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Patrulha da vida privada: da Indonésia ao Irã, religião influencia leis

Visão estrita da religião muçulmana está por trás da inclusão do sexo fora do casamento no código penal e controle das vestimentas femininas

Por Vilma Gryzinski 7 dez 2022, 07h00

Ir a Bali, surfar no mar ou nas festas, mergulhar numa cultura amável e diferente e, como no terceiro item do livro Comer, Rezar, Amar, curtir uns namoros arrebatados.

Os turistas interessados no programa já devem saber: o sexo fora do casamento vai entrar no código penal, com castigo de até um ano de prisão. Morar junto sem ser casado dá seis meses. Detalhe importante: a “infração” tem que ser denunciada por pais, filhos ou cônjuges dos envolvidos, o que não deve dar muita tranquilidade a homens casados com relacionamentos paralelos.

O novo código foi aprovado por unanimidade pelo Parlamento da Indonésia, o país de esmagadora maioria muçulmana do qual a ilha de Bali, onde reina uma mistura de hinduísmo, budismo e antigas crenças animistas, é simultaneamente uma exceção e a grande atração turística.

Bali é uma gota no mar dos quase 280 milhões de indonésios, obviamente um país diversificado, mas onde o renascimento da religião muçulmana em sua versão estrita está em expansão. Em algumas regiões, é obrigatório para as mulheres usar roupas longas e largas e lenço na cabeça – pelo menos, pela tradição, são brancos, aliviando o opressivo negro total dos países do Oriente Médio mais rígidos.

A obrigatoriedade de cobrir todo o corpo e os cabelos virou uma questão política grave no Irã, onde ainda não dá para dizer se a polícia da moralidade, encarregada de patrulhar as vestimentas femininas, realmente foi dissolvida, como deu a entender o procurador-geral Mohammad Jafar Montazeri.

Desde que ele disse, no sábado, que essa polícia tinha sido “dissolvida pela própria instituição que a criou” – referência ao Ministério do Interior -, ainda não houve um esclarecimento oficial. É um sinal de dissensão dentro do próprio regime iraniano.

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Jovens mulheres queimando o chador, o manto obrigatório que deve cobrir toda a cabeça e uma túnica larga sobre as roupas comuns, viraram uma ameaça grave para o regime desde a onda de protestos desencadeada pela morte de Mahsa Amini, presa pela patrulha da moralidade ao sair de uma estação de metrô com a família por deixar aparecer mechas de cabelo.

São protestos ao estilo iraniano, com ataques a instalações do governo nas regiões curdas – a etnia da jovem Mahsa – e repressão violenta. Quase 500 pessoas já foram mortas em dois meses e meio, mais 60 agentes das forças policiais.

O Irã é um país xiita onde impera um sistema híbrido, com a autoridade suprema exercida pelo líder religioso Ali Khamenei.

A versão sunita da aplicação ao pé da letra da sharia, o conjunto de interpretações religiosas do Islã, impera na Arábia Saudita e seus vizinhos do Golfo Pérsico, como muita gente descobriu com a Copa do Mundo no Catar.

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Foi a Arábia Saudita quem financiou a propagação do Islã mais fechado por países muçulmanos de todo o mundo. Curiosamente, foram também os sauditas que acabaram, discretamente, com sua própria polícia religiosa, chamada Mutawa – na versão oficial, Comitê para a Propagação da Virtude e Prevenção do Pecado.

De modos ríspidos e agressivos, os odiados mutawin apareciam de repente em hotéis, restaurantes, shoppings e até residências particulares, procurando tudo que era proibido: mulheres em público sem acompanhantes masculinos da família ou com alguma coisa fora do lugar na vestimenta encobrindo todo o corpo e o rosto, comerciantes que não fechavam totalmente seus negócios na hora das cinco preces diárias e outras “infrações”.

O abrandamento desses códigos foi determinado pelo homem mais poderoso do país, o príncipe herdeiro Mohammad Bin Salman. A relativa liberalização foi bem recebida pelas gerações mais jovens e obedece aos ambiciosíssimos planos do príncipe de modernizar o país, fechado a estrangeiros que não sejam peregrinos que vão a Meca ou trabalhadores com contrato, transformando-o inclusive em atração turística (Lionel Messi tem um pacote de 25 milhões de dólares por ano para ser seu embaixador turístico).

Isso não significa que a sharia tenha sido abandonada. Enquanto Bin Salman participava da abertura da Copa, completou-se a sessão anual de execuções, com um total de vinte pessoas decapitadas.

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Num dia só, 12 de março passado, foram executados 81 condenados.

Pelo novo código penal da Indonésia, a pena capital, que regularmente atinge estrangeiros que acham uma boa ideia financiar a viagem a Bali fazendo o papel de “mula” de traficantes de drogas, pode ser trocada por prisão perpétua se o condenado demonstrar bom comportamento ao longo de dez anos de cadeia.

Ninguém pode alegar desconhecimento: cartazes nos aeroportos indonésios anunciam em letras bem grandes que o tráfico é punido com pena de morte. 

Haverá cartazes advertindo sobre a proibição ao sexo fora do casamento para indonésios e estrangeiros? E os bares de praia de Bali que oferece coquetéis como o Red Viagra ou o Sex on the Beach? E viável querer controlar o que as pessoas fazem na cama?

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Em 2002, atentados feitos por homens-bomba contra pontos turísticos de Bali mataram 202 pessoas, inclusive 88 turistas australianos. Em 2005, houve novos ataques concatenados, com mais 20 mortos.

O terrorismo guiado pela radicalização religiosa está em refluxo e isso é mais importante do que impulsos para controlar a vida privada e impor comportamentos provenientes de revelações religiosas que remontam a quase 1 400 anos. 

E sempre haverá Bali para dar um refresco.

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