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Lembram-se do patriotismo?

Ucrânia mostra a força de um sentimento desprezado

Por Vilma Gryzinski 31 ago 2024, 08h00

O problema do Brasil, acham alguns, foi não ter tido que lutar pela independência, o que não formou uma base forte de narrativa nacional, o fundamento de países bem-sucedidos. É possível fazer a argumentação oposta: com a solução comparativamente pacífica de conflitos, o nosso país forjou um caminho próprio, especial para suas dimensões continentais, sua falta de inimigos e sua ausência de doutrinas dominantes, o que nos livra dos extremos. Até a ditadura, comparada aos regimes similares ultraviolentos de vizinhos como a Argentina e o Uruguai, foi muito menos brutal. Por mais que o regime militar tenha tentado, o nacionalismo continuou a ser uma força fraca, espécie de partícula subatômica da história comum dos brasileiros. O 7 de Setembro nunca foi um feriado nacional com as proporções do 4 de Julho americano. Com o domínio do pensamento esquerdista em praticamente todas as esferas da vida intelectual, aqui acontece o contrário: considera-se que a declaração da independência foi uma farsa, o Brasil é um fracasso intrínseco, tem uma história com personagens ridículos e quem sequer cogitar comemorar a data nacional é um brucutu atrasado e direitista. Talvez até bolsonarista.

“O 7 de Setembro nunca foi um feriado nacional com as proporções do 4 de Julho americano”

Todos sabemos os horrores que a deturpação do nacionalismo, irmão gêmeo do patriotismo, já provocou no mundo, mas um sentimento de compromisso com o próprio país pode ser uma força transformadora. Uma cena quase despercebida da semana passada retratou isso: 115 ucranianos foram libertados numa troca de prisioneiros de guerra com a Rússia. Muito magros, com cabelos raspados, alguns com dentes faltando, ele se enfileiraram, embrulharam-se em bandeiras azul-amarelas e cantaram o mais alto que conseguiram o hino nacional da Ucrânia. O país ao qual voltaram é diferente daquele em que foram feitos prisioneiros. Num lance de uma ousadia quase inconcebível, as forças armadas ucranianas invadiram um naco de território russo na região de Kursk, mudando as cartas na mesa da guerra (talvez da paz também) e aplicando uma dose de ânimo em todo o país. Considere-se que a Rússia é 28 vezes maior do que a Ucrânia e tem o triplo da população e do PIB per capita, sem falar no maior arsenal nuclear do mundo. Alguns comentaristas chegaram a dizer que é a primeira vez que um exército inferior invade uma superpotência desde a queda de Roma. Que tal isso em matéria de mudar de narrativa?

Transformar a forma como se vê o desenrolar da história é um dos objetivos da campanha de Kamala Harris nos EUA, de maneira a criar a impressão de que “o patriotismo foi recuperado”. Até o Partido Democrata, com suas derivações para o esquerdismo infantil, percebeu que deixar os gritos de “USA! USA!” para a turma de Trump estava pegando mal entre os eleitores que quer atrair. Há um grande componente de encenação, pois patriotismo não pode ser simulado em convenções ou infundido à força. Mas não deveria ser desprezado. “O que o inimigo trouxe para nossa terra nós estamos devolvendo para a casa dele”, disse Volodymyr Zelensky ao comemorar o dia da independência da Ucrânia. Imaginem a força que é preciso ter para dizer isso a Putin. E imaginem que a Ucrânia tem somente 33 anos de vida independente.

Publicado em VEJA de 30 de agosto de 2024, edição nº 2908

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