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Para nunca mais esquecer: cinco lições deixadas pelo Onze de Setembro

Até a maior superpotência da história pode agir contra seus próprios interesses quando acha que pode mudar tudo, inclusive corações e mentes

Por Vilma Gryzinski 10 set 2021, 07h52

No dia 21 de setembro de 2001, apenas dez dias depois dos grandes atentados, a aprovação a George Bush filho bateu em 90%.

Era natural. O país estava unido diante do trauma, da dor e da revolta deixados por três mil mortos e a investida contra grandes ícones do poder americano.

Quando ele deixou a Casa Branca, em 2009, dizimado pela crise financeira, tinha 33% de opiniões favoráveis.

A história ainda vai decidir como a reação americana aos atentados, comandada por Bush, será julgada: um sucesso, ao impedir que novos atentados fossem desfechados em território americano, ou uma sucessão de danos autoinfligidos que vão do incentivo involuntário a novas organizações terroristas aos espantosos seis trilhões de dólares gastos na “guerra ao terror”, a doutrina desenvolvida depois do Onze de Setembro.

Mas algumas lições já são indiscutíveis. Entre elas:

1. A lei das consequências indesejadas não perdoa. Bush e seu grupo de assessores neoconservadores (nem todos se enquadravam na definição, mas assim ficaram conhecidos) aderiram a uma ideia que parecia imbatível: não adiantava apenas localizar e atacar os terroristas islâmicos, era preciso criar um meio ambiente em que eles fossem rejeitados por suas próprias sociedades.

Ao não só intervir militarmente como tentar reconstruir e melhorar o Afeganistão e o Iraque, em lugar de aliados agradecidos, acabaram favorecendo inimigos.

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O caso do Iraque é um clássico. A derrubada de Saddam Hussein, ao fortalecer a posição dos até então reprimidos xiitas iraquianos, ofereceu de bandeja várias vantagens ao Irã.

O país dos aiatolás irredutivelmente antiamericanos livrou-se de um inimigo histórico sem precisar dar nem uma torcida no turbante e passou a ter uma influência muito maior no chamado arco xiita: Iraque, Síria e Líbano. Foi essa posição fortalecida que permitiu ao Irã bancar o que parecia impossível, a vitória do sírio Bashar Assad.

Desprovidos da posição preponderante que tinham no Iraque de Saddam, os sunitas iraquianos se radicalizaram. A religião, em sua versão mais extrema, ocupou o lugar do nacionalismo árabe e os combatentes inspirados pela jihad proliferaram. Os mais conhecidos deles organizaram-se em torno do Estado Islâmico do Iraque e da Síria, dizimado a um custo enorme.

Ironicamente, é um braço local do Estado Islâmico que emergiu como a força mais radical no Afeganistão.

Nem desligando a luz do aeroporto na sua retirada apressada e mal planejada, os Estados Unidos conseguiram se livrar da lei das consequências indesejadas: seus últimos treze mortos no Afeganistão foram explodidos pelo ISIS local (parte afegão, parte paquistanês).

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2. O inferno está cheio de boas intenções. Os Estados Unidos são os campeões mundiais de reconstrução nacional. A Alemanha e o Japão do pós-guerra são os exemplos mais espetaculares. Em lugar de agir como o ocupante inflexível, os Estados Unidos financiaram e deram a base doutrinária para a reconstrução econômica e a criação de regimes democráticos sólidos.

A derrocada do comunismo na Rússia e na Europa, surpreendentemente pacífica e ordeira, com a exceção da Romênia, culminou o processo na virada dos anos noventa. Diante disso, o que era levar luz – literal e figurada – para  um buraco atrasado como o Afeganistão ou erguer um Iraque democrático onde todas as correntes conviveriam em paz?

“Naquelas semanas de outono, a era do pós-Guerra Fria terminou e a Guerra Global ao Terror começou”, escreveu o analista Robert Kaplan.

“A primeira era foi uma bota-fora triunfal a uma luta de meio século para libertar o mundo do nazismo e do comunismo. Não tinha havido tarefa militar convencional ou ideológica a qual os Estados Unidos não tivessem estado à altura.”

“A segunda era girou em torno de mudar por dentro sociedades islâmicas complexas – e a América iria mostrar que não estava à altura. A primeira tarefa era essencialmente geopolítica e a segunda, essencialmente cultural. É por isso que fomos bem sucedidos na primeira e fracassamos na segunda”.

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3. Exportar “pacotes culturais” pode acabar em desgraça – ou cair no ridículo. Seria cômico se não fosse trágico, mas bem intencionados burocratas americanos tentaram reproduzir no Afeganistão as condições vigentes no campus de Harvard, segundo o comentário ácido de um analista britânico.

