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Fora quinto dos infernos, para onde vai o que sobrou do ISIS?

Estado Islâmico está perdendo últimos bolsões de resistência, mas é difícil decidir o que fazer com militantes de países europeus e suas noivas de preto

Por Vilma Gryzinski 18 fev 2019, 16h29

Detida num campo para famílias de combatentes do Estado Islâmico, pouco antes de ter o terceiro filho – os dois primeiros morreram -, a jovem Shamima Begun, londrina de origem em Bangladesh, foi orientada a dar entrevistas para humanizar seu caso.

As entrevistas são de arrepiar. Falando em tom calmo, como se estivesse discutindo o tempo ou o serviço de metrô, ela diz que encontrou em Raqqa exatamente o que esperava.

“Era uma vida normal. A vida que eles mostravam nos vídeos de propaganda”, disse Shamima.

Convencida por estes vídeos, ela e mais duas amigas adolescentes fugiram de casa para se tornar “noivas do ISIS”.

Ficaram conhecidas como “as meninas de Bethnal Green”, bairro da zona leste de Londres com grande população muçulmana.

Uma morreu, outra sumiu e Shamima quer voltar, agora com um bebê recém-nascido. Antes do parto, deu as entrevistas que não foram exatamente um sucesso.

A única coisa fora do normal que ela registrou em Raqqa era “um bombardeio de vez em quando e coisa e tal”. “Assistiu alguma execução?”, pergunta um repórter.

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“Não.” Mas vi uma cabeça decapitada na lata de lixo.”

“Eram cabeças de prisioneiros?”.

“É. Mas não fiquei abalada”.

Inclusive porque Shamima “não tinha problema” com as decapitações. Ela hesitou um pouco com atentados como o de Manchester, durante um show de Ariana Grande, com 22 mortos, na maioria mulheres e crianças.

Mas entendeu quando “eles disseram que era uma retaliação” pelas vítimas civis nas áreas controladas pelo ISIS. “Achei a justificativa válida.”

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O que fazer com uma jovem como Shamima, que nem chegou aos vinte anos? E tantas outras como ela? Com seus filhos pequenos? E os combatentes de uma das mais impressionantes organizações terroristas de todos os tempos?

Shamima e as outras mulheres e viúvas não cometeram crimes com as próprias mãos, mas certamente se transformariam num centro de atenção – e de radicalização – se admitidas de volta aos países europeus cujo modo de vida execram.

Os homens, obviamente, são um problema maior ainda. Recolhê-los às prisões onde muitos deles entraram como criminosos comuns e saíram convertidos ao islamismo mais radical? Criar prisões especiais?

Por quanto tempo ficariam presos? E em quanto tempo a Corte Europeia de Direitos Humanos estaria interferindo em seu favor?

Donald Trump não está propriamente comovido com os dilemas europeus e já pediu que “Reino Unido, França, Alemanha e outros aliados europeus que repatriem os mais de 800 combatentes que capturamos na Síria e os levem a julgamento”.

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“A alternativa não é boa pois nos veremos obrigados a soltá-los”.

Só faltou acrescentar: entenderam ou precisa desenhar?

Trump quer fechar a conta logo porque pretende tirar as tropas americanas do território sírio onde ainda assessoram a milícia curda. Os militantes do Estado Islâmico que sobreviveram às derradeiras investidas estão sob custódia, por assim dizer, dos curdos.

Sentindo-se traídos pelos Estados Unidos e existencialmente ameaçados pela Turquia, o inimigo mais implacável, os curdos podem fazer qualquer coisa. Inclusive apelar para as artes negras da transformação de inimigos em aliados, um recurso nada estranho no Oriente Médio.

Na surdina, a França chegou a identificar, rastrear e passar informações a forças iraquianas para que eliminassem militantes do Estado Islâmico com cidadania francesa. Dizem também que dava um bônus. Uns trinta foram riscados assim.

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Um modo eficiente e menos custoso do que correr o risco de que estes indivíduos se infiltrassem de volta na França para praticar atentados.

Obviamente, agora que os remanescentes da organização ultrafundamentalista estão presos, o método não funciona mais.

E ainda sobram as mulheres e crianças. “Eu mereço uma segunda chance”, disse Hoda Murthana, que saiu do Alabama para se casar com nada menos que três maridos sucessivos, referindo-se à famosa capacidade americana de absorver fracassos.

“Eu achava que estava fazendo tudo certo. Era jovem e ignorante.”

Shamima Begun sequer chegou a este nível de limitada autocrítica. O advogado contratado pela família dela, Tasnime Akunjee, teve a cara de pau de dizer que Shamima não demonstrava arrependimento porque estava traumatizada, “como os soldados na I Guerra Mundial”, submetidos a bombardeios constantes nas trincheiras.

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Os dilemas morais são enormes. E os políticos maiores ainda. Num momento péssimo, com a explosão de casos de antissemitismo em geral e cometidos por coletes-amarelos em particular, o governo francês disse que estuda “caso a caso” se vai repatriar os presos.

Tradução: o país europeu mais brutalmente afetado pelo terrorismo jihadista terá que absorver 150 radicais do Estado Islâmico e seus familiares.

A opção de deixá-los voltar à natureza, e se infiltrar clandestinamente na França, é pior ainda.

Não existem respostas fáceis. E as difíceis são intragáveis.

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