O poder é tudo para os políticos, mas não estar nele também tem suas vantagens. A principal delas: não ser cobrado. No frescor dos seus 28 anos, Jordan Bardella, o líder do partido de Marine Le Pen, desfilou pelo Salão de Agricultura como uma estrela do rock: aplausos, abraços, gritinhos e incontáveis selfies.
No mesmo local, transformado em centro das atenções nacionais por causa dos protestos dos produtores agrícolas, Emmanuel Macron havia comido o pão que o pessoal do campo amassou: reclamações, vaias, empurra-empurra e desaforos. Para provar que não foge da raia, o presidente passou maratônicas treze horas, um teste de resistência e da incrível capacidade que tem de falar extensivamente sobre todos os assuntos.
Falar sobre tudo também é uma especialidade de Bardella (o sobrenome de origem italiana é pronunciado à francesa, Bardelá). Ele tem menos arestas que sua protetora e também não carrega a bagagem do sobrenome Le Pen, que remete ao patriarca, de 95 anos. Afastado da vida pública, Jean-Marie Le Pen continua a projetar uma sombra ligada ao extremismo de direita, um assunto gravíssimo na França por remeter ao passado colaboracionista da época da II Guerra Mundial.
Foi para acentuar o processo de afastamento com esse passado tétrico que Marine Le Pen promoveu o jovem Bardella para a presidência do partido, rebatizado de Reunificação Nacional. Num detalhe revelador da complexidade da família Le Pen, Bardella derrotou, nas eleições internas, o ex-companheiro de Marine, Louis Aliot. Também estava namorando uma sobrinha dela – mas não a mais conhecida da jovem geração Le Pen, Marion Maréchal, que rompeu com a família e hoje está num partido mais à direita ainda, o Reconquista.
BANDEIRA “SAT NICA”
Num país em que a cultura nacional promove uma espécie de estado de insatisfação permanente, Bardella e seu partido tocam em dois temas que mobilizam a opinião pública: a queda, imaginária ou real, no padrão de vida e os problemas criados pelos imigrantes não assimilados.
Um exemplo bem recente: o vídeo de um pregador muçulmano chamado Mahjoub Mahjoubi no qual qualificava a bandeira francesa de “satânica” e antevia um futuro no qual o Islã predominaria sobre todas as nações. Numa reação excepcional, permitida pelas mudanças recentes na lei de imigração, o imã foi expulso rapidamente para seu país de origem, a Tunísia.
O governo quer mostrar pulso numa área dominada pelo partido de Bardella. O destaque conquistado pelo jovem oposicionista também foi considerado um fator na decisão de Macron de nomear como primeiro-ministro o pouco experiente Gabriel Attal, de 34 anos.
Attal e Bardella são quase os gêmeos antagonistas da política. Na lista de políticos mais populares, Attal deslocou do primeiro lugar um antecessor no cargo, Édouard Philippe. Bardella ficou em sexto lugar. Sua maior vantagem é como cabeça de lista para as eleições que escolherão representantes para o Parlamento Europeu. A lista tem 27,5% das preferências.
As pesquisas indicam também preferência por Marine Le Pen na eleição presidencial de 2027. Como sempre, tudo pode mudar. E não pode ser eliminada, em princípio, a hipótese de um confronto entre Gabriel Attal, se fizer um governo popular, e Jordan Bardella, se Marine Le Pen concluir que o peso do sobrenome é um obstáculo intransponível. Em 2027 ou 2032? Ambos têm muito tempo para esperar o momento certo.
Até lá, cada selfie com Bardella é uma flechada no coração do espectro político que vai do centro à esquerda.