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Netanyahu não liga a mínima para Biden – e o presidente solta o verbo

Entre palavrões, chama o primeiro-ministro israelense de mentiroso; mas não seria isso uma tática do interlocutor? Woodward mostra bastidores

Por Vilma Gryzinski 10 out 2024, 07h41

Muitas pessoas gostariam de ser, como dizem os americanos, uma mosca na parede, uma testemunha imperceptível dos bastidores do poder, onde seus detentores mostram realmente o que pensam. Bob Woodward, inevitavelmente associado ao passado distante no caso Watergate, muitas vezes faz o papel dessa mosca. No seu último livro, intitulado Guerra, ele revela detalhes sobre o comportamento de Joe Biden e seus interlocutores, ou antagonistas, nas guerras da Ucrânia e do Oriente Médio.

Todo o trabalho de Woodward, com trechos antecipados por vários meios americanos, é documentado ou tem fontes de primeira linha. O próprio jornalista tem pavor a Donald Trump e mostra líderes do atual governo, de Joe Biden, em situações que os favorecem. Apesar do partidarismo, vale a pena resumir algumas de suas revelações.

A imprensa americana deu grande destaque para os telefonemas – calculados em sete – entre Trump e Vladimir Putin, depois que o ex-presidente deixou a Casa Branca.

O fascínio de Trump por Putin é um dos maiores mistérios da política, mas Woodward mostra em seu livro que o inverso também é verdadeiro. Putin pede a Trump que não revele que enviou aparelhos para testes instantâneos de Covid que, na época, só existiam nos Estados Unidos.

“Não conte para ninguém”, pede Putin, segundo o diálogo reconstituído para Woodward por um assessor de identidade não revelada.

“Não ligo a mínima”, responde Trump.

“Não, não, é por sua causa. As pessoas vão ficar com raiva de você. Não ligam para mim”, agrada Putin.

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CANCELAR O PASSE

Joe Biden, ao contrário da amenidade indicada na relação entre o tirano russo e Trump, chama Putin de um “filho da ****” que é a própria encarnação do mal.

Revelação relevante: Biden culpou Barack Obama pela audácia russa, ao ter uma reação pífia à anexação da Crimeia, a antessala da invasão que ainda se perpetua. Seria como se tivesse dado um passo livre a Putin. “Vou cancelar esse passe”, diz Biden, segundo reproduz Woodward.

Numa demonstração dos limites do poder, ele avisa Volodymyr Zelensky que as melhores fontes da CIA – inclusive a mais valorizada pelos serviços de inteligência, um colaborador dentro do próprio Kremlin – haviam passado em detalhe todos os planos de Putin para invadir a Ucrânia.

Ao receber a informação do diretor da CIA, Bill Burns, Biden reagiu: “Santo Deus! Agora vamos ter que lidar com a Rússia engolindo a Ucrânia?”.

Biden passou a informação, mas Zelensky não acreditou, o que explica suas várias declarações dizendo que não haveria uma invasão, mesmo quando os tanques russos já estavam a caminho.

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Teria o presidente ucraniano sido enganado por seus próprios serviços de inteligência? Ou desconfiaria dos americanos?

DEMONSTRAÇÃO DE PODER

Mesmo com o monumental engano, a Ucrânia resistiu formidavelmente à invasão, provocando tal ira de Putin que, segundo as fontes de Woodward, o risco de que usasse armas nucleares saltou de 5% para 50%, um perigo de proporções apocalípticas para o mundo. Biden acionou todos os canais americanos para avisar os russos “o que vamos fazer” caso a situação desembocasse em semelhante catástrofe.

Woodward reconstitui um diálogo formidável entre o secretário da Defesa, Lloyd Austin, e o então ministro da Defesa da Rússia, Serguei Shoigu.

“Todas as restrições com as quais estamos operando na Ucrânia seriam reconsideradas. Isso isolaria a Rússia no cenário mundial a um grau que os russos não entendem completamente”, disse Austin.

“Não gosto de ser ameaçado”, respondeu Shoigu.

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“Senhor ministro, eu sou o líder das forças armadas mais poderosas da história do mundo. Não faço ameaças”.

Nada como uma demonstração de poder da pesada numa hora como essa.

