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Japão: imperador sem sucessor direto, imperatriz deprimida

Amanhã seria dia de um novo imperador-deus, mas esse tempo já passou; realidade é de uma linha que caminha para extinção

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 30 abr 2019, 18h50 - Publicado em 30 abr 2019, 05h35
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  • Com 59 anos, altura guardada como segredo nacional (no meio do peito de uma enorme Michelle Obama com salto), paixão por transportes fluviais, um desejo declarado de ficar “mais perto do povo” e a inescrutabilidade emocional que se espera da sua estirpe, Naruhito, o novo imperador do Japão não está com a vida feita.

    Sua mulher, a partir de amanhã imperatriz Masako, sofre de depressão profunda, agravada durante um período pelas pressões para que gerasse um herdeiro homem.  Chegou a passar dez anos sem aparecer em nenhuma função pública.

    A promessa que o marido fez de sempre protegê-la não resistiu à realidade do cerimonial massacrante da Casa Imperial, que impõe desde o cardápio até as roupas vestidas pelas princesas, passando pela agenda e, claro, a procriação.

    A filha única do casal, Aiko, que nunca poderá suceder o pai, parece ter sofrido de anorexia em algum momento. Ou isso pode ser apenas fruto de teorias conspiratórias inventadas para enfraquecer a legitimidade de Naruhito.

    Extremistas tradicionalistas fazem uma campanha muito pouco disfarçada em favor do irmão dele e, na falta de um filho homem, herdeiro, o príncipe Akishino, pai do único menino na linhagem imperial, que entra como segundo na fila.

    O conspiracionismo remonta à mãe do novo imperador, Michiko, a primeira plebeia a entrar para a família, também afetada pela depressão, além da dor alucinante do herpes zoster. O distúrbio, causado por um vírus que fica alojado na espinha e eventualmente se manifesta nos piores momentos possíveis, a impede de usar tiaras e coroas — outro motivo de crítica dos inimigos.

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    A impecável Michiko tem “origem obscura”, dizem tradicionalistas ferozes, insinuando um passado pecaminoso ou, pior ainda, de origem coreana – a desgraça final. Até os gestos de suas mãos já foram “interpretados” como estranhos à etiqueta japonesa e suspeitosamente parecidos com os das coreanas.

    Masako, obviamente, não escapa da rede de maldades que inclui maluquices como o uso de dublês e bobagens como cirurgias plásticas nas pálpebras, tão comuns em países asiáticos.

    Para essa turma, até os desastres naturais que aconteceram durante o reinado do imperador Akihito são atribuídos a falhas no dever principal do ocupante do Trono do Crisântemo: “Rezar pelo bem-estar da nação na qualidade de cabeça do xintoísmo”.

    É por isso que “uma mulher, que fica menstruada e grávida” não pode ocupar o trono, pois as condições mencionadas a impediriam de “manter rituais constantes ao longo do ano, sendo alguns deles severamente exigentes em termos físicos”.

    Como todos os mitos nacionais, o do Japão foi construído a posteriori. O primeiro imperador, Jimmu, nascido em 13 de fevereiro do ano 711 antes da era cristã, segundo a lenda, era um descendente direto da deusa do Sol, Amaterasu.

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    Como é próprio das divindades, ela mandou um filho para as ilhas japonesas, em algum momento houve um casamento com uma filha de Ryujin, a deusa do mar. Jimmu, um conquistador tribal, virou postumamente um guerreiro-deus e assim a lenda foi sendo moldada.

    Comprovação histórica factual só aparece no século V da era cristã, quando o imperador Ankoo já era considerado o vigésimo da linha.

    Durante longos períodos, o imperador foi reduzido praticamente a um refém dos shoguns, os senhores guerreiros. O aspecto mítico foi enfatizado a ponto de que ele não podia sequer ser visto por olhos humanos, dedicando-se exclusivamente aos misteriosos rituais xintoístas, uma espécie de religião não religiosa, cheia de pequenas divindades, mas ancorada fortemente no culto aos antepassados.

    Ao contrário da China, o continente-mãe, onde qualquer um podia receber o “mandato do céu” — desde que, obviamente, o tivesse conquistado na ponta da espada —, o Japão cultivou a origem divino-genealógica de seus imperadores.

