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Mais agressivo e cheio de si, Xi Jinping insufla culto à personalidade

A prática chegou a ser banida na China depois da morte de Mao, mas o atual “Timoneiro” transformou-a mais do que nunca em instrumento do poder

Por Vilma Gryzinski 2 jul 2021, 07h53

Vestido com a roupa que ficou conhecida como “túnica Mao”, raramente usada, Xi Jinping fez um discurso agressivo e nacionalista na principal das muitas comemorações dos 100 anos de fundação do Partido Comunista da China.

As potências estrangeiras que ousarem importunar a China, vão “bater a cabeça até sangrar contra a Muralha de Aço formada por 1,4 bilhão de chineses”, ameaçou. No céu, acima da tribuna na Praça da Paz Celestial, aviões de guerra formavam o número 100.

O PC chinês tem muito o que comemorar. Conseguiu reformar a si mesmo, mudando as regras da economia rigidamente centralizada e socializada de forma a liberar as fenomenais forças produtivas que tiraram o país da miséria extrema – 30 milhões de mortos só na Grande Fome de 1960 – e o transformaram numa superpotência que aspira à hegemonia planetária. Foi o único grande partido comunista a fazer esta conversão.

Mas também tem muito o que temer e não são apenas as tensões naturais ao país mais populoso do mundo. O culto à personalidade ressuscitado por Xi Jinping, constantemente martelado pelo formidável aparato de propaganda do partido, é inerentemente temerário. Por sua própria natureza, passa por cima das instâncias oficiais e apela direto às massas.

Atrelar os destinos de tudo e de todos a um único líder foi uma experiência trágica durante o período da Revolução Cultural, quando os chineses tinham que ler todos os dias o Livro Vermelho do presidente Mao, quando não confessar lapsos ideológicos até por pensamento diante de seu retrato e fazer “danças da lealdade” – zhongzi wu em mandarim – em honra do Grande Timoneiro. Havia mais retratos de Mao em espaços públicos do que chineses, que nunca foram poucos.

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Os delírios de poder de Mao Tsé-Tung e sua camarilha em seus últimos anos foram tão traumáticos, para o país e para o partido, impiedosamente dizimado por prisões, execuções e exílio interno – o próprio Xi passou sete anos numa caverna na área rural – , que o culto à personalidade foi proibido pela constituição partidária depois da morte dele.

A expressão culto à personalidade emergiu do célebre discurso de 1956 de Nikita Khrushchev, denunciando a prática durante os anos de terror do stalinismo. Inspira-se, originalmente, na deificação de múltiplos imperadores romanos.

Xi Jinping quer ser visto, simultaneamente, como um Júpiter trovejante, quando fala em cabeças quebradas e sanguinolentas, e também como o paizão superprotetor, um homem do povo que conduz a China rumo a seu destino glorioso de forma paternalista e gentil. Frequentemente, é mostrado falando com pessoas comuns em linguagem coloquial

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A máquina de propaganda inventou até uma forma de tratamento, “Xi Dada” – o tio ou paizão Xi.

“Se você se casar, case-se com alguém como Xi Dada, um homem cheio de heroísmo com espírito inquebrantável”, diz uma música que viralizou nas redes. A dancinha do culto a Xi é ensinada em vídeos, lembrando as do tempo de Mao Tsé-Tung.

Com 68 anos e saúde para aproveitar por um bom tempo a vitaliciedade no poder que já garantiu, Xi usa astutamente a capacidade de mobilização que os sentimentos nacionalistas provocam. A máquina de propaganda mantém o país em constante fervura, exaltando as grandes conquistas nacionais, incluindo contra a Covid-19, e insuflando a ira contra o grande adversário, os Estados Unidos, e os países ocidentais de forma geral.

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“O Oriente está subindo, o Ocidente está declinando”, diz um desses slogans.

Como não existem eleições propriamente ditas nem pesquisas, a popularidade de Xi Jinping pode ser apenas deduzida – não pelos retratos onipresentes, mas pela ausência, até onde é possível perceber, de manifestações de inconformismo, fora da esfera onde a religião muçulmana entra em choque com o estado, como entre os uigures, minoria étnica da região de Xinjiang, e do enclave quase alienígena de Hong Kong (ambos devidamente reprimidos).

Muito raramente, surgem vozes como a de Cai Xia, ex-professora de ciências políticas da Escola Central do Partido, o centro de formação dos quadros dirigentes. Num áudio que circulou no ano passado, tirado sem ela saber de uma conversa virtual com um pequeno círculo de amigos, a professora  acusou Xi de transformar o partido num “zumbi político” e a China em “inimiga do mundo” por causa da pandemia. Pior ainda, disse que Xi deveria deixar o poder.

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Tão adepta do dogma oficial que era chamada pelos alunos de “velha senhora Marx”, Cai Xia foi despertando gradativamente para os pontos fracos da doutrina comunista e as esperanças frustradas de reformas democratizantes.

Hoje, obviamente, não está mais na China, depois de ser expulsa do partido, perder a aposentadoria e ter as contas bancárias congeladas.  Não existe espaço para o pensamento dissidente no país do Paizão Xi.

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