O bilionário Roman Abramovich entrou na lista de sete oligarcas russos sancionados pelo governo britânico e seu brinquedo mais conhecido, o time de futebol Chelsea, entrou numa zona cinzenta.
Que importância tem isso diante das cenas da maternidade bombardeada em Mariupol, com grávidas feridas sendo resgatadas em macas – uma das perversidades mais abomináveis que se possa imaginar?
A guerra na Ucrânia serve para colocar muitas coisas em perspectiva.
Mas vale lembrar algumas das ironias do caso. Abramovich, com seus 13 bilhões de dólares, palacetes e iates, mais dois passaportes – de Israel e de Portugal – que lhe garantem liberdade de movimento, estava no topo da lista negra feita por Alexei Navalny, um russo que não vale nada – em termos de dinheiro -, escapou por pouco do envenenamento encomendado por Vladimir Putin e hoje cumpre pena de prisão na condição de inimigo do estado.
Outra ironia: sua filha Sofia, de 26 anos, tuitou no começo da invasão que era um engano confundir Vladimir Putin com a Rússia – quem quer a guerra é ele.
Não é nada impossível que Abramovich compartilhe da mesma opinião. Nos últimos anos, ele vem fazendo um arriscado jogo de equilíbrio entre a relação com Putin, que lhe permite manter os interesses na Rússia, e a reputação prejudicada aos olhos da opinião pública mundial.
A invasão da Ucrânia foi o empurrão final. Abramovich sabia o que viria pela frente e tentou vender o Chelsea. Não deu tempo.
Agora o time, que continua a jogar na condição de “patrimônio cultural”, não pode vender ingressos nem camisetas e outros produtos, comprar ou transferir jogadores ou gastar mais de 20 mil libras em viagens. Patrocinadores importantes cogitam cair fora. O time ainda pode ser vendido, com a condição de que a transação não beneficie Abramovich.
A justificativa do governo britânico para as sanções contra o bilionário de 55 anos foi que sua siderúrgica, a Evraz, fornece recursos que potencialmente são usados na agressão contra a Ucrânia, além de aço que “pode ser usado na fabricação de tanques”.
Entre os outros sancionados, está Oleg Deripaska, um dos raros magnatas a falar, em termos bem cuidadosos, contra a guerra na Ucrânia, e Igor Sechin, vulgo Darth Vader, diretor da Rosneft, a gigante estatal do petróleo e do gás. Na semana passada, autoridades francesas confiscaram o iate de Sechin, Amore Vero, que estava num estaleiro na Côte d’Azur.
Abramovich tem não apenas um, mas dois iates, o Eclipse e o Solaris, além de jatinho e um Boeing 787-8.
No começo da guerra, chegou a tentar uma mediação, usando a vantagem de ter trânsito na Rússia, na Ucrânia e em Israel, mas foi superado pela dinâmica dos fatos – e pela própria biografia.
Abramovich foi um dos gênios que surgiram dos escombros da União Soviética e aproveitaram a derrocada das grandes estatais para capturar riquezas naturais que fazem da Rússia uma grande produtora de matérias-primas.
Conseguiu manter boas relações com Putin, ao contrário de seu patrono, Boris Berezovsky, outro aventureiro brilhante que durante algum tempo foi dono do Corinthians (até hoje, muita gente acredita que o suicídio de Berezovsky, encontrado enforcado no banheiro de sua mansão na Inglaterra, foi obra da espionagem russa).
Os oligarcas russos têm paixão pela Inglaterra – inclusive pelo ambiente favorável aos negócios que sobreviveu mesmo às primeiras ondas de sanções contra a Rússia.
Abramovich tentou criar uma imagem diferente do brucutu russo montado na grana, através de imensas quantidades de dinheiro colocadas em patrocínios artísticos e beneficentes. E, claro, no Chelsea, onde era adorado pela torcida e por jogadores. A Ucrânia já estava sendo invadida quando torcedores abriram uma das faixas mais conhecidas, celebrando “The Roman Empire” – um trocadilho entre seu nome e o império romano.
Nem os enormes investimentos em relações públicas e nos melhores advogados que o dinheiro pode contratar evitaram a queda do império abramovichiano.