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Americanos não aguentam mais: ‘Estrangeiros, go home’

Só este ano, foram quase 200 mil ilegais apreendidos na fronteira e depois liberados nos Estados Unidos; presidente mexicano enrola Trump

Por Vilma Gryzinski 7 jun 2019, 08h26

Quando até leitores do New York Times, a bíblia politicamente correta, reclamam das ondas humanas incontroláveis que não param de entrar no país, a coisa está feia.

E quando Donald Trump se prepara para a campanha pela reeleição não só sem ter cumprido a promessa principal do primeiro mandato, controlar a imigração clandestina, mas com os números aumentando, fica pior ainda.

O surto migratório tem os motivos de sempre – pobres querem fugir de países fracassados e existe uma rede profissional para ajudá-los nisso –, e algumas novidades.

Por exemplo, o novo presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, o AMLO, que se considera uma espécie de guia espiritual, assumiu prometendo “vistos humanitários” para os migrantes provenientes da América Central, especialmente Guatemala e Honduras.

Disse também que havia empregos no México para eles. Menos espiritualizados, guatemaltecos e hondurenhos preferem mesmo o paraíso americano.

Com capitalismo real, os Estados Unidos tiveram um crescimento econômico de 3% este ano. Ironicamente, uma obra em boa parte com a assinatura de Donald Trump.

No capitalismo de pés de barro que assola a América Latina, o México encolheu desde a posse de AMLO em dezembro: 0,2% de crescimento negativo.

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Lembra algum outro país? Pois o México está pior em outro aspecto crucial, inclusive com influência sobre a imigração: a criminalidade aumentou com AMLO no poder. Foram 8843 homicídios nos primeiros três meses do ano, aumento de 10% (a impressionante queda nos números brasileiros parece não interessar a ninguém, por motivos nada misteriosos).

O programa de governo do presidente mexicano é combater a corrupção e diminuir a criminalidade. Mas não tem um plano multifacetado contra as grandes quadrilhas que dominam o México em proporção muito maior do que no Brasil, devido à posição única do país de receptor de cocaína vinda da Colômbia e da Venezuela e transmissor do produto para o grande mercado americano.

Depois que Trump ameaçou aumentar em 5% as tarifas de produtos provenientes do México, a atenção de AMLO se concentrou um pouco.

Primeira providência: convocar, para amanhã, uma manifestação de todas as forças vivas da nação, enquanto as mortas continuam aumentando, em defesa da dignidade do México.

Segunda, desmentida e depois confirmada, à maneira latino-americana: enviar a Guarda Nacional para a fronteira com a Guatemala, com o objetivo de controlar a crescente onda humana e não levar o que seria uma destruidora sobretaxa.

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O México tem balança comercial positiva com os Estados Unidos: importa 300 bilhões de dólares e exporta 370.

Claro que produtores americanos que exportam para o México e os que têm empreendimentos no país também entraram em surto com a ameaça de Trump e acionaram seus bons amigos no Partido Republicano.

O vice-presidente Mike Pence, representando o governo americano nas negociações com o México, avisou gentilmente que as tarifas punitivas começam na próxima segunda-feira.

O México manda hoje menos gente para os Estados Unidos do que no pico da migração clandestina, mas permite a livre passagem de guatemaltecos e hondurenhos, sem contar chineses, árabes e até africanos que fazem a travessia ilegalmente.

Chegam com o roteiro organizado: cruzam a fronteira, “entregam-se” a agentes de migração, lêem ou pronunciam o pedido de asilo político. Os que não levam crianças, próprias ou emprestadas, como garantia de passagem livre, ficam apreendidos durante alguns dias.

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Assumem o compromisso de comparecer perante um juiz quando forem convocados, para defender o pedido de asilo. Com tornozeleira eletrônica, são levados nas “vans brancas” do Departamento de Segurança Interna e desovados, por assim dizer, em cidades próximas da fronteira.

Adivinhem quantos comparecem à audiência, quando intimados?

Menos de um terço. A média diária de migrantes clandestinos assim “despejados” chegou a 5 500. Nesse ano, foram 196 mil. Isso sem contar os que entram sem se entregar voluntariamente ou ser apreendidos. Devem passar de um milhão até o fim do ano.

Mesmo um país rico, enorme, diversificado e cheio de empregos como os Estados Unidos tem sérias dificuldades para lidar com números dessas proporções.

