Festival de taras: mulheres acusadas de abuso fazem sua parte
Psicologicamente perturbadas ou simplesmente sem noção e vergonha, a atriz, a filósofa feminista e outras dão exemplo, acima de tudo, de falta de caráter
Uma mulher adulta e bonita seduzir um rapaz de 17 anos, com declarações de amor e sexo oral como preliminares, pode nem ser considerado crime em muitas culturas. Em muitas, aliás, seria considerado um privilégio para o garotão.
Fora o fato de que na Califórnia é crime, pois a idade de consentimento é 18 anos, o comportamento da atriz italiana Asia Argento, que tinha 37 anos quando levou para cama o jovem Jimmy Bennett, vai muito além do liberado ou provocador.
A atriz é uma das várias mulheres que se destacaram no #MeToo, o movimento criado por uma das maiores agências de talentos de Hollywood depois que surgiram as primeiras acusações contra o produtor Harvey Weinstein, e agora estão enroladas.
Como uma do “pelotão de pioneiras”, as primeiras atrizes que apareceram na famosa reportagem de Ronan Farrow na New Yorker, Asia saiu da condição de atriz de terceira linha para a de celebridade internacional.
Contou que foi estuprada por Weinstein quando tinha 21 anos e participava da divulgação de um filme em Cannes. O fato de que manteve o relacionamento com o produtor – recorrente em vários outros episódios similares -, ficou obscurecido.
Enquanto virava ícone feminista, Asia fez na surdina um acordo de indenização por assédio moral, agressão e prejuízos profissionais com os advogados de Jimmy Bennett. Eles pediam 3,5 milhões de dólares, acabaram fechando negócio por 380 mil.
MODUS OPERANDI
Mensagens de texto e fotos no Instagram confirmavam irrevogavelmente que os dois se encontraram num quarto de hotel de Hollywood em 2013, quando ela tinha 37 anos e ele, 17.
A sedução, agarração ou pura e simples violência em hotéis de Hollywood tornaram-se um clássico do modus operandi de Weinstein.
Por que atrizes, já famosas ou aspirantes, continuavam a ficar sozinhas com um sujeito de fama certamente notória, evidentemente está relacionado com o poder que ele tinha de fazer ou relançar carreiras com seus filmes mais sofisticados do que a massa das produções habituais.
Mas o caso de Asia com o jovem ator tem aspectos mais estarrecedores. Ela conheceu Jimmy quando ele tinha apenas sete anos e fez o papel de filho dela num filme que estrelou e dirigiu.
Resumo rápido do roteiro: uma prostituta e drogada convence o filho a se travestir para facilitar as atividades dela, mas se revolta quando ele “seduz” um de seus amantes. Há detalhes que preferimos não descrever.
De alguma maneira, Asia repetiu sua história com o próprio pai, Dario Argento, uma espécie de Zé do Caixão italiano. Asia estrelou, por assim dizer, vários filmes do pai em que é torturada, barbarizada e violentada.
“Não tenho instrumentos psicológicos para analisar por que meu pai me dava estes papéis”, disse ela certa vez. “Nunca achei estranho meu pai me fazer ficar nua e ser estuprada nos filmes dele até que uma pessoa amiga notou isso.”
Mas teria “instrumentos psicológicos” para entender que chamar inúmeras vezes Jimmy Bennett de “meu filho para sempre, amor da minha vida”, entre outras manifestações exaltadas, seguidas, como se soube agora de atos sexuais, talvez não fosse exatamente adequado?
O pagamento confidencial de indenização evidentemente favorece a defesa do produtor tarado, que rapidamente aproveitou a chance:
‘SAUDADE, GRANDÃO’
“Na época do acordo secreto por suposto abuso de menor, ela estava se colocando na linha de frente dos que condenam o senhor Weinstein, apesar do fato de que o relacionamento sexual dela com o senhor Weinstein fosse mutuamente consentido entre dois adultos, tendo durado por mais de quatro anos.”
A defesa dele já conseguiu levar a juízo os emails de uma das quatro mulheres que o acusam de estupro dentro do prazo fora da prescrição. Entre outras mensagens, a mulher, não identificada, diz: “Saudade de você, grandão”, “Queria ser mais do que uma transa de manutenção” e, claro, “Eu te amo”.
