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O que dizem intelectuais que relutam em escolher entre Trump e Kamala

Não são só os 2% a 5% dos eleitores comuns que continuam indecisos: figuras importantes do debate público também não sabem quem escolher

Por Vilma Gryzinski 25 out 2024, 06h47

Falando ao USA Today, um eleitor americano que faz parte dos 2% a 5% ainda sem ter cravado seu voto, Mike Hoekstra, veterano reformado da Marinha, disse que o dilema da escolha de quem votar dentro de onze dias é tão grande que há noites em que não consegue dormir. Não está sozinho: há intelectuais e outras vozes importantes que também não se definem – ou voltam atrás de decisões já tomadas.

É interessante saber o que têm a dizer justamente por causa da indecisão: são capazes de ver, com mais clareza do que os eleitores convictos, os prós e os contras de Kamala Harris e Donald Trump, numa eleição em que os resultados apertadíssimos das pesquisas não permitem cravar com certeza quem vai ganhar.

Uma parcela dos indecisos em geral é formada por eleitores que pretendiam votar em Robert Kennedy Jr., como Hoekstra, e relutam em apoiar Trump, seguindo o conselho do ex-candidato – que continua nas cédulas em alguns estados. Está no mesmo barco que a escritora Lionel Shriver. Na Spectator, ela disse que passou a campanha em “estado de paralisia” e especificou em termos bem diretos os motivos da indecisão:

“Detesto Kamala Harris. Vazia, incapaz e opaca, ela seria uma candidata de quinta a romper o derradeiro teto de vidro. Na medida em que ela tenha algumas convicções de verdade, compartilho poucas delas”.

“Também não consigo me obrigar a apoiar Donald Trump. Prometi há muito tempo nunca, jamais onerar a minha reputação com qualquer manifestação pública de apoio a esse palhaço”.

“Acho impossível determinar qual candidato, se eleito, seria pior. Concordo que neutralidade equivale a covardia. Mas, mesmo ao risco de parecer patética, vou ficar fora dessa”.

PROBLEMAS SISTÊMICOS

A escritora lembrou um dilema não muito diferente vivido pelo colunista Andrew Sullivan, que declarou apoio a Kamala, embora a considere “a mais fraca e a mais woke” entre os possíveis candidatos democratas – em inglês, soa melhor: “The weakest and the wokest”.

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Nas palavras de Sullivan, apoiar Kamala exige uma certa amnésia, principalmente pelo processo opaco em que Joe Biden foi francamente esfaqueado – pela frente, se considerarmos como os líderes democratas vazaram em massa para imprensa que o presidente já era.

“Por que Biden apoiou tão rapidamente uma vice-presidente que tinha previamente ignorado, isolado e considerado – segundo quase todos os meios de comunicação – como um ônus? Por que Obama se deu ao trabalho de endossá-la, depois de pedir um processo aberto de indicação? E por que não apareceu nenhum outro candidato viável para desafiá-la?”.

Ou seja, o apoio de Sullivan soa mais como um longo relato dos problemas sistêmicos de Kamala – que, obviamente, serão todos esquecidos se ela ganhar no próximo dia 5.

O próprio colunista ameaçou voltar atrás por causa do apoio da candidata democrata a métodos hormonais e cirúrgicos para transição de gênero de menores.

“REVÓLVER CARREGADO”

Outro colunista cuja opinião conta, Bret Stephens, nominalmente o conservador de plantão do New York Times (o pessoal raiz o considera um conservador falsificadíssimo), definiu assim seu voto pela candidata democrata: “99,999% contra Trump e 0,001% por Kamala”, a quem considera “tão vazia nos bastidores quanto parece em público”.

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“Prefiro arriscar ter uma presidente de cuja competência eu duvido e de cujas políticas não gosto do que ter um cujo caráter eu detesto”.

Alguns eleitores brasileiros provavelmente já viveram dilemas parecidos.

Holman Jenkins, do Wall Street Journal, escreveu uma coluna original e reveladora sobre Trump. O ex-presidente revelou num recente encontro com o conselho editorial do maior jornal americano que tem consciência de que “suas propostas para tarifas generalizadas, deportações em massa e abandono dos aliados da Otan que não pagam sua parte equivalem a um revólver carregado na mão de uma criança”.

