacreditável, o presidente mandou soltar Ovídio Guzmán, filho do notório El Chapo, que cumpre prisão perpétua nos Estados Unidos, depois que seus comparsas montaram uma operação de guerra na cidade de Culiacán.

Tendo cedido uma vez, é claro que López Obrador se colocou na posição de ser chantageado infinitamente.

A briga entre cartéis também produziu um episódio espantoso: pistoleiros se passaram por familiares de presos da principal penitenciária de Ciudad Juárez e fuzilaram três desafetos.

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Pelo menos dez pessoas foram mortas na onda de ataques em Juárez, incluindo uma mulher grávida queimada viva numa loja incendiada e quatro funcionários de uma rádio local. Comércios e escolas fecharam as portas. Em algum momento, apareceu uma cabeça humana separada do corpo.

A situação no México é comparável à das áreas sem lei no Rio de Janeiro, mas os volumes envolvidos são muito maiores, tanto em termos da droga que entra no maior mercado do mundo, o americano, como do dinheiro que circula entre os narcotraficantes.

Nos últimos três anos, um dos principais indicadores de ineficiência do sistema judicial, o número de homicídios, ficou a uma média de 34 mil por ano (41 mil no Brasil em 2021, com a diferença que temos noventa milhões de habitantes a mais e o número está caindo).

A natureza territorial da guerra entre cartéis alimenta a ultraviolência, com mutilações e decapitações constantes. Em casos extremos, os narcos divulgam vídeos em que aparecem em atos de canibalismo.

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“Quero dizer ao povo do México que fique tranquilo. Há governabilidade, há estabilidade. O país não é um inferno”, disse AMLO, com a típica desconexão com a realidade que acomete tantos governantes. “Foi um dos fins de semana, embora pareça inacreditável, com menos homicídios. No entanto, por causa da propaganda, a percepção é outra”.

Embora acusar os próprios cidadãos de “percepção” errada seja surreal, é claro que AMLO já pegou pronto um problema alucinantemente difícil de ser resolvido, o tráfico em sociedades não funcionais, com altos índices de corrupção, ineficiência, sistemas judiciários falidos e pobreza, como as latino-americanas. 

Das dez cidades mais perigosas do mundo, oito são na América Latina, com os quatro primeiros lugares ocupados por mexicanas.

Um problema tão complexo exige múltiplas frentes para ser combatido, mas não significa que os defensores de condições mais justas devam simplesmente assinar a rendição e liberar as drogas, como se fosse uma solução mágica.

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Se fosse, o doce e cordato AMLO, que tem impressionantes 67% de aprovação popular, passando de 80% em três estados, já reinaria sobre um país reconciliado e pacífico. Apesar do aumento da violência, ele tem uma espécie de imunidade permanente. Seu prestígio não foi abalado pela “devolução” do filho de El Chapo – nem pelo desvio de rota que fez para encontrar a mãe do traficante preso, outra atitude espantosa.

O presidente mexicano é criticado, à esquerda, por planejar decretar a transferência da Guarda Nacional, a principal força policial, para a Secretaria da Defesa. Isso é considerado uma “traição” aos princípios defendidos por AMLO. Os cidadãos que são pegos diariamente numa guerra cruel, comandada por traficantes brutais, não estão tão preocupados assim.

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