    Essa característica foi enfatizada quando o país entrou no caminho da modernização, do ultranacionalismo belicoso e da conquista de países vizinhos, com o xintoísmo promovido a religião oficial.

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    Quando o país desmoronou sob a autoprovocada hecatombe da II Guerra Mundial, um dos militares americanos especializados em cultura japonesa convocados para reconstruí-lo elaborou o decreto assinado em 15 de dezembro de 1945 banindo as seguintes doutrinas oficiais:

    1. A superioridade do imperador sobre outros governantes por ser descendente da deusa Amaterasu (na chocante transmissão por rádio em que anunciou a rendição, Hiroito já havia “abdicado” da divindade).
    2. A superioridade inata do povo japonês sobre outros povos devido a esta ancestralidade.
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    4. A superioridade das ilhas japonesas sobre outras terras por terem sido especialmente abençoadas pela deusa Amaterasu.

    É difícil imaginar um tenente americano escrevendo uma diretiva assim, mesmo que fosse um como William Kenneth Bunce, ex-diretor de faculdade em Ohio e professor no Japão durante três anos.  

    Teoricamente, Bunce ganhou a guerra com a deusa Amaterasu, ajudado pelo pacto tácito com que o fenomenal general Douglas MacArthur desembarcou na Tóquio arrasada em 30 de agosto de 1945: reconstruir o país sem represálias de vulto a criminosos de guerra e manter o imperador, em troca do desarmamento permanente, da democratização e do alinhamento do país com os Estados Unidos.

    É claro que a União Soviética de Stalin, cuja declaração de guerra ao Japão foi o motivo predominante, maior ainda que as duas bombas atômicas americanas, para a rendição, não teve o mesmo cuidado.

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    Dos militares japoneses que se renderam aos soviéticos na China, calculados, entre 560 mil e 760 mil, entre 60 mil e 347 mil morreram nos campos de prisioneiros. A própria opacidade dos números retrata o destino tenebroso dos prisioneiros caídos em poder da URSS.

    Os na esfera dos Estados Unidos, em compensação, saíram das ruínas, literais, para reconstruir o que hoje “a terceira maior economia do mundo”.

    Desde a modernização do século 19, a monarquia japonesa copiou muita coisa da britânica, incluindo o uso de fraque e cartola para os homens, vestido de baile e tiara para as mulheres em ocasiões solenes, alternados com trajes tradicionais como os sete quimonos maravilhosamente bordados usados pelas noivas da família real.

    Naruhito, o primeiro bebê imperial não tirado dos pais assim que nasceu, estudou dois anos em Oxford, dedicando-se ao interessante tema do transporte no rio Tâmisa.

    Nem a venerada rainha Elizabeth, aos 92 anos, ocupa no imaginário nacional uma posição tão única e elevada do imperador para os japoneses. Tampouco é objeto de disputas políticas silenciosas.

    Mesmo que Hiroito, Akihito e Naruhito tenham adotado o discurso pacifista e conciliador, o caldeirão do nacionalismo reprimido continuou a ferver como um yakiniku, o churrasco japonês.

    Independentemente da opinião ou da posição do imperador, os nacionalistas ancoram seus argumentos na posição ímpar do ocupante do Trono do Crisântemo, usado como metonímia para a monarquia da mesma maneira que o Trono de Ferro em Games of Thrones.

    O espectro vai desde a defesa do rearmamento do país, totalmente dependente dos Estados Unidos diante da gigantesca ameaça chinesa e das provocações do anão norte-coreano, até o ultranacionalismo extremo, incluindo a corrente que detona Naruhito e defende seu irmão Akishino.

    O primeiro-ministro Shinzo Abe ocupa um lugar mais ou menos no meio desse espectro.

    Fim com mistério: câmeras de segurança flagraram na sexta-feira passada um homem de capacete de pedreiro entrando na escola do filho de Akishino, o príncipe Hisahito, de doze anos.

    Duas facas foram plantadas perto da carteira do menino, único descendente homem da dinastia a caminho da extinção por falta de gente, em muitos aspectos um retrato da involução populacional do próprio Japão.

    As facas tinham lâminas cor-de-rosa.

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