Os judeus foram fracos e perseguidos durante quase dois mil anos e, ao fundarem seu país, resolveram que seriam fortes. Conseguiram extraordinários sucessos – e também grandes responsabilidades. É a posição de força, justamente, que leva os aliados de Israel – os Estados Unidos, em essência, e europeus ocidentais – a colocar Benjamin Netanyahu numa situação complicada.
Para atender as pressões dos americanos, que têm máximo interesse em descomprimir o Oriente Médio, Netanyahu – com toda a cúpula política e militar, mas é dele a decisão final – teria que justamente interromper a trajetória que, um ano depois do massacre de 7 de outubro de 2023, começou a mostrar resultados consistentes. A queda dos chefões do terrorismo anti-Israel em Gaza e no Líbano, sendo Yahya Sinwar o alvo mais importante, ilustra uma campanha sistemática, bem planejada e bem executada que redundou na eliminação de vários milhares de combatentes armados dedicados à extinção de Israel.
O país fez isso seguindo o que considera seus interesses. Nem Joe Biden teve força para impedir, por exemplo, que seus apelos fossem ignorados. Rafah, Corredor Philadelphia e outras áreas de Gaza, além de regiões do Líbano, estariam sob controle total do Hamas e do Hezbollah se esses conselhos tivessem sido seguidos. O Egito afirmou que o próprio acordo de paz que tem com Israel desde 1979 estaria ameaçado se o corredor, colado na sua fronteira, fosse tomado. Isso aconteceu e não deu em nada.
Kamala Harris chegou a dizer, algo ingenuamente, que tinha “estudado os mapas” e Israel não poderia invadir a região de Rafah porque o grande número de pessoas deslocadas para lá não tinha para onde ir. Israel transferiu os desabrigados em questão de dias e entrou em Rafah. Lá, acabou sendo encontrado o terrorista-mor, tentado a deixar os subterrâneos onde passou mais de um ano.
“SACRIFÍCIOS NECESSÁRIOS”
Não foi sem custos, com muitos milhares de mortes de civis – exatamente o que Sinwar e seus companheiros planejaram como os “sacrifícios necessários”. Cada civil palestino morto é visto como uma vitória propagandística pelo Hamas, especialmente considerando-se que nos países árabes a opinião pública fica indignada e nos ocidentais é insuportável lidar com tantos inocentes mortos – mais de vinte mil, se forem tirados da lista os militantes do Hamas.
A decisão unânime dos líderes israelenses foi ignorar as indignações e pagar um preço pesado, terrível até. Qual seria a alternativa? Ouvir opiniões descompensadas como as do colunista Thomas Friedman, um amigo próximo de Joe Biden, e simplesmente não reagir, deixando os autores das atrocidades bem folgados, sob a hipótese tresloucada de que a Autoridade Palestina deveria ganhar de presente o controle de Gaza? Ceder aos apelos constantes da ONU por um cessar-fogo, que aumentam a cada vez que Israel ganha mais um lance?
Pedir paz, acordos, entendimentos e saídas negociadas é fácil para quem está fora e seria uma tentação para os líderes de Israel. A maioria dos familiares de reféns clama incessantemente pelo fim da guerra que levaria à libertação dos cativos. As esperanças de sobrevivência vão diminuindo quando se sabe que os seis reféns que cercavam Sinwar, assassinados quando forças israelenses se aproximavam, não puderam ser levados como escudos vivos quando ele saiu do túnel porque estavam no limite da sobrevivência. Uma das mulheres pesava 36 quilos, um dos homens, 52 – ou seja, estavam perto da morte por inanição. Durante todo seu martírio, foram alimentados apenas com barras de proteína.
Netanyahu é retratado como um monstro que impede a volta dos sequestrados. Muitos reagiriam da mesma forma se achassem que só ele impede um acordo, com a opção pela guerra. Existem também as simpatias – e antipatias – políticas.
MESTRE DA SOBREVIVÊNCIA
Numa comparação bem exagerada, seria como se Jair Bolsonaro fosse presidente e a maioria dos reféns fosse do PT e outros partidos de esquerda. Os protestos que já existiam contra Netanyahu – por tentativas de intervenções muito equivocadas no Poder Judiciário – transmutaram-se em enormes manifestações por um acordo para libertar os reféns, com acusações constantes de que estão sendo deliberadamente ignorados.
Devido a sua extensão, e ao drama de enormes proporções das famílias que têm entes queridos cativos nos subterrâneos de Gaza, passam a impressão de que o país inteiro está mobilizado contra Netanyahu. Em alguns momentos, a maioria se inclinou realmente nessa direção.
