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Mundo desencantado: Disney treme por briga com governo da Flórida

Lei que proíbe falar sobre questões de gênero para crianças pequenas envenena a relação entre governador republicano e a gigante do entretenimento

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 21 abr 2022, 08h09 - Publicado em 21 abr 2022, 07h13
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  • No papel, a lei faz sentido para muitos pais: professores não devem tratar de orientação sexual e identidade de gênero desde o maternal até a terceira série, quando as crianças estão com nove anos.

    Na realidade do mundo dividido pelas batalhas identitárias, virou uma guerra entre um governador que quer ser presidente, Ron DeSantis, da Flórida, e o império Disney, que silenciou e depois desafiou estrepitosamente a nova legislação.

    Atualmente, a situação é a seguinte: DeSantis pretende acabar, via o legislativo estadual, onde o projeto já foi aprovado pelos senadores, com o estatuto que confere à Disney autonomia total sobre seus domínios. O status de distrito especial, existente desde 1967, permite inclusive a emissão de bônus de dívida sobre um patrimônio imobiliário bilionário. A Disney usa recursos próprios para prover água, energia elétrica, estradas, policiamento e corpo de bombeiros, recebendo benefícios fiscais em troca.

    Seria um golpe monumental para uma empresa com faturamento de quase 2 bilhões de dólares e um enorme poder de influência sobre crianças e jovens, num arco que vai do Marvel Studios à National Geographic.

    É este poder que a Disney, declaradamente, usa e pretende usar mais para difundir personagens do espectro LGBTQI, segundo as palavras de sua presidente de conteúdo, Karey Burke, vazadas no começo do mês.

    Argumentando que tem uma filha trans e uma pansexual, Karey disse que a Disney já tem “muitos, muitos, muitos personagens” que podem ser colocados na categoria queer. Mas faltam personagens principais desse tipo. E a meta é ter “pelo menos” 50% de sexualidades alternativas e minorias raciais nos desenhos animados e filmes que depois viram atrações nos parques temáticos adorados por crianças do mundo inteiro.

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    Karey não é um caso único, obviamente, no mundo Disney. Roy Disney, sobrinho-bisneto de Walt Disney, um ultraconservador que denunciava atividades comunistas no mundo artístico, disse que seu enteado, Charlee Cora, professor de biologia e ciências, é um homem trans. “Estou explodindo de orgulho pelo que meu irmão e a mulher dele fizeram”, tuitou Abigail Disney, outra integrante do clã que abraçou causas identitárias.

    A lei aprovada pelo legislativo estadual da Flórida ganhou de seus adversários um nome do tipo que cola: “Don’t say gay”. Ou não diga a palavra gay. Funcionários da Disney fizeram protestos, exigindo que a companhia se colocasse a respeito. Em 11 de março, o CEO da Walt Disney Company, Bob Chapek, finalmente fez um choroso mea culpa.

    “Vocês precisaram de mim como um aliado forte na luta por direitos iguais e eu não correspondi. Sinto muito”, disse ele aos funcionários envolvidos.

    Chapek também anunciou que a empresa não faria mais contribuições em dinheiro para campanhas políticas na Flórida.

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    A lei discrimina alunos com perfil de gênero alternativo ou é um instrumento de apoio a pais que consideram absurdo que as escolas aceitem a mudança de identidade de crianças pequenas, com consequências físicas e psicológicas que não podem avaliar?

    A questão é explosiva porque não existem respostas simples sobre os limites entre respeitar e acatar as diferenças de identidade sexual e resistir às pressões sociais a que crianças e jovens são submetidos, por modismo comportamental, através do poder avassalador das redes sociais.

    Esse tipo de pressão também levou a Disney à posição nada confortável de ficar no centro de uma briga em que tem muito a perder, fosse qual fosse o lado que escolhesse.

    Não é, porém, uma novidade. A empresa criada por um gênio bizarro como Walt Disney (que não, não teve o corpo conservado numa câmara criogênica, como muitos acreditam até hoje) já foi acusada de tudo, desde invadir o mundo com um agente disfarçado do imperialismo como Mickey Mouse (o que dizer do oligarca Tio Patinhas?) até racismo, sexismo e outros preconceitos.

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    Muitos desses julgamentos são feitos com critérios que não existiam na época da criação de personagens como o malandro Zé Carioca, a quem deve ser debitado o feito de ter levado o Pato Donald a tomar uma cachacinha quando visitou o Brasil como enviado especial da política de boa vizinhança.

    Também existe uma espécie de “maldição da Disney” abarcando a profunda instabilidade emocional e os vícios impulsionados pelo sucesso precoce de atrizes infantis de seriados da empresa. A lista vai de Britney Spears a Lindsay Lohan, Miley Cyrus, Selena Gomez, Demi Lovato e mais um longo etc.

    Para mostrar que está acompanhando as mudanças sociais, a Disney eliminou recentemente a saudação tradicional – “Senhoras e senhores, meninos e meninas” – do show de fogos de artifício do parque de Orlando, deixando só a parte final: “Sonhadores de todas as idades”.

    Agora, mães e pais mais conservadores estão defendendo um boicote ao reino mágico. Também é de se notar que o fim das doações de campanha elimina um instrumento tradicional de cultivo, digamos, de aliados no mundo político. Ficar congelado nesse setor pode ter consequências que nem Elza daria um jeito.

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    Aliás, a princesa moderna que não tem um interesse romântico e canta uma música que já foi considerada um hino à saída do armário (“Esconda, não sinta, não deixe que eles saibam/ Bem, agora eles sabem/ Ponha para fora”). Let it go.

    Se as autoridades da Flórida realmente consumarem a cassação dos privilégios da Disney, podem acabar prejudicando a atração que mais traz turistas ao estado e, portanto, seus próprios interesses?

    Em inglês, a expressão “operação Mickey Mouse” virou sinônimo de coisa ridiculamente mal feita. Pode acabar se aplicando a todos os envolvidos nesse caso.

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