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O único líder árabe a dizer que condena ‘inequivocamente’ o Hamas

O príncipe que exerce o poder de fato no Barein declara o óbvio – mas é um óbvio que nenhum outro em posição similar teve coragem de assumir

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 9 Maio 2024, 19h56 - Publicado em 22 nov 2023, 07h36

“Tanto no Islã quanto no judaísmo, a proteção de vidas inocentes é tanto uma obrigação quanto uma responsabilidade moral.”

Com o grande espaço que a iminente liberação, em grupos, de cinquenta reféns tomados pelo Hamas em 7 de outubro, em troca de prisioneiras palestinas em Israel, um discurso do príncipe herdeiro Salman bin Hamad Al Khalifa, que na prática exerce o poder no Barein, ficou para escanteio.

Khalifa falou o que nenhum outro líder árabe teve coragem de explicitar, declarando-se “do lado dos civis e inocentes e não do lado do exibicionismo político. Os ataques de 7 de outubro foram bárbaros, foram horríveis, foram indiscriminados. Mataram mulheres, crianças, idosos”.

“E ainda por cima parece tudo bem pegar reféns e falar nisso como se fosse um ato de guerra. Nós condenamos isso.”

O príncipe do Barein, um pequeno conjunto de ilhas de apenas 720 quilômetros quadrados, mas, como outros vizinhos do Golfo, cheio de gás e petróleo, fez a equivocada equivalência moral entre uma invasão não provocada e a reação de Israel, mas já foi um progresso enorme a condenação ao Hamas.

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O Barein é um dos países muçulmanos que normalizou relações com Israel dentro do quadro dos Acordos Abraâmicos por motivos bem pragmáticos: precisa se equilibrar entre uma população de maioria xiita e uma classe dirigente sunita, tem pavor, por isso, à capacidade de desestabilização do Irã e de modo geral concordou que seria melhor para todos aceitar a existência do estado judeu – e fazer bons negócios com isso.

Khalifa usou o mesmo advérbio, “inequivocamente”, para condenar o contra-ataque israelense. “Ambas as ações levaram à morte de inocentes, ambas são condenáveis, ambas devem acabar e ambas são coisas com as quais devemos lidar com o maior cuidado porque precisamos quebrar o círculo”, disse no discurso de uma conferência internacional sobre segurança que, incrivelmente, foi mantida no quadro de alta volatilidade atual no Oriente Médio.

“As narrativas tóxicas e conflituosas não podem ser mais nossa metodologia.”

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Parece óbvio, mas é preciso coragem para dizer isso. A opinião pública nos países árabes está inflamada pela destruição e as perdas humanas em Gaza, apresentadas pela Al Jazira, a televisão mais influente do Oriente Médio, bancada pelo Catar, como se não tivessem conexão com os eventos de monstruosa barbaridade que as provocaram.

Quando o conflito eclodiu, os acordos de normalização de relações assinados em 2020 (além do Barein, entraram neles Emirados Árabes Unidos, Marrocos e Sudão) pareciam condenados, mas estão sobrevivendo.

Praticamente todos os regimes árabes têm horror ao fundamentalismo radical do Hamas e não querem nem pensar em abrir as portas a refugiados de Gaza. Oficialmente, precisam se colocar de maneira oposta para não ficar mal com as “ruas”, a opinião pública que se identifica com os irmãos árabes vivendo dias terríveis.

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O Hamas e seus aliados sabem manipular esse sofrimento – aliás, o consideram “necessário” para seus objetivos finais, entre os quais o principal é a extinção de Israel.

Isso não vai acontecer, daí a tendência de países árabes mais pragmáticos à acomodação e à coexistência – além de uma conta bem alta mandada para os Estados Unidos, principalmente em garantias de segurança. A Arábia Saudita estava para entrar nesse barco, com uma estratégia bem pensada de longo prazo para mudar seu próprio modelo, passando de fornecedor de petróleo para o soft power representando por turismo, alta tecnologia, grandes projetos arquitetônicos e patrocínio de esportes. A família reinante no Barein tem exatamente o mesmo modelo. E um príncipe herdeiro, com todos os infinitos defeitos de sua tribo, disposto a bancar isso.

Num momento em que parece tão difícil, ou até impossível, quebrar o círculo vicioso, é um pequeno indício de esperança.

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Khalifa até montou um programa básico que muita gente, inclusive os Estados Unidos, pode apoiar. “Deixem-me ser extremamente claro sobre o que conta para o reino do Barein. Não deve haver um deslocamento forçado de palestinos de Gaza, agora ou nunca. Não deve haver a reocupação de Gaza. Não deve haver uma redução do território de Gaza. Por outro lado, não deve haver terrorismo proveniente de Gaza dirigido contra a população israelense.”

É um começo que, nos bastidores, já está sendo negociado.

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