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Governo Trump: os bons, os médios e os que vão botar fogo no parquinho

Nomeações nada menos do que explosivas dominam a política e indicam um futuro presidente pronto para comprar todas as brigas

Por Vilma Gryzinski 18 nov 2024, 06h57

“Temos dois anos para implementar nossa agenda”, disse Susie Wiles, a diretora da campanha que elegeu Donald Trump e que ocupará o altamente instável cargo equivalente ao de ministra da Casa Civil.

A referência é a prazo para novas eleições legislativas que, tradicionalmente, trazem uma derrota para o partido do governo, seja ele qual for. Talvez o prazo mencionado por ela, considerada uma das melhores e mais equilibradas nomeações, seja muito menor, considerando-se que Trump indicou para vários dos principais cargos da administração candidatos explosivos – alguns sob risco até de não terem votos suficientes para ser aprovados no Senado, por oposição de senadores de seu partido, o Republicano.

Imaginem a coragem que é necessária para um senador do partido do governo desafiar esse próprio governo e logo no começo, quando a vitória nas urnas confere uma espécie de carta branca, pelo menos transitoriamente.

E imaginem os fatores que estão sendo discutidos atualmente. Por exemplo: as tatuagens e uma antiga acusação (arquivada) de abuso sexual contra Pete Hegseth, um major reformado que se transformou em apresentador de um dos programas matutinos de comentários da Fox News.

Considerado desqualificado para chefiar a maior máquina de guerra da história – são mais de 2,8 milhões de pessoas na folha de pagamento sendo 1,3 milhão das forças armadas; a China tem mais gente, mas não a mesma abrangência -, um peixe pequeno demais para comandar generais cheios de estrelas nos ombros e de manhas sobre os corredores do poder – e, acima de tudo, das verbas.

“WE THE PEOPLE”

Hegseth quer, declaradamente, cortar generais que considera woke, focados em promover a diversidade e não, segundo ele, a letalidade das forças de combate.

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“Nosso secretário da Defesa tem ‘We the People’ tatuado no braço”, comemorou um site trumpista, referindo-se, às palavras iniciais do preâmbulo da Constituição americana gravadas na pele de Hegshet. Mas o que está sendo discutido são duas tatuagens que remetem às Cruzadas, uma enorme cruz de Jerusalém no peito, e o mote em latim Deus Vult, ou Assim Quis Deus. Acusação: são referências usadas por supremacistas brancos. Ou, no Brasil, por bolsonaristas mais ilustrados.

Discutir acontecimentos históricos da Idade Média é só uma das peculiaridades do atual momento político americano. Outra, de consequências infinitamente maiores: seria a ex-deputada Tulsi Gabbard uma agente de Moscou?

Parece um absurdo sequer levantar a questão, mas o fato é que absolutamente todas as posições de Tulsi sobre política externa espelham a propaganda russa, em especial no que se refere à guerra na Ucrânia. Tulsi já defendeu que a invasão foi provocada por manobras da Otan para atrair a Ucrânia, que os Estados Unidos tinham laboratórios de biotecnologia no país e que qualquer tipo de apoio ao país invadido pode levar à Terceira Guerra Mundial.

Ela é certamente uma personalidade política fascinante, sendo militar da reserva com patente de tenente-coronel, descendente de samoanos por parte de pai, criada no Havaí e levada pela mãe, americana convencional, a se aproximar da religião hinduísta. As fotografias com armas que poderiam mover um pequeno exército fazem sucesso de público entre conservadores, seduzidos pela empunhadura profissional, a silhueta bem desenhada e o fato de que ela largou o Partido Democrata.

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SÉRIE DA NETFLIX

Suspeitar que seja mais do que “nossa amiga”, como disse Vladimir Soloviev, um dos maiores apologistas de Vladimir Putin na televisão russa, já seria, por si, um espanto, mas vê-la nomeada diretora de Inteligência Nacional, um cargo ao qual respondem os dezoito organismos de informações e espionagem dos Estados Unidos, parece coisa de série da Netflix.

Várias fontes, evidentemente anônimas, disseram que a nomeação de Tulsi coloca em risco a segurança americana e também o sistema dos Cinco Olhos, a cooperação em inteligência e antiterrorismo dos maiores países da esfera anglófona (Estados Unidos, Canadá, Grã-Bretanha, Austrália e Nova Zelândia).

