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Jornalistas podem ser conselheiros de políticos? O caso da Fox e Trump

Âncoras como Sean Hannity e outros colegas eram íntimos do ex-presidente - e só deram bons conselhos quando aconteceu a invasão do Capitólio

Por Vilma Gryzinski 11 jan 2022, 07h40
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  • Ter acesso ao presidente é um privilégio para qualquer jornalista. Mas existe um limite entre “acesso” e “colaboração”? Qual o papel adequado, para um jornalista, no relacionamento com uma fonte de informações tão importante – mas, mesmo assim, fonte?

    Um caso interessante está acontecendo atualmente nos Estados Unidos, onde mensagens e outros contatos de âncoras conhecidos da Fox News vão sendo revelados nas investigações da comissão de inquérito dos acontecimentos de 6 de janeiro do ano passado.

    O jogo é conhecido: democratas e aliados, inclusive ou principalmente na imprensa, querem mostrar que a multidão de trumpistas que invadiu o Capitólio serviria para desfechar um golpe de estado – um golpe sem exército, marinha nem aeronáutica, um dos descalabros dessa interpretação.

    Que a multidão, esquentada por um discurso de Donald Trump, agiu errado e os que cometeram abusos ou delitos devem ser punidos pela lei, não há dúvida nenhuma.

    Mas o fato é que a massa sem líderes nem propósitos definidos, fora protestar contra o que consideravam uma eleição fraudada para dar a Casa Branca a Joe Biden, acabou prejudicando principalmente ao próprio Trump.

    Ele saiu desmoralizado do episódio – talvez irreversivelmente, se quiser concorrer em 2024, em especial entre eleitores frustrados com Biden, mas assustados com a anarquia incitada pelo ex-presidente. 

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    O curioso é que os âncoras com quem dialogava frequentemente identificaram o problema de imediato e mandaram mensagens frenéticas para chamá-lo à razão.

    “Mark, o presidente precisa dizer para as pessoas no Capitólio irem para casa”, escreveu Laura Ingraham, uma das mais ardorosas trumpistas da Fox, para o chefe da Casa Civil, Mark Meadows. “Isso está fazendo mal a todos nós. Ele vai destruir o seu legado”.

    Sean Hannity, talvez o mais próximo de Trump, também tentou fazer o presidente ver a realidade dos fatos através de Meadows. 

    “Ele não pode fazer um pronunciamento? Pedir para as pessoas deixarem o Capitólio?”, apelou Hannity, o âncora mais bem pago da emissora, tão identificado com Trump que chegou a ir num comício dele em 2018, atitude criticada como imprópria pela própria Fox.

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    Outro apelo do mesmo tipo foi feito por Brian Kilmeade, do programa matinal Fox And Friends, ao qual Trump telefonava regularmente quando estava na Casa Branca: “Por favor, leve-o à televisão. Está destruindo tudo o que vocês conseguiram”.

    Como se vê, os âncoras avaliaram corretamente o tamanho da encrenca e tentaram alertar Trump para corrigir o erro. Mesmo que tenham programas completamente baseados em opiniões, estariam transpondo os limites que devem separar os que fazem jornalismo e os que são objeto dele?

    Stephanie Grisham, que foi brevemente secretária de Imprensa e saiu depois do 6 de janeiro, falando mal de Trump e de Melania, com quem havia trabalhado antes, disse ao Washington Post que o ex-presidente citava literalmente Sean Hannity e outra âncora fiel, Jeanine Pirro, em reuniões do ministério. Também ligava para Hannity e Lou Dobbs (demitido em fevereiro da Fox Business) para que participassem por telefone dessas sessões.

    Nem sempre as relações eram tranquilas. Hannity calculou certo o tamanho do problema que Trump estava criando para si mesmo com o comício que terminaria com a invasão do prédio do Congresso.

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    “NÃO acho que o 6 de janeiro vai acontecer do modo como estão dizendo a ele”, escreveu o âncora, uma semana antes dos acontecimentos fatídicos, ao chefe da Casa Civil e a um deputado íntimo de Trump, Jim Jordan.

    Depois do estrago, Hannity tentou aconselhar Trump sobre o que fazer no período atribulado que antecedeu a posse de Joe Biden. “Ele não pode falar mais em eleição. Nunca mais. Não tive uma conversa boa com ele hoje”.

    Uma relação tão íntima entre um jornalista e um presidente levanta várias dúvidas sobre o comportamento ético do profissional. Na prática, as fronteiras se diluem. Da mesma forma que  políticos “amigos” são fontes importantes, jornalistas abastecem-nos com informações, fofocas e, inevitavelmente, conselhos. “Governador, por que o senhor não…?”, é uma frase, em suas diversas versões, infinitamente repetida.

    Quando a proximidade é excessiva, causa problemas. O caso mais recente disso foi o de Chris Cuomo, o apresentador mais visto da CNN. Quando a fase inicial da pandemia mostrou seu irmão, Andrew Cuomo, então governador de Nova York, como um herói do combate à doença, ele o entrevistava praticamente todos os dias.

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    A realidade foi mostrando que o governador não era tão heroico assim. Sua imagem desmoronou de vez quando surgiram sérias acusações de assédio sexual. As conversas dos irmãos Cuomo – não poderiam ser qualificadas tecnicamente de entrevistas – foram parecendo suspeitas e a coisa desandou quando vieram à tona e-mails de Chris Cuomo tramando com uma assessora do irmão como desmoralizar as denunciantes.

    Chris Cuomo pode processar a emissora para receber 18 milhões de dólares referentes aos quatro anos que faltavam para seu contrato terminar. A quantia dá uma ideia de como as estrelas dos programas jornalísticos de opinião são bem recompensadas. 

    O contrato que Chris Cuomo perdeu empalidece diante dos 25 milhões de dólares anuais de Sean Hannity. Laura Ingraham ganha 15 milhões. Podem dar conselhos de graça a presidentes – embora “de graça ”seja apenas uma forma de dizer que não recebem dinheiro para isso. 

    Em compensação, ter um presidente ligando para conversar ao vivo, como fazia Trump, tem um valor inestimável. 

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    Com seu estilo agressivo e matador, Hannity não pretende ficar quietinho enquanto a comissão de inquérito divulga suas mensagens. A última dele: “Nós sabemos agora, e foi confirmado e corroborado por numerosas fontes aqui nesse programa, que Donald Trump autorizou a convocação de até 20 mil soldados da Guarda Nacional para proteger o Capitólio. A autorização foi dada dois dias antes de 6 de Janeiro”.

    O apresentador propõe, provocativamente, que a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, e o prefeito do Distrito de Columbia, onde fica Washington, Muriel Bowser, sejam convocados pela comissão parlamentar a dar explicações.

    O policiamento falho realmente facilitou a invasão do Congresso, mas o que Hannity e outros da mesma linha querem insinuar é que houve uma manobra deliberada para produzir os eventos daquele dia e prejudicar Trump. 

    Como se Trump não soubesse se prejudicar sozinho – inclusive ao demorar tanto para seguir os conselhos de seus influenciadores da Fox.

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