DEMAGOGIA DE RESULTADOS

“Não são práticas, exceto como catalisadoras ou dissuasivas em relação a seu objetivo de redistribuir os custos e benefícios da cara liderança global da América”.

No popular: Trump se faz de louco porque vê seu papel, essencialmente, como um negociador implacável, usando sua experiência no mundo dos negócios para arrancar acordos mais favoráveis aos Estados Unidos, uma estratégia que expôe no livro A Arte da Negociação.

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Pode ser arriscadíssimo fazer isso num momento sensível, em especial porque a Rússia desafia a ordem global com a guerra na Ucrânia e enfraquecer os europeus só aumenta a ousadia de Vladimir Putin. Mas Holman aponta que, com seus métodos caóticos, Trump vem conseguindo realizar o sonho de todos os políticos: pautar o debate.

“A demagogia dele , como é frequentemente caracterizada, conseguiu agitar a América de maneiras que outras coisas não haviam conseguido. As posições de Joe Biden e Kamala Harris sobre a fronteira ou a China hoje soam muito mais como as de Trump do que as suas próprias de quatro anos atrás”.

“PRESIDENTE DE FACHADA”

O que farão os eleitores que sentem em Trump essa força negociadora, mas não conseguem aceitar sua personalidade problemática, fora as opiniões alucinadas, intuindo ao mesmo tempo que Kamala é uma bela embalagem vazia, escondendo opiniões muito mais à esquerda do que a da maioria dos americanos?

E se eleita, segundo Lionel Shriver, “será uma presidente provavelmente de fachada. Fará o que mandarem os seus manipuladores, da mesma forma que fazem com seu predecessor senil”.

“Minha intuição me diz que Donald Trump vai ganhar”, afirmou Nate Silver, considerado o rei das pesquisas, e nem de longe um simpatizante trumpista.

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“Tenho certeza que Kamala vai ganhar”, propagou o veterano James Carville, um ex-mago do marketing político do Partido Democrata que se transformou num dos mais frequentes entrevistados da televisão americana pelo estilo franco e engraçado. Segundo Carville, Trump não conseguiu expandir a base do eleitorado que é naturalmente trumpista.

Ou seja, não conquistou os indecisos.

DE TIRAR O SONO

O apoio de nomes importantes de várias esferas conta pontos, embora seja difícil quantificar. Quem vai votar em Kamala por causa do apoio de Taylor Swift muito provavelmente não votaria em Trump de qualquer maneira. Podem as jovens fãs convencer seus pais? Não é impossível, mas é pouco provável que altere significativamente o resultado final.

A disputa pelos nomões já entrou no campo das deep fakes. Warren Buffett, o legendário administrador de um fundo gigantesco de investimentos, se viu obrigado a desmentir que tenha declarado apoio a Kamala Harris, como aparece num vídeo fake do Instagram. “Eu não sei nem entrar no Instagram”, reclamou Buffett, que tem 94 anos.

Apoiam Kamala praticamente todos os grandes órgãos da mídia, o mundo acadêmico em massa, a alta burocracia do Estado e até alguns republicanos como os ex-vice-presidentes Dick Cheney e Mike Pence. Sem contar Beyoncé, Oprah Winfrey, Eminem, Bruce Springsteen, Biilie Ailish e mais uma constelação de artistas. Bill Gates fez uma doação de 50 milhões de dólares. A lista de milionários por Kamala é a maior (são 81 bilionários, segundo a Forbes, contra 50).

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Do lado de Trump, é mais o pessoal da música country, Kid Rock, Mike Tyson, veteranos conservadores como os atores Jon Voight e Dennis Quaid, o nada desejado Kanye West e até o pai de Lady Gaga, Joe Germanotta. Acima de todo mundo, Elon Musk, que se jogou na campanha e está fazendo um uso discutível da cooptação monetária, agora suspenso.

A média das pesquisas do RealClearPolitics, usada aqui como critério permanente, mostra que Trump está conseguindo um avanço lento, mas consistente. Hoje, Kamala tem 48,8% e o candidato republicano, 48,5% dos votos populares. Das treze pesquisas, ele aparece à frente em seis, sendo que a diferença maior está no levantamento do Wall Street Journal – 49% a 46%. Na mais favorável a Kamala, da Morning Consult, ela tem 50% a 46%.

É de tirar o sono de qualquer indeciso.

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