“Ela parece ser mais próxima de Moscou do que de Londres”, disse o analista Hamish de Bretton Gordon, especialistas em armas de destruição em massa quando serviu o exército britânico e um falcão daqueles em artigos para o jornal Telegraph.

Todos os opositores de Tulsi lembram as duas visitas que ela fez, quando ainda era deputada pelo Partido Democrata, a Bashar Al-Assad, em plena guerra civil da Síria. Assad só não foi derrubado por causa da intervenção russa na guerra.

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SOBRANCELHAS DE MORTÍCIA

Outra nomeação explosiva, embora já esperada, de Trump foi a de Robert Kennedy Jr., para o comando do equivalente ao Ministério da Saúde. Embora previsível, desde que o integrante rompido com o clã famoso desistiu da candidatura independente e apoiou Trump, a nomeação é um choque por colocar o mais conhecido militante antivacinas e inimigo jurado das grandes empresas farmacêuticas à frente de todas as estruturas e organizações sanitárias dos Estados Unidos.

Não é, absolutamente, uma nomeação com aprovação garantida. Mas ainda não se compara à indicação do agora ex-deputado Matt Gaetz como secretário da Justiça. Com uma investigação sobre desvios éticos e de manter relações sexuais com uma jovem de 17 anos, abaixo da idade de consentimento, ele é a figura mais controvertida da lista de Trump. É também um enorme presente para os inimigos de Trump, dando-lhes argumentos para comprovar que o futuro presidente quer um aliado superideológico para perseguir os inimigos que, muitas vezes com razão, vislumbrou nas fileiras do agora politizado Departamento da Justiça.

Só não se pode dizer que Gaetz está cheio de rugas de preocupação pela enorme resistência que seu nome provoca: embora tenha apenas 42 anos, é adepto do Botox em massa a ponto de ter uma testa à prova de movimento e sobrancelhas – depiladas – ao estilo arqueado de Mortícia Adams. Sua confirmação é altamente duvidosa – e isso seria bom para Trump. Há brigas que valem a pena ser compradas, há brigas que provocam desgastes inúteis.

Fechando o pacote altamente heterodoxo, Elon Musk e Vivek Ramaswamy, dois estranhos ao mundo da burocracia, acostumados à liberdade que tiveram como empreendedores com a qual fizeram fortuna, terão que cortar gastos e excessos de regulação, além de seguir um milhão de restrições que tudo dificultam. É difícil vislumbrar um futuro promissor com essa combinação.

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REVOLUÇÃO CULTURAL

Azeitar as engrenagens do sistema é sempre saudável, mas Trump indica estar imbuído de um espírito de vingança contra as estruturas que tentaram expeli-lo, desde o Departamento da Justiça, usado para investigá-lo nem sempre de forma isenta, passando pelos órgãos de inteligência que tentaram boicotá-lo. A verdadeira revolução cultural seria que retomassem seus papéis originais, marcados pela credibilidade e a impessoalidade. Gaetz seria apenas uma distração nesse processo – e de sucesso duvidoso.

A experiência indica que as burocracias tendem a vencer quem procura desbastá-las, o “sistema” é mais forte do que qualquer tentativa de enxugamento ou de mudança profunda. Não é difícil imaginar a reação da máquina quando Vivek Ramaswamy anuncia, à la Javier Milei: “Vários órgãos serão deletados logo de início”.

Trump nomeou uma equipe de provocadores, em múltiplos e diferentes aspectos. Nomes muito mais palatáveis, como Susie Wiles, Marco Rubio para secretário de Estado ou Mike Waltz como assessor de Segurança Nacional, empalidecem diante do time altamente heterodoxo que reuniu para outras funções vitais do Estado.

“COPRESIDENTE MUSK”

Quem imaginaria um governo americano em que tatuagens, Botox, tropeços éticos e ideias contra a vacinação e a favor da Rússia ocupassem lugares centrais?

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Ou que Elon Musk, segundo duas fontes iranianas disseram ao New York Times, já estaria extrapolando funções e influindo na política externa, a ponto de ter tido uma reunião secreta com o chanceler do Irã, Abbas Araghchi?

Em torno de Trump, já circulam críticas sobre a atuação excessivamente proativa do homem mais rico do mundo, inclusive sua intervenção via X para a nomeação do secretário do Tesouro, o último cargo importante a ser anunciado. Já entrou no circuito até uma designação irônica para Musk: “Copresidente”. É de deixar qualquer primeira-dama com ciúmes.

Quem esperava mais do mesmo, depois do primeiro governo Trump, pode se preparar para mais surpresas.

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