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Míssil no quarto: Israel tem o direito de matar terroristas?

Desde pasta de dente envenenada até um ataque de alta precisão como o que detonou chefe da Jihad Islâmica, assassinatos em nome da defesa nacional

Por Vilma Gryzinski 14 nov 2019, 08h22
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  • Como um homem com a cabeça a prêmio, e justamente pelo mais letal dos inimigos, Baha Abu Al-Ata dormia cada hora num esconderijo em Gaza.

    Não é um lugar muito bom para se esconder, mas o chefão da Jihad Islâmica Palestina, um grupo armado e bancado pelo Irã, não tinha muitas alternativas fora ficar sempre em zonas cheias de civis , inclusive familiares, como escudo humano.

    Às 4 horas da manhã de terça-feira, um único míssil de alta precisão foi disparado através da janela do quarto onde Abu Ata dormia com a esposa.

    Foram as únicas vítimas fatais, no ato.

    Minimizar os “danos colaterais” é sempre politicamente conveniente, embora nenhum israelense tenha a menor ilusão de que o país deixaria de ser vergastado em organizações internacionais, mesmo quando o alvo é o dirigente de uma organização armada que prega a eliminação total de Israel.

    A “morte dirigida” foi aprovada pelas mais altas instâncias jurídicas das forças armadas, da mesma forma que acontece nos Estados Unidos, onde o 11 de Setembro liberou os militares para a prática e o uso de drones facilitou-a enormemente.

    Só o presidente Barack Obama autorizou mais de 500 ataques com drones.

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    A tática das “mortes dirigidas” foi endossada pela Suprema Corte de Israel em 2006, depois de anos de debates jurídicos e com várias restrições.

    Obviamente, causa enorme controvérsia, inclusive dentro de Israel, apesar do apoio quase total da opinião pública.

    Em especial no caso do chefe da Jihad Islâmica, um grupo que é praticamente um poder paralelo em Gaza, competindo com o Hamas no lançamento de foguetes contra a população civil e atentados suicidas em território israelense.

    O Hamas assumiu um compromisso, negociado com o Egito, de segurar o foguetório em troca de um alívio nas restrições que Israel impõe a Gaza em represália pelos ataques.

    O “alívio” inclui o recebimento de dinheiro vivo para a folha de pagamento de funcionários públicos. Numa única dessas remessas, bancadas pelo Catar, foram 15 milhões de dólares em malas, num carro de luxo.

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    É claro que o Hamas está fazendo uma grande encenação de revolta pelo assassinato, tem uma gritaria geral de “sangue de um, sangue de todos”, mais uma vez chovem foguetes, mesmo depois de um novo cessar-fogo.

    Nos bastidores, mais de uma vez pediu a aliados que controlassem Abu Ata e sua turma, que têm arsenal de fabricação própria próprio e total alinhamento com os interesses do Irã.

    Como toda política é local, houve reações da oposição israelense acusando interesse politiqueiro de Benjamin Netanyahu.

    Bibi chefia o governo em caráter temporário, visto que nenhum dos dois blocos mais votados consegue formar maioria no Parlamento.

    Ele também tinha empenho especial em despachar Abu Ata desde que foi retirado pela segurança, em cenas transmitidas ao vivo, quando a Jihad Islâmica disparou foguetes contra o lugar onde fazia um comício, uma semana antes da eleição de 17 de setembro.

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    O resultado embolado dessa eleição se prolonga até agora: nem Netanyahu nem Benny Gantz, da frente que conseguiu um parlamentar a mais, conseguem a maioria necessária.

    Gantz, que foi chefe do estado-maior das forças armadas, apoiou a operação contra Abu Ata. Simultânea a outra, em Damasco, onde o número dois da Jihad escapou com ferimentos.

    Quando a escalada atingiu um nível mais generalizado, Israel também aproveitou para bombardear o comandante da unidade de foguetes da Jihad Islâmica, Rasmi Abu Malhous.

    PRÍNCIPE VERMELHO

    Mas nenhum primeiro-ministro pode tomar sozinho a decisão de uma “morte dirigida”. A palavra final é do alto comando das Forças de Defesa de Israel, quando é uma ação militar clássica.

    Em várias ocasiões, o comando militar vetou o ataque contra Abu Ata, por motivos operacionais e outros, nunca revelados. Os “astros se alinharam”, na definição de um porta-voz, dez dias antes.

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    O outro modus operandi para as “mortes dirigidas” são ações clandestinas, a cargo de uma unidade especial do Mossad. Seus agentes recebem treinamento à parte do resto do serviço de inteligência, em Cesareia, a cidade portuária construída por Herodes, o Grande, alguns anos antes do advento da era cristã.

    Como nos filmes, jamais podem falar com ninguém sobre o “serviço” nem revelar seus nomes verdadeiros, exceto para os cônjuges.

    Ao contrário dos filmes e apesar da legendária eficiência do Mossad, as coisas podem dar errado.

    Foi assim que um garçom marroquino foi assassinado na Noruega em 1973, erroneamente identificado como Ali Hassan Salameh, o sedutor Príncipe Vermelho, organizador do massacre de Munique, o sequestro e execução de atletas israelenses durante as Olimpíadas.

    Além de matarem o homem errado, os agentes israelenses ainda foram identificados por um companheiro que pisou na bola por um motivo absurdo.

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    A missão dele era abandonar o carro usado no assassinato – com placa anotada, como sabiam os israelenses –, pegar um trem e daí deixar o país de avião, anonimamente.

    Como tinha comprado equipamentos hidráulicos, incluindo torneiras, para sua casa, não quis carregar peso e decidiu devolver o carro na agência onde havia sido alugado. A polícia norueguesa já estava esperando por ele.

