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Os defensores do “descrescimento”

Em vez da prosperidade sempre maior, tem quem queira andar de ré

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 4 jun 2024, 10h36 - Publicado em 19 fev 2023, 08h00
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  • Por mais que pretendamos — e haja pretensão — criticar John Maynard Keynes, na maioria das vezes por causa dos admiradores equivocados que imaginam falar em seu nome, é impossível não ceder à sedução da inteligência multifacetada do economista. Em 1931, com a Grande Depressão correndo solta, ele escreveu um conhecido ensaio sobre “as possibilidades econômicas de nossos netos”, com previsões de cair o queixo. Em 2030 — para nós, praticamente amanhã —, o padrão de vida teria aumentado oito vezes, a semana de trabalho seria de quinze horas e a prosperidade geral alcançaria tal grau que “o amor pelo dinheiro será reconhecido pelo que realmente é, uma morbidade algo desprezível”. Dá até para ver o arco intelectual levando à controvertida previsão davosiana de que, no mesmo ano nada longínquo, “você não será dono de nada e será feliz”. E não adiantam os desmentidos do Fórum Econômico Mundial, a economista dinamarquesa Ida Auken realmente levantou em Davos a possibilidade, não como “uma utopia ou sonho sobre o futuro”, mas como “um cenário em direção ao qual podemos estar caminhando, para o bem ou para o mal”.

    “O repúdio ao consumo e ao acúmulo do vil metal é anterior à dissidência protestante”

    Os partidários da ideia de que isso é para o bem alinham-se numa corrente de pensamento chamada de anticrescimento ou “decrescimento”. De forma geral, são intelectuais ou militantes que já têm tudo que as classes médias afluentes alcançaram e acham de mau gosto e ecologicamente suicida quem tem pretensões como comprar uma TV (talvez, imaginem só, mais do que uma), cozinhar uma carninha em fogão a gás (o mais recente vilão dos ambientalistas), fazer umas comprinhas inúteis todo sábado ou, supremo horror, andar num veículo movido a combustíveis fósseis. Carros, fogões, carne, viagens de avião e 38 vidros de esmalte na gaveta do banheiro, para o caso de haver uma escassez mundial de vernizes para pintar as unhas, tornaram-se mais acessíveis com o sistema globalizado de distribuição, mas viraram a encarnação do mal para a turma do anticrescimento. “Se a humanidade quiser manter os sistemas que sustentam a vida no planeta, a economia global tem de diminuir o ritmo”, prega um dos teóricos do movimento, Giorgos Kallis, professor de economia ecológica na Universidade Autônoma de Barcelona.

    Em resumo: PIB não só não traz felicidade (embora todos os países com alto índice de satisfação sejam ricos) como é um conceito reprovável. O repúdio ao consumo e ao acúmulo do vil metal ancora-se no cristianismo anterior à dissidência protestante e ressurgiu com o pensamento de esquerda no século XIX — com o repetido “fetiche da mercadoria”. Não é difícil entender o lado estéril do consumo, em especial quando vira substituto de ansiedades mais profundas do que as provocadas por imaginar que podemos ficar sem 38 vidrinhos de esmalte na gaveta e acontecimentos terríveis serão desencadeados a partir daí. Somos a origem do mal ou a solução de problemas que pareceriam insolúveis? O chique lorde Keynes disse no seu ensaio utópico que haveria cada vez mais “classes e grupos de pessoas dos quais os problemas da necessidade econômica seriam praticamente removidos”. O desafio passaria a ser como ocupar o ócio gerado por tanta prosperidade de forma a “viver sabiamente, agradavelmente e bem”.

    Publicado em VEJA de 22 de fevereiro de 2023, edição nº 2829

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