Outro caso que está dando nó no pessoal unidimensional, aquele que só vê mulheres boas e vítimas e homens maus e vitimizadores, é o da professora de filosofia Avita Ronell.
Feminista, lésbica e defensora apaixonada do #MeToo, Ronell foi suspensa da cátedra na New York University, geralmente um centro de acadêmicos à esquerda de Pol Pot, por “desvio de conduta” com um aluno, Nimrod Reitman.
Ronell foi defendida por uma lista de intelectuais e feministas do primeiro time. Ela própria está brigando contra a suspensão. Por incrível que pareça, não captou a ironia da própria declaração, ao denunciar a “paranoia sexual” da qual participou sem nenhum freio até recentemente.
Ela também costumava usar declarações exaltadas nos emails com Reitman, um bonitão gay. Atribui tudo ao hábito de escrever num estilo literário. “Meu adorado”, “bebê fofinho”, “meu deslumbrante e lindo Nimrod” faziam parte do estilo. O acusador diz que ela também exigia que dormissem juntos na mesma cama, embora não rolasse outro desenvolvimento, e o prejudicou profissionalmente quando se afastou.
“Nossa comunicação era entre um homem gay e uma mulher entendida, compartilhamos a origem israelense e também um pendor para comunicações em estilo floreado e brega devido a nossa bagagem acadêmica”, alegou a professora.
Ah, sim, ela também disse que, além muito inseguro e infeliz, ele era ligado em necrofilia, a atração sexual por cadáveres e outros aspectos do mundo da morte.
Nada como uma boa filósofa feminista da cepa atual (todos os homens são intrinsecamente inimigos) para respeitar os parâmetros do devido processo legal.
Miss sem biquíni
Nesse mundo de taras e abusos envolvendo justamente algumas das mais arrebatadas acusadoras, um momento mais light está acontecendo no universo antigamente pouco polêmico do concurso Miss América.
A mais conhecida organizadora do concurso, Gretchen Carlson, anunciou recentemente que não iria mais existir a prova de biquíni. Um mistério, pois se mulheres que não querem ser julgadas por seus dotes físicos fazem o que em concursos de miss? Além, obviamente, de defender a paz no mundo?
Gretchen estudou em Stanford e foi Miss América. Famosamente, deixou o posto de comentarista da Fox News depois de processar seu falecido criador, o genial e pervertido Roger Ailes, que morreu pouco depois.
Levou a espantosa indenização 20 milhões de dólares e se tornou um expoente do #MeToo. Agora, a atual Miss América, Cara Mund, a acusa de assédio moral por ter sido deixada de fora de eventos e debates sobre o futuro do concurso.
Outras 19 ex-misses estão pedindo a demissão não só de Gretchen como de toda a diretoria do concurso. A prova do biquíni poderia ser substituída, quem sabe, por uma disputa de vitimologia.
A transposição de denunciadoras para o papel de abusadoras é um clássico do movimentos que, na ânsia de corrigir erros, atropelam direitos que garantem a imparcialidade da justiça.
Uma das consequências da transformação de denúncias legítimas e necessárias no vale-tudo dos tribunais da inquisição pelas redes sociais é que crimes bárbaros cometidos contra mulheres – como no caso das agressões monstruosas mostradas em vídeos de câmeras de segurança em diferentes cidades brasileiras – acabam reduzidos à mesma categoria de misses que reclamam por ser “excluídas” de eventos.
Asia Argento nunca, nem de longe, foi uma figura popular no mundo das redes. Logo depois do suicídio de Anthony Bourdain, o chef que virou celebridade de programas de televisão, ela foi acusada de ter uma parte da culpa.
Bourdain tinha sido viciado em heroína e crack, sofria de depressão profunda e bebia descontroladamente. Tinha um eterno batalhão de admiradoras femininas à disposição. Um dia antes do se enforcar num hotel na França, Asia havia sido fotografada abraçada com uma companhia masculina.
A reação foi tão violenta que Rose McGowan, que se aproximou de Asia como integrante do “batalhão de pioneiras” contra Harvey Weinstein, explicou que os dois tinham um relacionamento “livre” e aberto.
Rose também pediu que as pessoas não tirassem conclusões antes de saber “tudo o que aconteceu” no caso de Asia e Jimmy Bennett.
Nada mais justo. Descontando-se, claro, a ironia.