Progresso: pode haver cessar-fogo à parte entre Israel e o Hezbollah
Milícia libanesa aceita deixar faixa fronteiriça livre, abrindo caminho a trégua depois da destruição de 80% de seus foguetes
O Hezbollah declarou guerra a Israel um dia depois do massacre de 7 de outubro do ano passado, em solidariedade ao Hamas. Por trás de ambos os grupos, todos sabem, está o Irã. Pode ser para valer a decisão anunciada de que aceita uma trégua, de sessenta dias, independente dos acontecimentos em Gaza, tal como propuseram os Estados Unidos?
Seria um tremendo progresso para a situação altamente conflituosa do Oriente Médio. Os enviados americanos vão discutir o plano hoje com Benjamin Netanyahu.
Deve, no entanto, ser visto com cautela.
Como o alicerce do conflito contra Israel é o ultrafundamentalismo religioso, já que o Líbano não tem motivo nenhum para estar em guerra contra o estado judeu, há grande possibilidade de que surjam sérios obstáculos à iniciativa da diplomacia americana. Um fator complicador é que o Irã tem muitos motivos para manter a pressão sobre Israel.
“TREMENDOS SUCESSOS”
Mas tréguas e acordos de paz não acontecem porque as duas partes querem, e sim porque uma delas não aguenta mais a guerra.
Estaria já o Hezbollah enfraquecido a ponto de precisar pelo menos de um respiro, uma pausa para se reorganizar? Os “tremendos sucessos táticos e operacionais” de Israel devem agora se transformar em avanços diplomáticos, defendeu o jornal Jerusalem Post, uma voz de peso.
Uma parte da cúpula militar israelense acha que há condições para o cessar-fogo e defende que o país já pode suspender a pressão.
O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e outros aliados da linha dura, incluindo prefeitos das cidades da região norte evacuadas por causa dos ataques do Hezbollah, eram da opinião contrária, mas isso pode estar mudando se existirem garantias suficientes de que o Hezbollah não retomará toda a região fronteiriça assim que os israelenses virarem as costas.
CAPACIDADE DE REPOSIÇÃO
O ministro da Defesa, Yoav Gallant, não está tomando partido, mas fez declarações que podem sustentar o argumento de uma suspensão das hostilidades. Ao todo, foram neutralizados 80% dos foguetes do Hezbollah – obviamente sem contar a quase inacreditável sucessão de ataques que está eliminando continuamente os líderes do Hezbollah, entre os quais Hassan Nasrallah e “o substituto e o substituto do substituto”, na descrição de Netanyahu. O novo líder, Naim Qassen, escolhido está semana, não está numa situação muito auspiciosa.
“Os feitos das Forças de Defesa de Israel no Líbano são extremamente impressionantes”, disse Gallant. “Eliminamos a cadeia de comando e controle do Hezbollah e calculo que a capacidade em matéria de mísseis e foguetes foi reduzida a 20%”.
Israel avalia ter matado cerca de dois mil milicianos armados do Hezbollah. Uma faixa de aldeias perto da fronteira, utilizadas como bases pelo Hezbollah, está sendo desmilitarizada – praticamente todas as casas tinham depósitos de armas ou lançadores de foguetes.
É um fato conhecido que a milícia, mais bem armada do que muitos exércitos nacionais, tem grande capacidade de reposição e nunca aceitará um acordo de paz definitiva, uma vez que sua própria razão de existir é combater Israel até que, imaginam seus integrantes, o país seja varrido do mapa pela ousadia de ser um estado judeu no que consideram terras árabes inalienáveis.
CRISE DO PETRÓLEO
Os israelenses sabem disso muito bem. Sabem também que não basta uma trégua temporária: é preciso uma estabilização com fôlego suficiente para permitir o retorno dos mais de 60 mil habitantes da região norte que foram retirados de suas cidades por causa dos ataques do Hezbollah. Não adianta retornarem para casa e em seguida voltarem a ser alvo dos foguetes vindos do lado libanês.
E já foi comprovado inúmeras vezes que não adianta que o exército libanês assuma posições no sul: o Hezbollah é muito mais forte e tem também ca capacidade política de pressão. O rio Litani, que seria a fronteira “aceitável” para Israel como limite para o Hezbollah, tem sido um limite completamente ignorado pelos milicianos xiitas.
Muito, ou tudo, depende do Irã. Há atualmente duas correntes de interpretações em relação ao regime teocrático.
Uma diz que a paciente construção estratégica inspirada pelo líder supremo, Ali Khamenei, desabou diante de uma reação israelense ao 7 de outubro, muito maior do que esperavam, com a extrema degradação do Hamas e do Hezbollah.
Segundo a outra corrente, o Irã tem muito mais fôlego para manter a pressão que múltiplas frentes de combate exercem sobre os israelenses. É um país com 75 milhões de habitantes, contra os dez milhões de Israel, com uma indústria bélica própria e recursos petrolíferos (não custa lembrar também que tem um pífio PIB per capita de 5,3 mil dólares, contra dez vezes mais para os israelenses). Também ameaça destruir as instalações petrolíferas dos países árabes vizinhos se sua infraestrutura for atacada por Israel. Tudo o que os americanos e aliados ocidentais não querem é uma crise do petróleo.
FALANDO GROSSO
Existe ainda o grande fator da mudança de presidente nos Estados Unidos. Qualquer um que seja eleito, Donald Trump ou Kamala Harris, vai querer mostrar serviço e propor algum tipo de solução para o Oriente Médio. Segundo o site The Times of Israel, Trump já disse a Netanyahu que quer a guerra em Gaza encerrada antes que ele tome posse – presumindo-se, claro, que seja vitorioso na próxima terça-feira. A transmissão do poder acontece em 20 de janeiro.
Pode Israel “encerrar” as atividades em Gaza sem trazer os pobres reféns que estão no cativeiro há 391 dias? Nacionalmente e politicamente, é impossível. As negociações, pelo menos, foram retomadas, com a proposta de uma trégua de um mês e a troca das onze reféns mulheres por cem prisioneiros palestinos.
Nenhuma das propostas foi aceita até hoje pelo Hamas e o novo líder do Hezbollah está falando grosso. “A resistência é forte e conseguiu disparar um drone no quarto de Netanyahu. Ele escapou, mas talvez sua hora esteja para chegar”, disse, referindo-se ao drone que rachou um vidro da porta externa à prova de bombas da casa de lazer do primeiro-ministro. Ninguém da família estava lá.
“Talvez um israelense o mate, talvez durante um de seus discursos”, acrescentou.
Ou talvez Naim Qassem não tenha muito tempo para decidir se concorda com um cessar-fogo – desde que seus chefes iranianos permitam.