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Igreja em crise: apocalipse, fim dos tempos, Onze de Setembro

Assim falam membros da própria Igreja sobre os conflitos internos entre conservadores e liberais, acirrados pela catástrofe da pederastia em massa

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 14 set 2018, 12h44 - Publicado em 13 set 2018, 23h23
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  • De tanto tentar salvar a Igreja, talvez os representantes dos extremos consigam afundá-la de vez.

    Só para dar uma ideia do tamanho da crise: Steve Bannon, o gênio banido das artes negras das redes sociais que ajudaram na eleição de Donald Trump, está tendo uma atuação moderada.

    “Não podemos ficar divulgando cartas e memorandos. O papa pertence a uma cadeia ininterrupta de Vigários de Cristo na Terra. Não dá para sentar e dizer: ‘Eu acho que ele deveria renunciar’.”

    Bannon é católico e ligado a Raymond Burke, um raríssimo mas entrincheirado inimigo de Francisco. Apareceu em Roma, mas, estranhamente, não para tocar fogo e sim para acalmar os ânimos.

    Quando Steve Bannon, com seu conhecido gosto pelo confronto, é uma voz de moderação, as coisas estão feias.

    Todo mundo sabe, a esta altura, que qualquer referência a “memorando”, como ele fez, envolve a bombástica denúncia do arcebispo Carlo Maria Viganò, de que o papa Francisco ignorou o afastamento determinado por seu antecessor, o excepcionalmente ainda vivo Bento XVI, do agora ex-cardeal americano Theodore McCarrick, por uma vida inteira de safadezas com seminaristas.

    Francisco, que deu corda aos críticos ao declarar taxativamente que não falaria sobre o assunto e os jornalistas deveriam tirar suas próprias conclusões – o que está acontecendo em muitos casos, com grave prejuízo à sua imagem –, convocou todos os presidentes das conferências nacionais de bispos para uma reunião de emergência no Vaticano.

    Como o encontro será somente em fevereiro, fica a impressão de que, no mínimo, o papa está sendo lento demais e não entendeu exatamente a urgência do momento.

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    HERESIA ARGENTINA

    Desencadeada há quase duas décadas, a encrenca das revelações sobre a prática entranhada de abusos sexuais, uma abominação que vai contra todos os mais elementares princípios cristãos, assumiu uma proporção quase catastrófica em questão de poucas semanas.

    Cisma, guerra civil, final dos tempos e Onze de Setembro foram algumas das imagens invocadas tanto por aliados quanto inimigos do papa argentino.

    Minoritários mas imbuídos pelo fogo de uma convicção cada vez maior de que Francisco é pernicioso, os integrantes da Igreja que divergem dele por motivos teológicos e políticos estão ganhando espaço.

    “Senti uma dor imensa na alma, uma necessidade dilacerante de gritar do alto dos telhados, ao compreender que o pastor na verdade era um lobo”, diz Antonio Caponetto, um argentino que há anos escreve livros para denunciar o que considera a heresia de Jorge Bergoglio.

    Sem maiores repercussões fora dos círculos mais tradicionalistas, Caponetto apareceu falando à Church Militant, uma organização católica americana muito influente (o nome vem da primeira das três esferas da Igreja: a Militante é a dos cristãos na Terra; a Penitente, ou Padecente, dos que estão no Purgatório; a Triunfante, a dos santos e anjos no Paraíso).

    “Tudo o que ele fala e faz causa mal à Igreja”, diz Caponetto, resumindo o sentimento dos tradicionalistas, enfrentados com Francisco pelas aberturas a divorciados, práticas homossexuais e os que criticam “excessos” das campanhas contra o aborto.

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    Sem contar todas as causas que fazem sucesso à esquerda do espectro político, no arco que vai desde o aquecimento global (rebatizado de mudanças climáticas) até a defesa de portas totalmente abertas a imigrantes, em quaisquer condições, incluindo quando a segurança dos países receptores está envolvida.

