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Isso sim é guerra religiosa: o racha político na Igreja Ortodoxa

O confronto velado ou aberto, entre russos e ucranianos, vai muito além de questão teológica e se complica com a posição do patriarca máximo contra Moscou

Por Vilma Gryzinski 14 out 2018, 14h59

Candidata comunista que invoca o nome de Deus, envolvendo ainda Nossa Senhora Aparecida na história, e candidato presidencial que apresenta como credencial ser “neto de líder religioso”, tentando insuflar animosidades entre católicos e evangélicos, são desdobramentos de cair o queixo no bizarro bioma político-eleitoral brasileiro.

Por incrível que pareça, as coisas são muito mais complicadas na Igreja Ortodoxa do Oriente, o ramo do cristianismo que rompeu com a Igreja Católica Romana, no grande cisma de 1054, o maior da história do cristianismo.

Um rápido resumo, como se fosse possível: a Igreja Ortodoxa continuou a ter sede em Constantinopla e a seguir, até hoje, rituais religiosos elaborados e seus próprios princípios teológicos.

Manteve uma presença dominante na Grécia e no Oriente Médio. Expandiu-se, primordialmente, para os países eslavos, nos Balcãs, na Ucrânia e na Rússia, que escolheram, majoritariamente, o lado ortodoxo quando houve o cisma.

Ao contrário da Igreja Católica Romana, onde a autoridade máxima é o papa, a Igreja Ortodoxa tem comunidades autocéfalas, regidas por patriarcas, novos ou antigos. Dentre estes, o mais igual entre os iguais é o de Constantinopla, nome que continua a ser usado mesmo depois que a esplendorosa cidade cristã foi conquistada pelos turcos otomanos e renomeada Istambul.

O atual patriarca ecumênico de Constantinopla é Bartolomeu I. Na posição de primus inter pares, ele tomou uma decisão de enorme repercussão religiosa e política: reconheceu o direito à independência do ramo da igreja ortodoxa ucraniana que havia se separado da alçada do patriarca de Moscou.

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O ramo rebelde é chefiado pelo patriarca Filaret,  excomungado por Moscou e, agora, espetacularmente, restaurado em sua legitimidade pela autoridade superior de Bartolomeu.

O racha começou com a ascensão da corrente nacionalista ucraniana, em 20 14, seguida pela derrubada do presidente traidor, que ficou do lado da Rússia, onde hoje vive exilado.

A situação é de alta complexidade, pois existe uma parcela da população ucraniana que manteve as ligações originais com a Rússia e aplaudiu a anexação da Crimeia e as operações clandestinas russas na região oriental do país.

A situação religiosa também não é para amadores. Mesmo apoiando a ruptura com a Rússia, muitos ucranianos ortodoxos continuam a seguir a igreja identificada com o patriarcado de Moscou. Filaret era minoritário e estava isolado até a decisão de Bartolomeu que anulou sua excomunhão e reconheceu seu direito a chefiar uma igreja autocéfala, o Patriarcado de Kiev, com adesão voluntária de fiéis.

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Os russos ficaram loucos. O Patriarcado de Moscou rompeu, na prática, relações com Bartolomeu.

Serguei Lavrov, o atilado e sibilino ministro das Relações Exteriores, disse que tudo faz parte de um sinistro plano americano para dividir a Igreja Ortodoxa e enfraquecer o governo de Vladimir Putin.

A religião ortodoxa é, realmente, um dos grandes instrumentos usados por Putin para seu ambiciosíssimo projeto de poder.

Na esfera russa, ele é simplesmente venerado por ter reaberto o espaço para a religião e restaurado igrejas e mosteiros, com suas inconfundíveis e coloridas cúpulas em forma de cebola e as paredes recobertas de ícones num esplendor dourado que faz o barroco católico parecer clean.

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Dizimados ou humilhantemente transformados em colaboradores da KGB durante o comunismo, os religiosos ortodoxos são não só imensamente gratos a Putin como defensores ardorosos de suas políticas, inclusive no que tange à repulsa a manifestações ostensivas de homossexualidade.

Comparada às igrejas ortodoxas, a católica é um posto avançado de liberalismo.

Putin tem até um “confessor”, o monge Tikhon Shevkunov, um monge que fala e escreve muito bem, de forma até moderna, especialmente sobre espiritualidade.

Seu mosteiro , esplendorosamente restaurado, fica perto da Praça Vermelha e da Lubianka, a sinistra sede da KGB, hoje ocupada por sua substituta, a FSB.

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Por causa da proximidade física e ideológica com o ex-agente Putin, o “confessor” – ninguém pode garantir que ele realmente pratique a religião – é chamado de “o padre de Putin”.

A simpatia do patriarca Bartolomeu, que é turco por nascimento e nacionalidade, pelo “dissidente” ucraniano já era conhecida. Agentes do GRU, a espionagem militar, já invadiram eletronicamente o patriarcado de Constantinopla.

Para os ortodoxos ucranianos, tão ou mais barbaramente perseguidos durante o comunismo, o racha na igreja é doloroso. Muitos continuaram e continuarão no ramo associado a Moscou por respeito à tradição. Quanto ao aspecto político, tomam suas próprias decisões, independentemente do que digam os barbudos patriarcas.

Imaginem só fieis praticantes que seguem suas próprias inclinações políticas.

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A respeito do candidato que se declarou neto de “líder religioso”. A religião envolvida é exatamente a ortodoxa. No Líbano, o único país do Oriente Médio onde não havia uma maioria muçulmana, os cristãos são majoritariamente maronitas, uma igreja católica de rito oriental.

Os ortodoxos são cerca de 8% – ninguém pode cravar com exatidão porque religião é o assunto mais explosivo do Líbano e um dos piores exemplos do mundo dos horrores que podem acontecer quando a política passa a seguir linhas sectárias.

É impensável que alguém deseje incentivar esse tipo de ódio exatamente no país que, nesse sentido, é o oposto do Líbano. Inclusive ou principalmente para tantos libaneses e seus descendentes que fugiram das perseguições religiosas.

Último detalhe: um cristão greco-ortodoxo pode comungar em igrejas católicas, mas o oposto não vale. Nenhum deles, evidentemente, pode invocar o santo nome de Deus em vão.

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