Reproduzir literalmente: 787 milhões de dólares foram destinados a programas de estudos de gênero, a moda politicamente correta reinante há anos nas universidades de elite dos Estados Unidos. 

Num país onde as mulheres tradicionalmente, na maioria das regiões, são trancadas em casa e só saem cobertas pela burka – e não precisa o Talibã estar no poder para isso -, os obstáculos foram algo problemáticos. Para começar, nas duas línguas mais faladas, pashtun e dari, não existe sequer uma palavra equivalente a “gênero”.

Também foi criada uma tal de Aliança Nacional da Masculinidade, com espaços para  homens discutirem seus papéis (de gênero, evidentemente) e “examinar atitudes masculinas que são prejudiciais para as mulheres”.

Isso num pais em que 47% apoiam a execução pública de adúlteras.

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Nos dias finais da queda de Cabul, circulou um trecho recuperado de um documentário no qual uma professora inglesa dá um curso de arte conceitual a mulheres afegãs. A palestra é ilustrada, para constrangimento da plateia, pelo Mictório de Marcel Duchamp. 

A obra, evidentemente, só pode ser entendida por quem tem noção de toda a trajetória da arte ocidental, até o momento em que um espírito revolucionário, ou de porco, diz que “arte é o que digo que é arte”.

Certamente existem afegãos equipados para entender os processos de desconstrução que continuam até hoje, mas soa a neocolonialismo querer ilustrar as massas afegãs com Marcel Duchamp.

Detalhe: em nome do respeito às diferenças culturais, militares americanos foram aconselhados a não interferir num hábito arraigado entre homens de posses ou algum poder de manter “meninos do chá”, pré-adolescentes que dançam, usam maquiagem e são usados como escravos sexuais.

4. Guerras custam caro, principalmente se você sabe como começam, mas não como terminam. “Segundo algumas estimativas, quase 15 mil militares e terceirizados americanos morreram nas guerras que se seguiram ao Onze de Setembro e o custo econômico excedeu seis trilhões de dólares”, escreveu o cientista político Joseph S. Nye Jr.

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“O dano causado pela Al Qaeda empalidece diante do dano causado pela América a si mesma”, argumenta ele.

Obviamente, existem bons argumentos em contrário, mas Nye defende com dados a tese de que “o terrorismo pode ser comparado ao jiu jitsu, em que um adversário fraco direciona o poder de um jogador maior contra ele mesmo”.

Numa guerra que começa com a mudança de regime e avança para a construção de novos modelos nacionais, os custos são incontroláveis. Segundo a Doutrina Powell, elaborada pelo general Colin Powell na época da bem sucedida primeira guerra contra Saddam, para tirá-lo do Kuwait invadido, oito princípio devem reger qualquer intervenção miliar, incluindo um “objetivo claro e realizável”, “riscos e custos ampla e francamente analisados”, “consequências de nossas ações plenamente consideradas” e “estratégia de saída plausível para evitar um envolvimento sem fim”.

Obviamente, a doutrina Powell foi ignorada no Afeganistão e no Iraque.

Por quê?

5. Generais que não se chamam Colin Powell relutam em dar a missão por encerrada, principalmente depois de enredados em campanhas que não têm um fim estabelecido.

Várias montagens vídeos de fácil acesso mostram diferentes comandantes e secretários da Defesa repetindo que o exército afegão estava “fazendo progresso”. Depois de tanto investirem – 83 bilhões de dólares só em equipamento – na força que treinaram e armaram, é natural que os estrelados não quisessem reconhecer o fracasso. 

A realidade o fez por eles: as principais cidades afegãs, culminando por Cabul, caíram sob domínio do Talibã em apenas onze dias. As forças que “estavam fazendo progresso” simplesmente depuseram armas e fugiram.

Barack Obama foi o presidente que mais quis, desde o começo, encerrar a intervenção no Afeganistão. Em vez disso, acabou convencido pelos generais a aumentar a presença americana de 30 mil para 100 mil homens. Era o necessário, diziam seus conselheiros militares, para estabilizar o país e dar um tempo vital até que os afegãos assumissem sua própria defensa contra os talibãs.

Deu no que deu: a situação continuou periclitante, os americanos foram diminuindo progressivamente sua presença e, por fim, Joe Biden forçou uma retirada apressada e mal feita, com base em dados falseados sobre a capacidade de resistência das forças locais.

É triste ver os vinte anos do Onze de Setembro nublados por esse fiasco, com o orgulho nacional dos americanos ferido, a sensação de que tantas vidas foram perdidas em vão, a imagem do país enfraquecida e um clima de desconfiança nas classes dirigentes que produziram o vexame. A única compensação, talvez, seja não fechar os olhos a lições arduamente aprendidas.

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