“Ato terrorista”, espernearam os russos, que invadiram um país vizinho, praticaram múltiplas atrocidades e falharam em várias tentativas de assassinar Volodymyr Zelensky, mas agora reclamam quando a guerra chega até seu território.
O que não quer dizer que não seja muito arriscada a nova tática ucraniana. Os Estados Unidos conseguiram impedir ataques planejados contra Vladimir Putin, com base na capacidade superior de retaliação dos russos, inclusive, teoricamente, com armas nucleares táticas.
É essa capacidade que a linha dura — que obviamente só se manifesta porque Putin deixa — invocou depois do ataque com drones que produziu cenas inacreditáveis bem no coração do poder, o teoricamente inexpugnável Kremlin.
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Um dos mais conhecidos porta-vozes dessa linha dura, o blogueiro militar Igor Girkin, resumiu o recado: “A Ucrânia tem que ser destruída”. Sua equivalente na estrutura de propaganda estatal, Margarita Simonian, diretora do canal Russia Today, disse que está na hora de “começar para valer” a invasão.
A invocação ao uso de armas nucleares e outras ameaças existenciais já se tornou tão habitual que está perdendo um pouco o impacto.
A Ucrânia, obviamente, tem interesse em minimizar o poder dessas ameaças, pois, se as ouvisse, nem sequer teria se defendido diante de um invasor muito mais poderoso.
Os ataques em território russo, ou que os russos consideram seu, fazem parte de uma nova etapa da guerra, com uma contraofensiva em que a Ucrânia arriscará tudo: se fracassar, teria que ir enfraquecida para negociações que interessam, acima de tudo, ao inimigo — e a seus aliados que querem se passar por vultos do pacifismo.
O mais espetacular foi no último sábado, contra depósitos de combustível da base naval de Sebastopol, na Crimeia. A base tem uma importância vital para a Rússia por poder funcionar o ano todo em razão da temperatura mais amena do mar. Sem ela, o país ficaria com as frotas encalhadas durante o inverno. Mesmo depois da independência da Ucrânia, a base continuou a funcionar, com um acordo feito entre as partes. A conquista da península, em 2014, colocou-a firmemente sob o controle russo.
O ataque ao Kremlin tem um enorme impacto propagandístico, mas dificilmente a inteligência ucraniana ignoraria o fato de que Putin mora e trabalha num palacete em Novo Ogariovo, onde ele passou a ficar mais tempo durante a pandemia. O Kremlin é mais usado para recepções oficiais e outras cerimônias em que Putin quer impressionar visitantes com o esplendor imperial do complexo de palácios.
A Ucrânia tem espalhado constantemente informações sobre a contraofensiva da primavera, como tática para desestabilizar o inimigo e mantê-lo em constante alerta — algo parecido com o que a China faz com Taiwan.
Os ataques com drones em território russo aumentam a sensação de insegurança, mesmo que tenham sido até agora apenas episódicos. Têm que ser usados com cautela para não dar um argumento a Putin para uma nova convocação geral de cidadãos comuns para lutar na frente, o que aumentaria a superioridade russa em homens e material bélico.
Os russos estão cavando trincheiras em seu próprio território, além das extensas linhas defensivas em território ucraniano ocupado, tão grandes que podem ser vistas em imagens de satélite.
A nova fase da guerra pode acontecer sem que se defina o domínio sobre Bakhmut, a cidade onde a vitória russa é constantemente anunciada, mesmo sem ser verdadeira. Segundo o governo americano, nos últimos cinco meses de combates nessa região os russos sofreram espantosos 20 mil mortos, num total de 100 mil baixas. A Ucrânia também tem perdas enormes.
Os mortos russos são esmagadoramente do Grupo Wagner, formado por ex-militares e criminosos que trocaram a cadeia por seis meses de combate na Ucrânia.
O treinamento tosco, com os ex-prisioneiros sendo usados em massa como bucha de canhão, dificultou os planos russos de ganhar controle total sobre o Donbas, a região que foi oficialmente declarada parte da Rússia.
Mandar drones para explodir sobre as cúpulas do Kremlin é um ato de audácia que não muda essencialmente a natureza da guerra.
Mas certamente tira o sono de muita gente.