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Ninguém tem uma aposta maior na eleição americana do que Elon Musk

Ele já perguntou, de brincadeira, quantos anos de cadeia vai pegar se Trump perder - se ganhar, quer dar um choque à la Milei no governo

Por Vilma Gryzinski 4 nov 2024, 06h58
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  • Será que Javier Milei está inspirando Elon Musk? Será que o homem mais rico do mundo tem mesmo uma motosserra secreta pronta para cortar dois trilhões de dólares do orçamento americano, como disse?

    Seria um plano de fato ou apenas uma das muitas coisas que são ditas em campanhas e somem quando sopradas pelo vento da realidade? Um corte dessas proporções afeitaria quase um terço do orçamento – o atual é de 6,7 trilhões de dólares – e implicaria no fechamento de setores inteiros, inclusive ministérios, como Milei está fazendo na Argentina, por necessidade diante da lona em que o país estava jogado e por ideologia, como defensor de um projeto ultralibertário de dimensões jamais vistas no mundo.

    Milei tem cultivado uma proximidade mais do que interesseira com Elon Musk – e lógica também, pois o homem mais rico do mundo poderia levar projetos transformacionais para uma Argentina rica em muita coisa do que precisa, inclusive mão de obra qualificada e vastas reservas de lítio.

    Musk também tem cultivado o estilo Milei de desregulamentação, que combina com sua filosofia empresarial. Na Tesla, ele segue cinco princípios para chacoalhar a burocracia embutida em todos os sistemas: questionar todas as requisições (inclusive as dele próprio e as das “pessoas mais inteligentes”, porque sabem fundamentar melhor os pedidos), deletar todas as partes do processo que conseguir, simplificar e otimizar, acelerar o ciclo do tempo e automatizar.

    Seria essa filosofia que levaria para o governo – “Já que não tem muito o que fazer”, segundo ironizou Donald Trump – como secretário de um Departamento de Eficiência Governamental?

    GUINADA HISTÓRICA

    Não dá para imaginar a personalidade gigantesca Musk compartilhando por muito tempo o mesmo espaço que Trump, outro fenômeno único e egocentrado. Muito menos cumprindo tarefas necessariamente tediosas, como exige qualquer trabalho de desburocratização.

    Musk se colocou assim numa posição em que só tem a perder. Se Trump ganhar, terá um cargo no governo, tudo o que um visionário menos quer na vida – mesmo que se ache imbuído da tarefa de dar uma guinada histórica na maior burocracia de todos os tempos, incluindo o milenar império chinês e seus mandarins. E ainda por cima, corre o risco de ver cortado o subsídio total de dez mil dólares dado pelo governo a quem compra carros elétricos.

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    Se perder, “quantos anos de cadeia vou pegar?”, brincou com Tucker Carlson, outra figura extrapolítica incorporada à campanha de Trump.

    Claro que os Estados Unidos não são uma república de bananas onde um empresário que colabore com o partido perdedor terá contratos cortados. Inclusive porque uma empresa sem precedentes como a SpaceX, com pelo menos 15,4 bilhões de dólares em contratos com o Departamento de Defesa e a Nasa, é a única que leva astronautas para a estação espacial. O Pentágono depende dele para colocar seus satélites em órbita.

    Vários outros setores do governo americano também são completamente dependentes dos satélites da rede Starlink, algo que não tinha ocorrido aos brasileiros que torciam para que Musk se desse mal no recente confronto jurídico-político cheio de patriotadas infantis.

    “POLÍTICA FURTIVA”

    A história dos Estados Unidos pode ser contada, numa versão paralela, pela trajetória de seus legendários milionários, os homens que construíram o capitalismo avançado da maior potência econômica de todos os tempos abrindo estradas de ferro, forjando aço nas siderúrgicas, furando poços de petróleo, alimentando a população com produtos industrializados, matando sua sede com Coca-Cola e vestindo-a com calças jeans para enfrentar o trabalho pesado.

    Jamais, porém, existiu um milionário como Elon Musk, não só com 270 bilhões de dólares, mas uma confluência sem precedentes de projetos de importância existencial e uma trajetória política coloridíssima, indo de posições identificadas com as do Partido Democrata à adesão assumida por Trump, logo em seguida ao atentado que o ex-presidente sofreu, em julho. Sem falar no X, o mais importante canal de debate político do mundo (científico também, mas vamos ficar no tema principal).

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    O jornal The Guardian, bastião do esquerdismo chique, escreveu assim sobre as enormes doações que americanos riquíssimos fazem para candidatos republicanos: “Bilionários que favorecem políticas ultraconservadoras impopulares ficam quase que inteiramente em silêncio sobre esse assunto. Têm grande acesso à mídia, mas a maioria prefere não dizer nada sobre temas políticos do momento. Seguem deliberadamente uma estratégia do que poderíamos chamar de política furtiva”.

