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E se Joe Biden não for, ou não conseguir ser, candidato à reeleição?

Idade, tropeços, encrencas do filho e falta de entusiasmo popular ainda podem produzir o inesperado e tirar o presidente da competição

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 14 Maio 2024, 00h14 - Publicado em 18 jul 2023, 06h37
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  • De quem era o saquinho de cocaína encontrado num armário na Casa Branca?

    Até os meios de comunicação mais favoráveis ao governo de Joe Biden demonstraram um certo desconforto com a conclusão do Serviço Secreto de que não havia digitais, traços de DNA ou imagens claras no lugar mais vigiado do planeta.

    Os desfavoráveis desdobraram-se em espanto, ou risadas, sempre ilustrando a pergunta com uma foto de Hunter Biden, o filho problema do presidente que já caiu no mais fundo dos poços do vício em cocaína e crack — e havia estado na Casa Branca dois dias antes que o misterioso saquinho tipo ziploc fosse encontrado.

    É claro que não pode ser estabelecida uma relação obrigatória de causa e efeito, mas Biden ficou numa posição inevitavelmente exposta pela “investigação” que parece não ter investigado nada. O presidente que havia prometido restabelecer a “decência” no posto mais importante do mundo — não exatamente uma tarefa difícil, considerando-se quem foi seu antecessor —, deixou transparecer mais uma falha.

    Seus defensores mais entusiasmados colocam tudo na conta da “oposição feroz” e, algo alucinadamente, insistem em comparar seu governo ao de gigantes como Franklin Roosevelt. Mas o fato é que Biden tem menos defensores do que Júlio César tinha assassinos, numa comparação cruel de Frank Miele, colunista do RealClearPolitics.

    E a opinião pública não se comove com os especialistas que procuram convencê-la de que Biden está produzindo um milagre econômico, com desemprego baixo e previsões cada vez mais fracas sobre uma possível recessão. Ao contrário, apenas 30% concordam com a política econômica de Biden. A inflação de 3% está caindo continuamente, mas 52% dos democratas e 77% dos republicanos a colocam no lugar número um da lista de problemas do país.

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    Muito disfarçadamente, vários comentaristas simpáticos ao Partido Democrata estão rodeando a questão: e se Biden não for candidato?

    O maior problema, concordam todos, é a idade. O presidente está com 80 anos, mas não é um octogenário daqueles que deixam os outros velhinhos com inveja. Ao contrário, tropeça em discursos e escadas de avião, várias vezes já pareceu perdido no espaço e tem que levar um “roteiro” de temas, escritos em letras bem grandes, até nas reuniões menos complexas.

    As cenas de sua ida à praia em Delaware, no último dia 8, não mostraram um senhor em forma, com o peso correto — um prodígio nos Estados Unidos —, mas um idoso lutando para andar na areia, sentar-se na espreguiçadeira e manipular o celular com indicadores hesitantes.

    O ritmo de trabalho do presidente corresponde à idade: ele passou 39% de seu tempo na Casa Branca em fins de semana prolongados. Sua agenda evita compromissos antes das 10 horas da manhã e depois das 16 da tarde. E ainda tem o vídeo em que, depois de abraçar a atriz Eva Longoria, uma ativista democrata, ele desliza as mãos pela lateral de seus seios, tipo vovô tarado.

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    “As conversas continuam rolando — sussurros discretos nos bastidores de eventos, textos, e-mails, telefonemas furtivos — enquanto democratas da cúpula e doadores de campanha fazem movimentos em direção de possíveis candidatos alternativos”, escreveu Edward-Isaac Dovere, da CNN, uma emissora que às vezes se confunde com um órgão oficial do governo.

    Se até a CNN está falando, é porque o assunto não está apenas no plano das especulações, muitas vezes absurdas, que povoam o mundo da política e dos jornalistas que a cobrem.

    Se Donald Trump, por algum dos vários motivos conhecidos e talvez outros que ainda não saibamos, cair fora, os republicanos têm um candidato bastante viável, Ron DeSantis, o governador da Flórida. Embora refluindo nas primárias diante do furação Trump, ele seria a alternativa já pronta para uma campanha sem o ex-presidente, com uma ficha de serviço para mostrar: defesa de valores conservadores em um estado que vai bem na economia a ponto de atrair centenas de milhares de novos habitantes.

    No Partido Democrata, o panorama é mais complexo. O candidato mais bem colocado, depois de Biden, é Robert Kennedy Jr. Apesar do sobrenome histórico — e do físico bombado que mostrou recentemente ao fazer ginástica em público sem camisa —, ele é um candidato difícil de emplacar em escala nacional por causa das teorias conspiratórias que defende, especialmente em relação a vacinas.

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    Na encrenca mais recente, Kennedy disse que a Covid pode ter sido desenvolvida para se infiltrar mais no mecanismo celular de brancos e negros. Também disse que era possível desenvolver vírus a ser usados como armas biológicas que não tenham efeitos sobre judeus ashkenazis e chineses. Dá para imaginar a reação.