    O escândalo foi recriado em detalhes pelo jornalista Ronen Bergman no livro Rise and Kill.

    O título é uma referência a um trecho do Talmude que diz: “Se alguém está vindo para te matar, erga-te e mate primeiro”.

    Bergman não tem nenhuma simpatia pela política que guiou, segundo suas contas, mais de cinco mil assassinatos desde bem antes da criação do Estado de Israel.

    Segundo ele, agentes do Mossad tiveram duas oportunidades de pegar Josef Megele no Brasil, o Anjo da Morte das experiências monstruosas em Auschwitz, mas deixaram passar.

    Numa dessas ocasiões, chegaram a acompanhar seus movimentos na fazenda que tinha em Caieiras, mas receberam ordens de largar a operação e voltar rapidamente porque uma crise maior, a dos mísseis secretos do Egito, estava explodindo.

    Mengele morreu afogado em Bertioga, em 1979.

    Caçar nazistas não era uma prioridade do Mossad, com exceções notórias como o caso de Adolf Eichmann, sequestrado na Argentina e julgado, condenado e enforcado em Israel.

    Motivo? Já não podiam fazer mal a Israel, ao contrário dos chefes de várias organizações armadas palestinas.

    O mais importante deles, Yasser Arafat, estava fora da lista por ser uma personalidade importante demais – e a pedido dos Estados Unidos.

    Quando Ariel Sharon assumiu como ministro da Defesa, segundo a reconstituição de Bergman, mandou colocar Arafat na lista de novo. Brigou com altos comandantes que resistiram a planos de assassinato que provocariam a morte de muitos civis inocentes.

    Como praticamente todos os palestinos, Bergman mais do que dá a entender que Sharon finalmente conseguiu seu objetivo de forma mais sutil, aparentemente através de intoxicação por algum elemento radiativo.

    Cercado em seu bunker, Arafat caiu doente, foi levado para a França e acabou morrendo, em novembro de 2004. A coisa toda aconteceu em um mês.

    Em 2012, o corpo dele, enterrado em Ramallah, foi exumado para a retirada de vestígios ósseos e devolvido à sepultura em seis horas. Mas não houve nenhum resultado conclusivo.

    Sem os constrangimentos da censura militar no caso de Arafat, Bergman dá detalhes do assassinato de Wadie Haddad, da Frente Popular de Libertação da Palestina, em 1978.

    Na época, palestinos cristãos como Haddad estavam entre os mais radicais e se alinhavam ideologicamente com o nacionalismo árabe e o comunismo – a onda do novo islamismo fundamentalista acabou totalmente com isso, exceto por alguns bolsões no Líbano.

    Haddad foi envenenado gradualmente com uma bactéria tóxica colocada em sua pasta de dentes. Morreu gritando de dores horríveis num hospital militar da Alemanha Oriental.

    Cientistas iraquianos que viajavam para ampliar o programa nuclear secreto de Saddam Hussein foram orientados a levar sempre escova e pasta próprios quando viajavam para o exterior.

    Pelo menos dois acabaram assassinados e o programa explodiu literalmente com o bombardeio do reator de Osirak.

    “JUÍZO FINAL”

    Vários cientistas iranianos também foram alvos das “mortes dirigidas”, mas o Irã continua avançando rumo a um arsenal nuclear.

    A pretexto da saída americana do acordo nuclear internacional, já está enriquecendo urânio a 60%. Diminuiu assim radicalmente a extensão do “corredor de tempo” necessário para produzir a bomba, que demanda urânio enriquecido a 90%.

    Vai, assim, aumentando o tamanho da ameaça existencial a Israel.

    Apesar de imensamente complicado, um ataque preventivo às instalações nucleares iranianas é viável em termos operacionais.

    Existe forte oposição a uma operação assim dentro do establishment militar de Israel.

    Em última instância, porém, são os Estados Unidos que seguram a barra e impedem o “ataque do juízo final”.

    Foram os Estados Unidos que arrancaram de Menachem Begin a promessa de não matar Arafat quando, derrotado, teve que deixar o Líbano, de navio, em 1982.

    Um atirador de elite israelense tirou uma foto com Arafat na mira de seu fuzil e Begin deu-a de presente a Philip Habib, o embaixador americano no Líbano, como prova da palavra cumprida.

    Em tempo: Ali Hassan Salameh, o mentor do massacre de Munique confundido com o garçom marroquino na Noruega, foi morto por um carro-bomba em Beirute, quando ia para a festa de aniversário da mãe, em 1979.

    Uma agente do Mossad, com codinome de Erika Chambers, usou a legendária queda do Príncipe Vermelho por mulheres bonitas para levantar seus itinerários.

    Escapou com os outros 16 agentes do Mossad envolvidos na operação.

    As “mortes dirigidas” e altamente contestáveis, do ponto de vista jurídico, político e pragmático, não mudam os fundamentos dos problemas de Israel.

    Primeiro, a população palestina que vive em seu território internacionalmente reconhecido, tendo cidadania e direitos – cerca de 20% –, embora preferisse estar de outro lado.

    Segundo, e acima de tudo, os palestinos dos territórios ocupados, cujos líderes não aceitam alternativas para que tenham um Estado próprio, como seria certo e justo.

    Mas “matar primeiro aquele que vem para te matar” não é uma prática que vá sumir do mapa tão cedo.

    Pelo menos, enquanto os inimigos de Israel desejarem este destino coletivo para o país.

    E, enquanto isso, as centrífugas iranianas estão funcionando a mil.

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