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Boris pronto para a guerra: o que vai acontecer na Inglaterra

O povo odeia políticos, um populista dá rasteira nos partidos tradicionais, virou um perigo sair de relógio caro e o folclórico Boris Johnson é alternativa

Por Vilma Gryzinski 23 Maio 2019, 07h01

Boris Johnson emagreceu, deixou de beber, aparou a cabeleira desgrenhada, trocou de mulher (por uma loira muito mais nova, claro) e está paramentado para faturar o governo num momento que um jornal sério como o Telegraph chamou de nada menos que “emergência nacional”.

E até os jornais menos sérios suspenderam momentaneamente a cobertura de celebridades da realeza  e da televisão, ou ambos, para cobrir o enterro político de Theresa May, depois de um dos mais arrastados velórios da história política inglesa.

Ela passou a última noite com “o sofá encostado na porta”, escreveu o Daily Mail, numa metáfora constrangedora.

É difícil encontrar na ruas algum sinal da eleição simplesmente ridícula de hoje, na qual um eleitorado revoltado é chamado a votar em deputados para o Parlamento Europeu, a instituição da qual o reino já deveria estar fora, mas à qual continua amarrado pela incapacidade terminal de Theresa May em cumprir a promessa eleitoral, o dever moral e a obrigação política de entregar o Brexit no prazo.

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Por vingança, os eleitores do partido dela, o Conservador, mudaram em massa de barco. Nigel Farage, que fundou um partido só para faturar com o naufrágio, saltita de alegria com previsão de 37% dos votos. Os tories, como são chamados os conservadores, afundam num Hades de 7%.

Uma das vantagens do sistema parlamentarista é que um líder fracassado pode ser trocado pelo próprio partido. Em teoria, sem traumas muito grandes como processos de impeachment ou novas eleições..

A falta de consenso dentro do Partido Conservador é um dos motivos que vinha impedindo isso.

Primeiro, porque é um caso clássico em que os eleitores querem uma coisa e os políticos, outra. Dois terços do eleitorado conservador votou pelo Brexit. Mas a maioria dos parlamentares do partido faz corpo mole ou sabota o projeto. Imaginem um país em que acontece uma coisa dessas…

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Também existe uma grande resistência desses parlamentares a um primeiro-ministro de estilo espalhafatoso e folclórico como Boris Johnson.

A campanha que ele fez pelo Brexit, circulando pelo reino num ônibus de dois andares onde estava escrito que o dinheiro pago à União Europeia iria direto para o sistema público de saúde, teve sucesso nas urnas.

Mas também deixou um gosto de demagogia inaceitável para alguém que pretende se apresentar diante da rainha, curvar cerimoniosamente a cabeça e apresentar um programa de governo viável para tirar o Reino Unido da crise e da perspectiva bastante concreta de que simplesmente se desuna sob o impacto do Brexit.

Aí, de novo, existe a mesma contradição: os eleitores conservadores favorecem Boris e os políticos, não.

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Todo o tempo em que Theresa May passou se autodestruindo e perdendo ministros como framboesas maduras, Boris Johnson estava tramando para vencer as resistências internas.

Ele queimou um bom pedaço de filme com os brexistas linha dura quando, numa guinada caracteristicamente abrupta, disse que votaria no acordo de separação defendido por May, uma estrovenga que foi caminhando para o campo do delírio a tal ponto que, na última e alucinada cartada, ela propôs o anátema de novo referendo.

Imaginem só um país onde o chefe de governo defende uma posição exatamente contrária à que tinha inicialmente.

E onde o povo está em estado de rebelião e revolta – os contra o Brexit porque não se conformam com o resultado das urnas até hoje, os a favor porque a classe política não consegue concretizar de jeito nenhum a proposta vencedora.

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Enquanto isso, um fenômeno novo, para eles, cria situações sem precedentes: o “crime do Rolex” começou a acontecer nas outrora seguras ruas de Londres, motoqueiros assaltantes viraram parte da paisagem e os homicídios de gangues juvenis que se esfaqueiam barbaramente dispararam.

Sobre as consequências econômica do Brexit, o racha não só continuou como aumentou. O país vai para o buraco sem a força conjunta da União Europeia, a joia da coroa representada pelo mercado financeiro incomparavelmente pujante vai virar uma bijuteria barata, o que resta da indústria escorrerá pelo ralo etc etc.

Os otimistas que viam uma oportunidade para o reino dar um salto comercial evolutivo, sem as amarras europeias, andam mais quietos diante do desastre acachapante operado por Theresa May.

Se for escolhido líder do partido, Boris Johnson terá que pacificar os seus pares, enfrentar as feras da burocracia europeia para fazer um Brexit viável, colocar a máquina do governo trabalhando a favor e não contra a separação, atrair de volta para um projeto comum os separatistas da Escócia e da Irlanda do Norte.

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E, acima de tudo, impedir o desastre que traria perda total: a eleição do trabalhista Jeremy Corbyn, com seu antediluviano projeto de criar uma Venezuela sobre o Tâmisa.

Se até um novo Rei Artur teria dificuldade, o altamente imperfeito Boris Johnson teria que mostrar qualidade inéditas. Ele foi um bom prefeito de Londres, combinando planejamento sério, incentivos invejáveis ao empreendedorismo e atos circenses como andar de tirolesa para promover as Olimpíadas.

Um dos segredos da “fórmula de Boris”  é justamente combinar populismo com a aura de elitismo absoluto de quem cursou estudos clássicos em Oxford, faz citações espontâneas em latim e grego e tem filhos com nomes como Milo Arthur e Theodore Apollo.

Não ajudou muito trocar a mãe de seus filhos por uma loira de 31 anos que só falou ser descrita como vigarista – “Prefere a companhia de homens mais velhos” – por nada cavalheirescas fontes anônimas quando o caso se tornou público.

O forte dele nunca foi a fidelidade conjugal. Muita gente em Brasília pode cair do quinto andar se souber que teve uma filha fora do casamento. No fim do ano passado, Boris saiu de casa e foi morar com a nova mulher, Carrie Symonds.

Como no clássico caso dos cinquentões apaixonados, fez regime, cortou os aperitivos e o cabelo. Mas continua capaz de sair de casa com a camisa fora da calça debaixo do paletó, um capacete ridículo de ciclista e o gestual bufônico de sempre.

Não é nenhum Rei Artur, muito menos um Sir Lancelote. Mas parece que é a opção que tem para o Grã-Bretanha no momento.

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