    A “guerra civil” já estava decretada em cima desses temas, mas a acusação, introduzida por Viaganò, de que o papa argentino tenham sido condescende ou até conivente com a “pederastia episcopal”, numa definição brutal que entrou em circulação, levou o conflito a um nível sem precedentes nos últimos séculos.

    “Tudo o que o arcebispo Viganò falou sobre Bergoglio é a absoluta verdade. Existem muitas evidências provando que o papa Francisco acoberta homossexuais, degenerados e pedófilos”, fuzilou Caponetto.

    As divisões pró-papa também não estão exercendo o autocontrole. Acusam Viganò de inúmeras vilanias. E, acima de tudo, de mentir quando sustentou que Francisco sabia das sanções decretadas em privado por Bento XVI, determinando que McCarrick ficasse até o fim da vida recolhido em oração e penitência.

    Francisco também não é fraco, não. Ao convocar os presidentes das conferências de bispos, fez várias referências ao Pai das Mentiras, o Rabudo, atribuindo-lhe as tribulações da Igreja.

    Em alguns casos, com termos tão ambíguos que parecia estar falando de ninguém menos que Viganò (uma resposta oficial às acusações dele está para ser anunciada).

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    O papa acusaria um arcebispo de artes demoníacas? Ou um arcebispo levantaria falso testemunho contra o papa?

    TERCEIRO SEGREDO

    Entra em cena o alemão Georg Gaenswein, que foi indicado como arcebispo de Uns Salvia, na Itália, uma recompensa por seus muitos anos como secretário particular de Bento XVI.

    Num momento altamente tóxico na Igreja, inclusive na Alemanha, onde uma vastíssima investigação apurou mais de três mil casos de abusos praticados por religiosos, na maioria contra meninos, Gaenswein diz nada menos que a Igreja “está vivendo seu próprio Onze de Setembro”.

    Referindo-se aos lugares por onde passou o predador McCarrick, ele explicou a analogia pesadíssima: “Todas as Igrejas da Pensilvânia, juntamente com a basílica da Imaculada conceição em Washington, ruíram por causa dos ferimentos mortais infligidos por padres da Igreja Católica”.

    Gaenswein rememorou um apelo de Bento XVI aos bispos americanos para que abrissem os corações “à imensa dor que suas comunidades sofreram quando homens da Igreja traíram suas obrigações sacerdotais com comportamento profundamente contra aética”.

    “Evidentemente, foi em vão, como vemos hoje”, demoliu o arcebispo alemão.

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    É pouco? Pois tem mais. Ele se referiu ainda ao Terceiro Segredo de Fátima, a revelação, segundo os que creem, nunca exposta de Nossa Senhora aos pequenos pastores portugueses.

    Segundo Gaenswein, Bento XVI fez uma referência a seu conteúdo, aludindo “ao fato de que o papa e a Igreja não apenas são atacados pelo lado de fora, mas os sofrimentos da Igreja também partem de dentro, pelo pecado que existe” nela.

    “Eu mesmo vi fotos de McCarrick nu, de quatro, na cama de um seminarista”, acusou, também via Church Militant, o ex-seminarista Paul Wood em carta à conferência de bispos do Canadá.

    “O caso de McCarrick não é isolado, e sim representa milhares de padres abusadores e milhares de jovens abusados.”

    Wood diz que ele próprio testemunhou atos de pederastia em seu seminário, nos anos 80. A resposta do reitor a ele e seus colegas foi: “Se vocês não gostam, caiam fora”.

    Para terminar, o conselho de Steve Bannon, que visitou o Instituto Dignitataes Humanae, e fez sua avaliação do momento atual.

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    “É uma ameaça existencial ao coração da instituição da Igreja Católica, não um disputa sobre doutrina ou dogma.”

    Bannon sugere a criação de uma espécie de tribunal da verdade para investigar em larga escala e expurgar os pecados terríveis cometidos à sombra da Igreja. Ou até em plena luz, como padres e bispos ao estilo de McCarrick fizeram acintosamente durante décadas.

    “Todo mundo viu as fotos e os vídeos”, afirmou o ex-seminarista Paul Wood.

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