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Modi: abstinência sexual, sede de poder e teste de 960 mi de eleitores

Numa eleição de números espantosos, como tudo na Índia, o primeiro-ministro caminha para a consagração de um terceiro mandato

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 9 Maio 2024, 15h02 - Publicado em 7 Maio 2024, 07h39

“Quem eu beneficiaria com corrupção? Sou solteiro”, costuma dizer Narendra Modi. É mesmo. O primeiro-ministro optou pela abstinência sexual desde um casamento arranjado – e não consumado -, aos 18 anos. Sua vida ascética inclui meditação, ioga e retiros espirituais, mas absolutamente não exclui uma ambição em escala indiana.

Modi deve sair consagrado da eleição mais complexa do mundo. Num país de 1,4 bilhão de habitantes, estão habilitados a votar 969 milhões de eleitores que podem escolher entre 2 600 partidos – dos quais seis são nacionais – e usar um dos 780 idiomas e dialetos. A eleição é em sete fases, desdobrando-se em datas fixas ao longo de 44 dias. A votação eletrônica começou em 19 de abril e termina em 1 de junho.

O resultado é conhecido: Modi vai ganhar um terceiro mandato, consolidando-se como uma das figuras políticas de maior projeção do mundo atual: a maior população do planeta está sob seu comando, a ascensão econômica é um fenômeno – e ainda tem aquelas armas nucleares.

Sob sua direção, o PIB cresceu em média 7% por ano, um salto que levou a Índia à posição de quinta maior economia do mundo, com PIB previsto de 4,1 trilhões de dólares. Há projeções de que vá ultrapassar Alemanha e Japão até 2030 – ou até mesmo antes disso.

Não é impossível que, até lá, tenha mudado o nome do país para Bharat – uma loucura, em termos de branding, mas coerente com suas ideias políticas sustentadas no nacionalismo hinduísta. Bharat aparece em textos em sânscrito com mais de dois milênios, mas a palavra Índia também tem tradições que precedem amplamente as conquistas coloniais, ancoradas no nome do rio Indo.

ESPÍRITO ANIMAL

Modi é uma mistura quase incompreensível, para não indianos. Nacionalista, populista, hinduísta, centralista, aberturista e mais uma vasta gama de contradições. Já foi, equivocadamente, chamado de “Thatcher da Índia”, o salvador que acabaria com setenta anos de economia planificada, e o crescimento econômico realmente liberou o espírito animal dos empreendedores, incluindo os 200 indianos que entraram para a lista da Forbes dos bilionários globais (no Brasil, são 67). Mas também pode ser centralizador e autocrático.

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O povão adora, principalmente porque as benesses vazam para toda a sociedade – e isso num país ainda extremamente pobre, com PIB per capita na faixa de 2,5 mil dólares, quase quatro vezes menor do que o do Brasil.

A origem numa casta inferior também o favorece com a maioria discriminada. Modi explora bem isso – como tudo o mais. Tendo começado a carreira como humilde vendedor de chá, na lojinha do pai numa estação ferroviária, faz seu show populista.

“Pelo menos eu servia chá, não me servia da nação”, diz ele, mais do que insinuando desvios de seus rivais, os chiques brâmanes da dinastia Nehru/Gandhi (sem relação com o Mahatma Gandhi). O Partido do Congresso, atualmente chefiado pelo herdeiro Rahul Gandhi, neto de Indira, em algumas regiões praticamente se dissolveu com a migração em massa de políticos locais para o Barathia Janata, o Partido do Povo Indiano de Modi.

BESTA FERA

Modi começou a militância juvenil numa organização paramilitar hinduísta conhecida como RSS. Os líderes, como Modi, tinham que praticar a abstinência sexual e a prática se consolidou. Depois do casamento não consumado, ele fez uma peregrinação por diferentes ashrams, os mosteiros hinduístas, a religião majoritária em eterna tensão com a minoria muçulmana. Sem falar nos perseguidos cristãos. Para os mais linha dura, muçulmanos e cristãos são traidores que abraçaram a fé dos conquistadores, desde o império Mughal, de conquistadores vindos do Irã e outras regiões vizinhas, até o império britânico.

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Quando ele foi eleito, era apontado como uma besta fera da direita que desencadearia os confrontos sectários, de tão triste memória – a Índia moderna nasceu de um banho de sangue, em 1947, quando os ingleses entregaram os pontos e o país foi dividido em dois, um, o Paquistão, para os muçulmanos, e o outro para os hinduístas. Enormes deslocamentos populacionais e massacres recíprocos deixaram milhões de mortos.

Comparativamente, não houve grandes tragédias sob a administração Modi e muçulmanos também se beneficiam do crescimento econômico sem precedentes.

“INCORRUPTÍVEL”

“O que Modi fez até agora foi apenas a entrada”, diz ele, falando sobre si mesmo na terceira pessoa do singular. “O prato principal ainda está por vir”.

“Ele é uma figura magnética e um orador poderoso”, disse o New York Times, reconhecendo de má vontade o apelo popular do líder indiano. “Construiu a imagem de um trabalhador incansável e incorruptível em favor um país em ascensão”.

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Um líder muito forte inevitavelmente ameaça as instituições – seja em democracias consolidadas, seja num fenômeno sem comparações como a Índia. Bons negócios para a elite empresarial, benefícios sociais para os mais pobres, manifestações religiosas que agradam a ampla maioria e incorruptibilidade, o modelo Modi tem dado certo.

Em janeiro, ele inaugurou um portentoso templo dedicado ao deus Rama, construído sobre uma mesquita demolida no braço por hinduístas. O recinto muçulmano ocupava o lugar de um antigo templo e a Suprema Corte indiana deu razão à maioria. Vestido de dourado, Modi presidiu os rituais religiosos. Os hinduístas acreditam que Rama nasceu naquele local, mais precisamente em 10 de janeiro de 5114 antes da era cristã, como calculam os astrólogos.

Alguns suspeitam que Modi quer se identificar cada vez mais com o virtuoso Rama, o deus de luminescente pele azul. Mesmo que não consiga, está deixando outros populistas verdes de inveja.

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