    Seria, por exemplo, com o sinal trocado, o modelo George Soros, o mais influente doador de dinheiro e modelos ideológicos para organizações de esquerda.

    SORTEIO DO MILHÃO

    Musk tornou-se o oposto total ao subir literalmente no palanque de Trump, mostrando aquela faixa do abdômen em que nem o Ozempic dá jeito. A política é uma droga pesada e Musk parece ter se embriagado pela adoração das multidões.

    Além da presença física, um anabolizante para Trump, ele também doou pelo menos 138 milhões de dólares – um espanto que só é sobrepujado pela estarrecedora quantidade de dinheiro que foi despejada na campanha de Kamala Harris, mais de um bilhão de dólares.

    Musk olhou o mecanismo eleitoral e localizou uma das maiores vulnerabilidades dos republicanos: os cidadãos que não se interessam por eleição ou, mesmo tendo algumas simpatias pelos republicanos, não saem de casa para ir votar – foi inventado até um termo para eles, eleitores de “baixa propensão”.

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    Focando nesse público, Musk inventou um abaixo-assinado envolvendo os dois pontos que mais mobilizam o eleitorado conservador, abrangidos pelo primeiro e o segundo artigo da Constituição: a garantia à liberdade de expressão, entre outros fundamentos democráticos, e ao direito de ter armas.

    Nasceu desse esforço o sorteio de um milhão de dólares entre os que firmassem o abaixo-assinado – e com um batalhão de advogados para garantir sua legalidade, obviamente contestada na justiça.

    O New York Times atribuiu a ele, com uma única mensagem, a mudança de Trump, que passou de condenar a incentivar a votação antecipada, uma área onde os democratas são muito mais fortes.

    CHOQUE DAS SUPERESTRELAS

    Trump resumiu assim o papel que vê para Musk: “Uma completa auditoria financeira e de desempenho de todo o governo federal”.

    “Mal posso esperar”, respondeu Musk.

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    Oscar Wilde nos ensinou que os deuses atendem os desejos daqueles a quem querem castigar. Estará o homem mais rico do mundo preparando-se para um castigo daqueles?

    “A aliança Trump-Musk desafia tudo o que conhecemos sobre psicologia humana”, escreveu Martin Gurri no New York Post, “Ambos são personalidades voláteis e fora do padrão e ambos demandam quantidades cósmicas de atenção, mas conduzem seus assuntos de maneiras diferentes”.

    “Trump é essencialmente um showman. O tamanho das multidões dá a medida de seu valor. Musk, que diz ter Asperger, se comunica essencialmente online. Cada um é uma superestrela em seus próprios domínios”.

    “Quanto tempo vai levar para que comecem a disputar os holofotes?”.

    CEMITÉRIO DAS IDEIAS

    Gurri, um ex-analista da CIA, acha que se Trump for eleito e Musk fizer o trabalho de reconfiguração de prioridades do governo federal, que chama de “alinhamento das hierarquias da era industrial com as realidades da era digital”, terá um papel transformador.

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    Ou tudo pode virar fumaça, ser completamente esquecido e cair no cemitério das ideias ruins – uma possibilidade que também existe para Javier Milei, tão distante do centro do mundo ocidental.

    O economista argentino voltará a seus livros e programas de televisão, se não queimar muito o filme, e Musk retornará aos projetos de colonizar Marte, criar um chip que faça os paraplégicos andar, dominar a inteligência artificial, substituir a energia fóssil pela elétrica e outras coisinhas modestas com que se diverte. Fora influir no debate político mundial através do X.

    Além de ser a pessoa mais influente do planeta, ele já provou que adora correr os mais altos riscos – e também assume a tarefa de promotor da eficiência. Desde que comprou o Twitter e o rebatizou com sua letra icônica, demitiu três quartos dos funcionários, considerados desnecessários – dá para imaginar a raiva que carrega nas costas.

    Segundo uma projeção, Musk pode se tornar o primeiro trilionário do planeta, e numa data nada distante: 2027. Jensen Huang, o americano de origem chinesa da Nvidia, viria logo depois, em 2028. E indiano Gautan Adami daria o salto em seguida. É um mundo que nós, pessoas comuns, mal conseguimos imaginar.

    Por que arriscar tudo isso se atrelando a Trump – “Se ele perder, estou ferrado”, brincou – e a uma missão complicadíssima e impopular como consertar o Leviatã governamental?

    Ah, os deuses…

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