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Efeito Bukele: até presidente de esquerda começa a imitar salvadorenho

A “mano dura” no combate ao crime rende altíssima popularidade e uma pergunta: “Se deu certo em El Salvador, por que não fazemos o mesmo?”

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 14 Maio 2024, 00h02 - Publicado em 27 jul 2023, 06h26

Xiomara Castro, a mulher de de Manuel Zelaya, o político do chapelão que ficou abrigado na embaixada do Brasil em Honduras em 2010, durante um período de extremo ridículo da política externa nacional, é venerada pela esquerda: foi eleita presidente (“presidenta”) como avatar do marido com uma plataforma com todos os clichês previsíveis. Era uma revanche, a volta do populismo de esquerda com toda a sua simbologia e suas ideias da era do chavismo lascado na política.

No meio do caminho, surgiram sinais interessantes: ela anunciou uma guerra às quadrilhas e a construção de uma prisão numa ilha para isolar os bandidos que fazem da vida no pequeno país centro-americano um inferno na terra, alimentando a imigração em massa. Ainda por cima, Xiomara deu de usar óculos escuros do tipo aviador, o estilo consagrado pela RayBan e adotado por Nayib Bukele.

Obviamente, ela está sentindo o “efeito Bukele”, criado pelo presidente de El Salvador. Uma popularidade de 93% é de cair o queixo de qualquer político e Bukele pode ser considerado o líder eleito com maior aprovação do mundo, a ponto de começar a ser imitado por vizinhos latino-americanos.

Se a repressão em massa ao crime, com mais de 71 mil presos até agora, conseguiu o impossível, derrubar a perto de zero os índices de violência, por que não fazemos o mesmo, perguntam-se habitantes de países onde o caso salvadorenho tem um grande impacto?

É óbvio que Bukele não conseguiu esse prodígio seguindo estritamente as regras do estado de direito. Muito a contrário, com maioria absoluta no Legislativo, afastou juízes, aposentou o Supremo Tribunal e implantou o estado de emergência nacional, renovado dezoito vezes — e certamente com mais uma longa vida pela frente. Isso, evidentemente, facilitou prisões arbitrárias — são mais de cinco mil queixas desse tipo de abuso. A última novidade é o julgamento em massa de integrantes de organizações criminosas, aprovado ontem pela Assembleia Legislativa (67 votos a favor, seis contra).

Também é óbvio que, pela popularidade recordista de Bukele — e a garantida aprovação da reforma constitucional que permitirá sua reeleição —, a população salvadorenha prefere que uma minoria de inocentes seja punida junto com a maioria de culpados. É triste isso, mas é a realidade de países onde expressões como estado de direito significam nada para uma população que vivia entregue na mão dos bandidos, o poder absoluto nos bairros pobres. Cobrar taxa de segurança de comerciantes, estabelecer quem pode circular e onde, levar meninos desde muito cedo para a vida no crime, escolher as meninas mais bonitas para seus haréns e viver em permanente guerra territorial entre gangues, com um altíssimo nível de homicídios — certamente não é uma exclusividade salvadorenha.

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O Yahoo News fez uma reportagem sobre o efeito Bukele com vários casos de políticos de outros países que procuram imitá-lo. “Ele é um exemplo. Em países como os nossos, onde há muita ignorância e muito subdesenvolvimento, às vezes é preciso pesar a mão. Meias medidas não funcionam”, disse para o site o prefeito do distrito de La Molina, em Lima, Diego Ucedo.

O site lembrou uma pesquisa recente no Equador na qual Bukele aparece com o dobro de popularidade de todos os políticos locais. Entre eles, o pouco conhecido candidato presidencial Jan Topíc, que começou a usar barba bem esculpida e blusão de couro, imitando o estilo do salvadorenho.

Na Colômbia, a popularidade de Bukele disparou por causa de um erro básico de comunicação de Gustavo Petro. O presidente de extrema esquerda comprou briga, pelo Twitter, com o salvadorenho. Deu-se mal. O Twitter é o meio natural de Bukele, um político que já estava digitando quando Petro mal saía da luta armada.