Mas a obstinação do mestre em sobrevivência política está sendo recompensada pelos resultados militares impressionantes e por uma recuperação nos índices de aprovação. Se houvesse eleições hoje, a coalizão de Netanyahu teria maioria.
Num momento raro, por causa dos riscos políticos, ele divulgou um vídeo à la TikTok – andando e falando – pouco depois que um drone do Hezbollah mirou a sua casa de lazer, na histórica Cesaréa, escapou dos helicópteros israelenses e, segundo o site Axios, explodiu no local. “Vamos ganhar essa guerra”, disse. Os que “decapitam nossos homens, estupraram nossas mulheres e queimaram bebês vivos” já estão pagando.
“JUDEU QUE REVIDA”
Netanyahu tem que controlar o triunfalismo – inclusive porque Israel está sempre apenas a um passo da tragédia, no caso de um único furo de seu sofisticado sistema de defensa antiaérea, como demonstrou a recente morte de quatro militares no campo de treinamento da brigada Golani, além de mais de sessenta feridos. Imaginem três, quatro, dez drones – feitos de plástico para enganar os radares – atingindo seus alvos. Imaginem se o primeiro-ministro e a mulher, Sarah, fossem atingidos.
Mas Netanyahi não está escondendo nem um pouco a satisfação pelas vitórias contra o Hezbollah e o Hamas. Isso causa raiva descontrolada nos que o abominam, inclusive em outros países, onde, por ignorância ou má fé, ele é visto como o único propagador da guerra, um malvado que bastaria ser tirado do cenário para tudo mudar. É um engano primário.
Golda Meir era uma frasista que deixou citações sempre lembradas por sua percepção. Uma das mais conhecidas: “O mundo odeia um judeu que revida. O mundo só nos ama quando pode ter pena de nós”.
Tendo resolvido que se arriscavam a ser odiados para não repetir o papel de vítima de quem se tem pena, tantas e tão dolorosas vezes revivido, os judeus de Israel, em toda a sua vasta diversidade política, social e religiosa, têm opções transcendentais pela frente – e o tão detestado Netanyahu se tornou o retrato disso.
Ao retomar a posição de força que o massacre de 7 de outubro tão tragicamente abalou, inclusive pelos graves erros sistêmicos cometidos durante seu plantão, Netanyahu agora enfrenta o desafio infinitamente maior de retaliar o Irã – e correr o risco da contra-retaliação.
CHOQUES DE REALIDADE
Será a desarticulação do Hamas, tendo atingido o ápice com a morte de Sinwar, a oportunidade para evitar esse confronto de altíssimo risco para todos os envolvidos – e o resto do mundo junto? Conseguirá um presidente americano fraco, com uma eleição tão próxima para escolher seu substituto, formatar uma reação que não incendeie o mundo?
Contra todas as expectativas, existe ainda esperança de um caminho positivo para a questão palestina? Ser otimista em relação a qualquer coisa do Oriente Médio é correr o risco de imediatos choques de realidade.
Um exemplo: Mahmoud Abbas, o esperto e corrupto líder da Autoridade Palestina, um ancião de 88 anos em quem o governo americano imaginou apostar como alternativa de poder em Gaza, lamentou o “martírio” de um “grande líder nacional” como Sinwar.
Todo mundo sabe, inclusive o próprio, que Abbas não poderia pisar o pé na Faixa de Gaza sob controle do Hamas, que expulsou a Autoridade Palestina de lá numa miniguerra civil em 2007.
NOBEL DA PAZ
Dá para imaginar Israel, tendo passado o que passou e se vendo na situação de fazer o que fez, entregando o controle de Gaza, conquistado com o sangue de seus jovens, a Abbas e companhia? Ou voltando a passar o controle do sul do Líbano ao Hezbollah?
Outras ideias precisam ser colocadas na mesa. E Benjamin Netanyahu é uma das vozes mais importantes que dirão se valem ou não.
Desde ontem, surgiram indícios de que o primeiro-ministro está montando uma proposta de libertação dos reféns em troca da saída de áreas de Gaza. Também é especulado um cessar-fogo no Líbano, desde que Israel pudesse fazer o que as forças da ONU não fazem: impedir que o Hezbollah disponha de pleno controle – armado – no Sul do Líbano.
Antony Blinken, o secretário de Estado americano, vai apresentar um plano depois da eleição presidencial de 5 de novembro e merecerá um Nobel da Paz se funcionar.
Em 1994, Yasser Arafat, Shimon Peres e Yitzhak Rabin dividiram o prêmio – e vejam a situação hoje.