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Mundo sem máscara: cada um por si e o vírus contra todos

Discurso nacionalista do presidente da França indica mudanças provocadas pela falta de produtos básicos, feitos na China, para enfrentar a epidemia

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 1 abr 2020, 07h34 - Publicado em 1 abr 2020, 07h28

Por que todos os chineses foram obrigados a usar máscaras quando explodiu o novo coronavírus e em outros países elas foram descartadas como “não recomendadas”, necessárias apenas para profissionais de saúde ou até “inúteis”?

A resposta é tristemente simples: não tem máscara para todo mundo. 

A falta de um produto banal, cujo fornecimento foi interrompido quando os chineses precisavam se proteger, provocou uma reação agressiva de Emmanuel Macron ao visitar uma fábrica que mudou a produção para fazer máscaras.

“Nossa prioridade é produzir mais na França e na Europa. Esta crise nos ensina que se impõe uma soberania europeia sobre certos bens, produtos e materiais”, disse o presidente francês.

Com ligeiras modificações, poderia ser um discurso feito por Marine Le Pen. Ou por qualquer dos  líderes nacionalistas ascendentes. Ou, ainda, coerente com a antiga linha do regime militar brasileiro.

Setores estratégicos, chamavam-se.

Não só a Europa, como os Estados Unidos, sem falar nos países periféricos, descobriram, em plena crise, que estão desprovidos de um instrumento de sobrevivência.

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As máscaras são o produto mais evidente, pela urgência imediata, mas há uma longa lista de outros, indo de princípios ativos para remédios a equipamentos hospitalares e toda a cadeia necessária para sustentá-los.

“Devemos reconstruir nossa soberania nacional e europeia”, proclamou Macron.

A palavra-chave é “nacional”. Como todo o resto do mundo, os membros da União Europeia saíram correndo cada um por si. 

São os serviços de saúde nacionais que estão enfrentando a crise e todos os discursos sobre paneuropeísmo esvaziam-se diante de uma emergência dessas proporções.

Não é a primeira vez que Macron, considerado, injustamente, pela esquerda como um mero menino de recados dos mercados pelas reformas agora arquivadas de arejamento da economia francesa, fala grosso.

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Logo depois de seus erros iniciais, ao liberar concentrações como a marcha das mulheres de 8 de março e depois o primeiro turno das eleições municipais, ele já havia feito uma análise bem dura.

“Há bens e serviços que estão acima das leis do mercado”, disse.

As quantidades astronômicas de dinheiro injetadas para segurar a quebradeira econômica também mostram que emergência é emergência.

“O Federal Reserve virou o banco central do mundo”, resumiu o site Bloomberg

Essas transfusões de liquidez em massa feitas pelo banco americano estão segurando, por enquanto, uma corrida ao dólar e as falências em cadeia em escala global.

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Mas é o caso das máscaras que mais chama atenção pelo imediatismo material para as pessoas comuns.

A virada – de “desnecessárias” para necessárias, e muito – já foi anunciada pelo “médico mais importante do mundo”, Anthony Fauci, o infectologista que domina a área médica da equipe do governo americano.

À sua maneira diplomática, mas sem margens a dúvida, disse Fauci: “A ideia de conseguir um uso comunitário muito mais amplo, fora do ambiente dos serviços de saúde, está sendo discutida muito ativamente pela força-tarefa”.

Numa entrevista à Science, George Gao, diretor do Centro de Controle e Prevenção de Doenças da China, já tinha feito uma análise bem crua sobre os efeitos da falta de máscaras.

“O maior erro nos Estados Unidos e na Europa, na minha opinião, é que as pessoas não estão usando máscaras”, disse o cientista, especialista em vírus com membranas finas de lipídeos  – o tipo do maldito que se infiltra eficientemente nas células como o corona.

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A transmissão invisível, pela fala e outras partículas, é especialmente amplificada quando o portador não tem sintomas, como em data não muito distante será a maioria das populações.

A ironia, involuntária, do cientista chinês é que o uso da máscara não se propagou justamente porque não existem máscaras para todos os habitantes de lugares infectados do planeta. Ou seja, o mundo todo.

Com o refluxo da epidemia na China, as linhas de produção estão sendo redirecionadas para atender o resto do mundo.

Mas nem os chineses conseguem suprir a demanda, mesmo tendo operado milagres como a construção de uma nova fábrica em onze dias – exatamente como o hospital de campanha erguido em Wuhan para isolar casos menos graves (outra medida considerada vital que não está sendo feita na Europa e Estados Unidos). 

Mais números chineses, recolhidos numa plataforma de negócios: em janeiro e fevereiro, 8 950 novas linhas de produção passaram a fazer máscaras.

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Segundo avaliação do New York Times feita há uma semana, a China está produzindo atualmente 116 milhões de máscaras por dia. Doze vezes mais que antes da epidemia.

O governo comunista se permite até fazer gestos de “diplomacia das máscaras”, com doações a países desesperados.

No passado recente, eram “emprestados” ursos pandas a zoológicos estrangeiros, hoje são máscaras.

E se a China escolher quem vai ou não recebê-las?

Israel já pôs até o Mossad para arranjar máscaras com um país não mencionado. 

Peter Navarro, diretor de Comércio da Casa Branca que até recentemente estava envolvido no confronto comercial com a China, foi deslocado para fazer o que todos estão fazendo: caçar equipamentos contra a epidemia e disse ao Times:

“Meu trabalho na Casa Branca no momento é ajudar a encontrar tudo que o povo americano precisa e comprar onde quer que for preciso”.

“Se a China ou qualquer outro país tem máscaras, luvas e outros equipamentos que precisamos para os americanos, recebemos de braços abertos”.

“O que não precisamos é de um exercício de propaganda durante uma crise que as atitudes do Partido Comunista Chinês tornaram mais grave do que deveria ser”.

Navarro foi escolhido, pré-vírus, justamente por ser um antagonista feroz da China.

Agora, outros países estão descobrindo virtudes do nacionalismo.

Pode ser passageiro, pode durar mais?

Não se sabe.

Mas não custa lembrar que a China domina as máscaras pelo mesmo motivo que tudo mais: um custo sem competição.

Hoje, a máscara que custa 1 centavo a caixa poderia ser vendida por 10 dólares a unidade.

Num momento em que Donald Trump apela aos americanos para se preparar para “os dias difíceis que virão pela frente”, “duas semanas muito dolorosas” e outros alertas que refletem a sinistra previsão de 100 mil a 240 mil mortos nos Estados Unidos, as pessoas comuns são lembradas que precisam daquelas máscaras que tantos especialistas disseram ser desnecessárias.

Na França, Macron prometeu que a França “atingirá a independência plena e completa” em produção de máscaras até o fim do ano (a aprovação ao presidente deu um salto, subindo para 43%).

A onda está rugindo.

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