A revista colombiana La Semana, que obviamente é de oposição a Petro, deu uma capa com o título “O Milagre Bukele”. Entre outros dados: “Em 2018, antes que Bukele fosse presidente, El Salvador encabeçava a lista dos vinte países mais perigosos do mundo, com uma taxa de homicídios de 61,59 por 100 mil habitantes”, anota a reportagem. “Em 2023, é projetada uma taxa de homicídios por 100 mil habitantes de apenas 2,31”.

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“Ou seja, de 3 346 assassinatos em 2018, El Salvador poderia ter somente 150 este ano”.

(O Brasil teve uma acentuada redução em 2022, embora ainda no nível altíssimo de 50,6 por 100 mil habitantes, com as conhecidas diferenças regionais: 8,40 em São Paulo, o índice mais baixo, e 67,4 no Amapá, equivalente ao El Salvador pré-Bukele).

Além de derrubar o crime, Bukele criou também uma espécie de estética da repressão, com uma prisão inteiramente nova, e nada humanizada, habitada por detentos de cueca samba canção branca até o joelho — uma forma de exibir as inúmeras tatuagens que identificam imediatamente os quadrilheiros.

O seu próprio visual virou uma marca registrada, com identidade forte proporcionada pelo boné de aba virada, a barba de millenial e a abolição da gravata (muito antes que Gabriel Boric, do Chile, e o próprio Petro fizessem o mesmo).

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“Todo mundo quer ser Bukele”, disse ao Yahoo, em tom amargo, Steven Levitsky, diretor do Centro David Rockefeller de Estudos Latino-Americanos de Harvard. Levitsky também comparou a popularidade regional de Bukele à de Hugo Chávez, sem entrar em detalhes sobre a nossa desgraça coletiva, oscilando entre autoritários de direita e de esquerda.

Mas a verdade é que Bukele nem de longe promoveu um desastre como o da Venezuela chavista, apesar da aposta algo aloprada de forçar a população a usar criptomoedas. Os salvadorenhos não aderiram, continuaram com o dólar — e, para desespero das esquerdas — continuaram a apoiar “la mano dura”. Foi o maior sucesso quando Bukele disse que, se houvesse qualquer tentativa de rebelião na nova prisão, ele cortaria as refeições dos detentos. Detalhe: as famílias pagam pelas refeições dos presos, mas não têm direito a visita.

Uma prisão sem drogas, celulares, mulheres, churrasco e outras amenidades é um conceito que muita gente apoia, dentro e fora de El Salvador.

Ao mirar no crime zero, Bukele se colocou numa posição em que só pode dobrar as apostas: tem que derrotar o poder imenso e multinacional dos cartéis da droga. Não com uma política gradual, sensata, estratégica, mas com o sistema maximalista absoluto que ele próprio criou. Não existem antecedentes de qualquer coisa parecida, exceto em regimes revolucionários que praticaram massacres em massa. Não é o caso de El Salvador: desde que a onda de prisões começou, houve registro de 153 mortes em prisões. O ideal seria que não houvesse morte nenhuma, mas comparativamente não é um programa de execuções extrajudiciais em grande escala.

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Por isso, é difícil prognosticar onde vai dar o sistema criado por Bukele. “Meu limite é Deus”, já disse ele.

“A ideia é que os criminosos percam o contato com tudo, o contato com a sociedade, e realmente possam pagar por seus crimes”.

Outra tirada de Bukele? Não, a frase acima partiu do governo da esquerdista Xiomara Castro para justificar a megaprisão a ser construída nas Ilhas do Cisne, dois pequenos territórios desabitados no Caribe. Claro que já está sendo chamada de a nova Alcatraz. Antes, a presidente havia decretado toque de recolher, estado de exceção em determinadas áreas e operações policiais e militares em massa.

Já pensaram se a moda pega?

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Bukele não é monotemático, embora pareça, e seus índices de aprovação em outras áreas vitais são igualmente impressionantes. A segurança, obviamente, tem o nível máximo, de 96%. Mas a educação entra com 91%; saúde, 87%; emprego, 73%; custo de vida, 63%.

Está explicada a “bukelemania”.

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