DE ARREPIAR O CABELO

Dois dias depois, Shoigu ainda tentou dar uma de russo esperto e acusar a Ucrânia de planejar o uso de uma “arma suja””, o que justificaria qualquer reação absurda do Kremlin.

“Não acreditamos em vocês. Não estamos vendo nenhum indício disso e o mundo vai perceber a tramoia. Não façam isso”.

Segundo um integrante do Pentágono na época, Colin Kahl, foi “o momento que mais arrepiou os cabelos nessa guerra”.

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Nem sempre Biden e seus colaboradores mostraram visão semelhante. Com Benjamin Netanyahu, o presidente americano foi desdenhoso ao dizer: “Bibi, você não tem uma estratégia”.

Pode ser verdade, no cômputo final, mas no caso específico Biden estava errado: queria convencer Netanyahu a não mandar as Forças de Defesa de Israel entrar em Rafah. Isso não só aconteceu como ajudou a enfraquecer ainda mais o Hamas em Gaza.

“ESTADO DELINQUENTE”

“Ele é um mentiroso”, clama Biden sobre Bibi, cercando as frases com palavrões fortes. “De 19 pessoas que trabalham com ele, 18 são mentirosas”, reclama ele, talvez sem perceber a tática israelense de ir fazendo o que a cúpula política e militar achava melhor e dar uma enrolada no presidente americano.

Cada vez que Israel aumentava a aposta, como o ataque que estreou os sucessivos e letais bombardeios contra comandantes do Hezbollah no Líbano, Biden estrilava. “A percepção de Israel é de que vocês são um estado delinquente”, argumentou.

Talvez a cúpula israelense já soubesse disso e estivesse menos interessada em percepção, já por água abaixo de qualquer maneira, e mais na decapitação da liderança do Hezbollah.

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O excesso de detalhes pode sufocar a narrativa de Woodward num clima maçante, mas há revelações imperdíveis.

Quando o senador republicano Lindsay Graham visitou o governante de fato da Arábia Saudita, o príncipe Mohammed Bin Salman, sugeriu que ligassem para Trump. MBS chamou um assessor para trazer uma bolsa com cinquenta celulares. Cada um com o nome de um líder específico. Usaram o que tinha o rótulo Trump, especialmente dedicado ao ex-presidente.

“PRECISO E LETAL”

Outra manifestação dos limites do poder: Biden começou seu governo praticamente rompendo com o príncipe saudita, por causa do assassinato do jornalista e operador político Jamal Khasoggi. Terminou visitando o país para tratar do assunto vital no qual a Arábia Saudita é uma superpotência: petróleo.

A Arábia Saudita também tem um papel fundamental num possível acordo para o Oriente Médio que termine a guerra com a assinatura de um tratado de reconhecimento de Israel, a reconstrução de Gaza e alguma coisa, que ninguém sabe direito como é, para neutralizar influências malignas como a do Hamas e do Hezbollah, dando aos palestinos uma alternativa na qual valha a pena apostar, em lugar da violência permanente.

Talvez não dê tempo para que isso aconteça no governo Biden.

Ontem ele retomou o diálogo direto com Netanyahu, interrompido desde agosto. Os Estados Unidos querem desescalar a situação com o Irã, enquanto todo mundo espera o ataque de retaliação, “letal, preciso e, mais importante, surpreendente”, nas palavras do ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant.

PODER SUAVE

Não deixa de ser irônico: os Estados Unidos, cuja destruição o regime iraniano pede diariamente, são a única força no mundo atualmente a “segurar” Israel. Claro que existe o interesse próprio: um ataque que levasse o petróleo a mais de 100 dólares o barril seria um choque para todas as economias e talvez desse a vitória a Trump.

Foi justamente a hipótese dessa vitória que provocou um desenrolar final no livro no qual Bob Woodward mostra sinais adicionais de que a pessoa mais influente da atual administração é o discretíssimo Antony Blinken, não somente secretário de Estado como o mais próximo integrante da equipe de Biden.

Foi Blinken quem bateu o martelo e, elegantemente, durante um almoço na Casa Branca, conduziu Biden a concluir pela necessidade de renunciar à candidatura pela reeleição. A alternativa seria deixar Trump vencer.

O poder também pode ser exercido suavemente.

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