    Embora não tenha — e, aparentemente, não pretenda ter — uma pré-candidatura, o nome mais falado do Partido Democrata é o de Gavin Newsom, o governador da Califórnia.

    Com pose, cabelo e voz de presidente, ele daria um ótimo candidato em algum filme sobre o ocupante da Casa Branca, um gênero próprio do cinema americano (mas quem fará a versão com o misterioso saquinho de cocaína?). Também é articulado e defende com eloquência seus pontos de vista, apesar da dislexia avançada que tem desde criança.

    Um embate nacional entre Newsom e DeSantis seria um espetáculo para o mundo inteiro no qual as ideias progressistas de um e as conservadoras de outro se enfrentariam quase que num estado de pureza absoluta.

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    Os problemas dos dois em matéria de apelo nacional estão, justamente, em atitudes extremas. DeSantis, por exemplo, agiu muito mal ao pegar um grupo de imigrantes ilegais venezuelanos, colocá-los num avião e desembarcá-los em Martha’s Vineyard, um dos lugares de veraneio mais chiques dos Estados Unidos. Queria demonstrar a hipocrisia dos ricos, que defendem as fronteiras abertas enquanto vivem em bastiões de luxo e segurança, mas usou erradamente pessoas inocentes, pobres que fogem do paraíso chavista para sobreviver.

    Do outro lado do campo, a lista de progressismos que faz Newsom ser duro de engolir pelos eleitores indecisos que qualquer candidato precisa atrair é interminável. A mais conhecida é a lei que não processa pessoas que furtem até 950 dólares em mercadorias de lojas por dia. O estado lastimável de áreas degradadas de cidades vitrine como Los Angeles e São Francisco tem que ser debitado na conta dos prefeitos, mas o governador não consegue ficar fora disso — são todos do mesmo partido.

    Um exemplo da insanidade coletiva é a recente aprovação de novas orientações para as escolas californianas no ensino da matemática, com o objetivo de “desenfatizar o cálculo e aplicar princípios de justiça social às aulas de matemática”.

    É o método Paulo Freire contaminando o ensino de uma disciplina fundamental para todos os estudantes, com linguagem do tipo “a relevância cultural e pessoal é importante para aprender e também para criar comunidades matemáticas que reflitam a diversidade da Califórnia”. Mais de mil professores e especialistas da área de ciências assinaram uma carta aberta protestando contra a politização de “uma disciplina cuja linguagem é universalmente acessível com um bom ensino”.

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    Claro que não adiantou nada: prevaleceu a ideia de ensinar matemática “inclusiva” para poupar os alunos menos privilegiados — ou seja, excluí-los de um sistema que lhes daria ferramentas fundamentais para progredir nos estudos e em futuras carreiras.

    Outra loucura californiana: em Los Angeles, crimes considerados não violentos não serão mais submetidos ao americaníssimo sistema de pagamento de fiança como garantia de que seus autores não escapem da justiça. Na prática, é a descriminalização de um vasto leque de delitos. O rapper 50 Cent, um grande especialista em segurança, considerando-se que teve três passagens pelo sistema prisional e é o autor de músicas como How to Rob, disse que Los Angeles “acabou”.

    Joe Biden foi eleito em 2020 porque o outro candidato se chamava Donald Trump e porque ele parecia um centrista equilibrado, um democrata tradicional que não cometeria os exageros esquerdistas que trouxeram a deterioração avançada a várias das cidades mais importantes dos Estados Unidos. No cargo, conquistou o apoio da ala de esquerda do partido, especialmente pelas medidas relacionadas ao clima. Várias das pesquisas atuais dão Biden na frente de Trump por poucos pontos ou até um empate. Tudo pode, evidentemente, mudar, inclusive se aflorarem mais segredos sobre o passado dos dois candidatos — mesmo que o dono do saquinho de cocaína nunca seja encontrado.

    Os negócios nada limpos de Hunter Biden quando seu pai era vice-presidente continuam a ser escavados pelos republicanos, mas nada surgiu até agora que faça a terra tremer. Para os eleitores democratas, a questão principal continua a ser se querem ter um presidente que, no fim do segundo mandato, estaria na marca dos 86 anos. E como convencer Biden a desistir da campanha pela reeleição se os números piorarem para seu lado, mesmo com os indicadores da economia melhorando?

    Os analistas concordam que uma única pessoa conseguiria fazer isso, sua mulher, Jill. Não há indícios conhecidos de que ela tenha essa intenção.

    No momento, segundo uma pesquisa Pew, 35% dos americanos aprovam o que Biden está fazendo no governo e 62% desaprovam. No geral, 30% aprovam as políticas econômicas democratas e 42% preferem a abordagem republicana.

    É mais do que suficiente para que os punhais, metafóricos, ao contrário do que acontecia na Roma Antiga, comecem a ser afiados.

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