Como todos os demais do Novo Mundo, os Estados Unidos são um país construído por imigrantes, desde os puritanos que saíram da Inglaterra no Mayflower até as massas que passavam por Ellis Island, muitos dando pequenos beliscões no rosto para ficar corados e não parecer ter alguma doença – passaporte para ser despachado de volta.

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Quem chegava assim, dependia de parentes, amigos ou da pura iniciativa própria para encontrar trabalho e ganhar a vida. Posteriormente, os imigrantes passaram a precisar de um “patrocinador” que garantisse o básico, sem recursos do governo, até se firmar por conta própria.

O “modelo” atual, para os migrantes clandestinos, não tem nada disso. Os custos, incluindo escolas para as crianças e atendimento médico emergencial para todos, acabam pesando nos municípios onde eles são ”desovados”.

“Por que temos que tomar conta de pessoas que se recusam a tomar conta de si mesmas?”, perguntou um leitor indignado do New York Times, jornal alinhado com a política progressista de portas abertas.

“Professores fazem greve porque são sobrecarregados com os resultados reais desse tipo de migração”, escreveu outro, com o nick Please Go Home. “Está na hora de acabar com isso. Os pedidos de asilo têm que ser processados no México, onde têm a mesma língua e a mesma cultura.”

Trump passou um tempão falando no “muro bem bonito” que ia fazer, mas agora está na seguinte situação: sem muro e sem outras políticas de controle de uma situação que parece cada vez mais incontrolável. Daí a ameaça do tarifaço de 25%.

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Além dos progressistas em geral, muitas igrejas, especialmente a católica, apoiam a política de portas abertas. Organizações que misturam os dois componentes, esquerdismo à moda da Igreja Católica, promovem, financiam e dão a infraestrutura para as grandes marchas de migrantes da América Central. A Pueblo Sin Fronteras é uma das mais conhecidas.

Mas nada se compara ao empreendedorismo movido a lucro dos “coiotes”, hoje organizados em esquemas que providenciam tudo para a viagem que varia de quinze a vinte dias.

Incluindo meia passagem para crianças, tratadas como um trunfo em razão das facilidades que os americanos dão aos adultos que as trazem. É só pagar cinco mil dólares, adiantados ou garantidos para data futura, quando o migrante já tiver arranjado emprego.

Os novos e dinâmicos coiotes distribuem cartões – “Confie em Deus e em nós” – até nos vilarejos mais pobres de povos indígenas que ainda falam um dialeto misturado de espanhol e língua nativa.

Como acontecia no México, existem hoje na Guatemala classes inteiras em escolas pobres onde as crianças têm pai e mãe nos Estados Unidos. Todas sonham em fazer a mesma coisa quando forem maiores.

Os Estados Unidos são o país que mais recebe estrangeiros. Atualmente, são 45 milhões – um número inacreditável – de pessoas nascidas em outro país. Cerca de 25% entraram clandestinamente.

Os cinco primeiros lugares de estrangeiros, independentemente da situação jurídica, são: México (11,2 milhões), China (2,9 milhões), Índia (2,6 milhões), Filipinas (2 milhões) e El Salvador (1,4 milhão).

Nem precisa adivinhar para saber quais estrangeiros têm o índice mais alto de instrução, adquirida no próprio pais ou nos Estados Unidos, e quais estão no fim da fila. Uma dica: 52% dos asiáticos têm grau universitário completo.

Os Estados Unidos precisam tanto de pesquisadores científicos quanto de trabalhadores agrícolas, mas é evidente que muitos americanos não aguentam mais subsidiar mão de obra barata ou dar bolsa-migrante para os que chegam já querendo tirar um farelinho da monumental torta de maçã.

O ato convocado pelo presidente mexicano “para defender a dignidade do México” será em Tijuana, a notória cidade fronteiriça. AMLO, da tribo dos populistas de esquerda mas ainda sem a pecha da corrupção, tem 64% de aprovação. Tudo o que escreve ou diz poderia ter sido escrito ou dito pelo papa Francisco.

“Lembre-se que não me falta coragem, não sou covarde nem temeroso”, escreveu ele a Trump depois da ameaça do tarifaço, em típico estilo autoelogioso. “Presidente Trump, os problemas sociais não são resolvidos com impostos ou medidas coercitivas.”

Ironicamente, muitos americanos que não querem maltratar ou humilhar os migrantes que chegam por cima ou por baixo do pano, mas não veem saída que não seja coercitiva para controlar o fluxo, respondem com a palavra de ordem que tantas vezes foi usada na América Latina contra os Estados Unidos: “Go home”.

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