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Irá Putin ignorar pedido de Trump e lançar ofensiva contra Ucrânia?

O russo antecipa negociação que congelaria o campo de batalha e quer ganhar a maior quantidade possível de territórios

Por Vilma Gryzinski 12 nov 2024, 07h07

Quando não estão errando a mira e atirando nos aliados russos – aconteceu e ficou registrado -, os norte-coreanos enviados por Kim Jong-un engrossam uma força calculada em até 50 mil soldados formada para lançar uma ofensiva para expulsar os ucranianos que, numa manobra ousadíssima, em agosto passado, tomaram um pequeno, mas altamente simbólico, pedaço de território russo na província de Kursk.

A informação vem de fontes ucranianas – e 50 mil homens certamente não passam despercebidos aos satélites que tudo veem. Segundo o porta-voz do Pentágono, general Pet Ryder, já há dez mil norte-coreanos em campo. A quantidade de coisas que podem dar errado com o envolvimento dos norte-coreanos – “Malditos chineses”, segundo comentários nada politicamente corretos gravados de soldados russos – aumentou com a informação de um prisioneiro feito pelos ucranianos de que estava num grupo no qual os soldados de Kim erraram o lado e atiraram em seus próprios aliados.

Isso é apenas um episódio folclórico. O que interessa: a turma de Donald Trump disse que ele falou por telefone com Vladimir Putin e pediu para não mudar a situação atual no campo de batalha. Ou seja, a ofensiva preparação seria um desafio direto, mesmo antes da posse do presidente eleito. A informação sobre o telefonema saiu originalmente no Washington Post e o porta-voz de Putin, Dimitri Peskov, afirmou que é “completamente falsa”. Os ucranianos dizem que não foram comunicados.

O “plano de Trump”, ainda sem nenhuma comprovação, mas baseado no raciocínio de que ele quer terminar rapidamente com a guerra, congelaria a situação no campo de batalha – ou seja, a Rússia continuaria com a Crimeia e com 20% do território ucraniano que incorporou, ao seu próprio inclusive com mudança constitucional. A população nesse território tem atitudes que vão desde a adesão à nova nacionalidade até uma total repulsa, que não pode ser livremente manifestada. Algumas partes recentemente conquistadas seriam trocadas pelo território russo que a Ucrânia tomou em Kursk.

FORÇA DO ISOLACIONISMO

Como não considerar uma perda de quase um quarto do país como uma tremenda traição à Ucrânia? Provavelmente, a resposta é que o país receberia grandes compensações e garantias de que não voltaria a ser invadido. É imensamente difícil acreditar que exista algo para dar segurança total, levando-se em conta o comportamento criminoso da Rússia de Putin.

A ainda não enunciada proposta de paz de Trump indica a força da ala isolacionista em torno dele. Fazem parte dela seu próprio filho, Donald Trump Jr., muito influenciado pelo apresentador Tucker Carlson. O vice-presidente eleito JD Vance também é dessa corrente.

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O tamanho da vitória eleitoral de Trump poderia intimidar os republicanos que não a endossam e veem a invasão russa como um elemento brutalmente prejudicial à ordem mundial criada pelos próprios Estados Unidos a partir da II Guerra? Não é nada impossível. A possibilidade de que Marco Rubio seja secretário de Estado enfraquece os isolacionistas.

A reação à invasão russa, com grande ajuda dos Estados Unidos em armamentos e apoio diplomático à Ucrânia, foi um raro caso de bipartidarismo. A tática dos isolacionistas é chamá-los de defensores da guerra – uma atitude que remonta à própria ascensão dos Estados Unidos como potência mundial.

“PROBLEMAS DA EUROPA”

O país só entrou na primeira e na segunda guerra mundiais porque os presidentes que ocupavam a Casa Branca, respectivamente Woodrow Wilson e Franklin Roosevelt, venceram as grandes barreiras, inclusive da opinião pública, ao envolvimento dos Estados Unidos em questões apresentadas, de maneira equivocada, como “problemas da Europa”.

Sustentar e armar um aliado, deixando-o depois à própria sorte, não é uma novidade para os Estados Unidos. O arco vai dos sul-vietnamitas aos cubanos anticastristas. Estaria a Ucrânia, cuja resistência provocou tanta simpatia mundo afora, fadada ao mesmo destino? Iria Donald Trump replicar posições da esquerda mais arcaica, que continua atrelada à simpatia por Putin por causa do antiamericanismo infantil?

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Outros aliados, como Israel, poderiam ser afetados? JD Vance já disse que os interesses dos Estados Unidos e de Israel não vão sempre bater. Israel tem o direito de se defender ,“mas os interesses da América nem sempre serão os mesmos”, afirmou. Ele especulou até sobre um “Escudo de Ferro diplomático” – referência ao sistema antimísseis que protege Israel –, mas com um realinhamento da ajuda militar.

MÃO PESADA

Seria uma transformação tectônica. Trump apontou para um caminho diferente com a indicação da deputada Elise Stefanik como futura embaixadora na ONU. Foi ela quem deixou as reitoras de poderosas universidades americanas reduzidas a respostas vacilantes e moralmente pusilânimes quando perguntou sobre as proteções dadas a estudantes judeus.

Iria Trump fazer um governo com representantes de diferentes tendências? Iria mudar fundamentos gravados em pedra como o apoio a Israel? Teria uma alternativa aceitável, digna e corajosa para a guerra na Ucrânia?

São questões que tornam o futuro segundo governo de Trump muito menos previsível.

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Também adicionam um elemento de ironia à atitude de tantos participantes do debate político, dentro e fora dos Estados Unidos, que passaram a vida reclamando do intervencionismo americano e agora se queixam de que Trump está alterando a ordem internacional do pós-guerra.

Mas não era essa ordem que criticavam e consideravam uma expressão da mão pesada, quando não do malvado imperialismo americano?

ENORMES EQUÍVOCOS

Com seus impulsos anárquicos, Trump está dando um nó na cabeça de quem pensa sempre dentro da caixa, seja ela qual for. Pode ele cometer muitos erros? Com toda certeza.

O isolacionismo tem um lado nocivo e contrário às boas causas, aquelas pelas quais vale combater, como a da independência da Ucrânia e do repúdio a Vladimir Putin.

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Mas pode ter também, em princípio, a capacidade de impedir enormes equívocos do intervencionismo, como foi a invasão do Iraque e suas consequências indesejadas vividas até hoje, como o fortalecimento do fundamentalismo em suas duas vertentes, xiita e sunita, e até do próprio regime iraniano.

Não sabemos ainda para qual lado o próximo governo Trump penderá. Mas será muito melhor se não atirar nos aliados, como fizeram os anônimos e confusos soldados norte-coreanos. Fogo amigo é pior do que o do inimigo.

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