Um idiota de peruca e batom, usando falsamente uma cadeira de rodas, jogou uma torta de creme na Mona Lisa em maio. Ontem, um punhado de idiotas interrompeu o Tour de France, a adorada competição de ciclismo, com mensagens absurdas como “Restam 989 dias”.
Todo mundo, inclusive os envolvidos, sabe que a pintura mais famosa do mundo está protegida por um vidro blindado e que atrapalhar os ciclistas tem zero efeito sobre problemas ambientais. Mas os atos de protesto desse tipo são vistos com benevolência. Afinal, seus protagonistas querem salvar o planeta e quem não se condói com a destruição de tantos nacos da sublime natureza desse nosso pedacinho de rocha não tem coração.
Atingir obras de arte e eventos de grande impacto virou uma maneira de chamar a atenção usada por grupos ambientalistas mais radicais, como o Extinction Rebellion e o Just Stop Oil. Em janeiro, dois jovens desse segundo grupo colaram suas mãos num quadro de Van Gogh, Pessegueiros em Flor, da Courtauld Gallery, um depósito de preciosidades impressionistas e outras de Londres.
Um “manifesto” tuitado pelo grupo dizia o seguinte: “Um objeto de arte recebe tanta proteção e preocupação do Estado. Enquanto pessoas na Etiópia, Somália, Índia, Paquistão, Estados Unidos, Austrália (para mencionar só alguns), que estão sofrendo com a mudança climática AGORA, são ignoradas e abandonadas. O que é mais importante? Esta pintura? Ou ter um futuro?”.
A quantidade de coisas erradas desse tipo de análise infantil, que foi endossada por governantes assustados com a possibilidade de ser criticados por Greta Thunberg, está sendo exposta agora em dolorosos pedaços de realidade: o planeta que vai atingir oito bilhões de habitantes em novembro precisa de combustíveis fósseis e de fertilizantes químicos para botar comida no prato dessa gente toda.
Seria bom que turbinas de vento e agricultura orgânica dessem conta do recado, mas o mundo real simplesmente não é assim.
Num artigo na Spiked, Brendan O’Neill, traça um retrato espantoso de como o delírio ambientalista levou um país pobre como Sri Lanka literalmente para o buraco.
As imagens do levante popular no país, uma ilha ao sul da Índia que era chamada de Ceilão desde a época dos navegadores portugueses, correram o mundo. A tomada do palácio presidencial, com o povão mergulhando na piscina e experimentando a cama do presidente, Gotabaya Rajapaksa, agora refugiado no conforto das Maldivas, tornaram-se imediatamente clássicos das revoltas populares.
Esta, porém, envolve aspectos únicos. Gota, como é chamado, conciliou dois delírios simultâneos: endividou o país em projetos frívolos financiados pela China e embarcou num programa para transformá-lo num pioneiro do “carbono zero”.
“Em abril do ano passado, o governo do Sri Lanka proibiu a importação de fertilizantes químicos e pesticidas. O objetivo era incentivar a agricultura orgânica. Foi uma política no espectro psicótico: 90% dos agricultores cingaleses usam fertilizantes e prognosticaram, corretamente que as safras quebrariam. A produção de arroz, chá e borracha foi seriamente prejudicada pela opção ideológica”, escreveu O’Neill.
A quebra na safra de arroz foi calculada em 43%. O preço dos produtos alimentícios subiu 80%; gasolina, 24%; diesel, 38%. A proibição dos fertilizantes foi revertida em novembro, mas a tempestade perfeita já estava formada, combinando o delírio orgânico às consequências da paralisação do turismo, que era 5,8% do PIB pré-pandemia, e do aumento dos combustíveis provocado pela invasão russa da Ucrânia.
A crise varreu do mapa o clã Rajapaksa: o primeiro-ministro, irmão do presidente, renunciou em maio. Na madrugada de hoje, foi a vez do presidente fugir na surdina. Eram políticos experientes, forjados na terrível época em que o movimento armado da minoria étnica Tamil ensanguentou o país.
O Sri Lanka, onde foi decretado estado de emergência, está na periferia da periferia, mas alguns dos países mais avançados do mundo estão pagando agora o preço alto de decisões bem intencionadas, voltadas para a proteção ambiental, mas sem vasos comunicantes com a realidade.
O caso mais gritante é o da Alemanha, onde Angela Merkel – lembram-se da “líder mais importante do mundo”? Pois é, encolheu – decidiu monocraticamente, sendo depois apoiada pelos demais poderes e pela opinião pública, fechar as usinas nucleares. Detalhe cruel: Merkel é doutora em química física e não tem desculpa para ignorar os fatores envolvidos.
O medo de acidentes nucleares empalidece diante dos fatos atuais, com as usinas a carvão sendo reativadas e a perspectiva de que toda a estrutura que sustentou o poder da quarta maior economia do mundo entre em colapso se a Rússia cortar o gás que alimentou a construção da potência exportadora de máquinas, principalmente para a China.
“Esta estratégia funcionou durante décadas; agora, virou um problema gigantesco. O governo de Olaf Scholz enfrenta a tarefa nada invejável de fazer retroceder a dependência em relação a ambos os países e encontrar uma alternativa para a globalização”, resumiu no Telegraph o comentarista econômico Ben Wright.
Scholz emprestou de Merkel uma frase usada pela primeira-ministra quando abriu as fronteiras a mais de um milhão de migrantes de países orientais: “Nós podemos fazer isso”.
Um país como a Alemanha tem condições excepcionais para enfrentar o desafio – mas aquelas usinas nucleares bem que ajudariam num momento como o atual.
Joe Biden também não deve estar, intimamente, muito satisfeito com os pacotes de medidas decretadas contra a indústria petrolífera quando assumiu, falando em transição a jato para uma economia verde que, mesmo sem a aprovação de Greta Thunberg – a jovem sueca é insaciável em das demandas luditas -, iria transformar os Estados Unidos.
“Nós vamos nos livrar dos combustíveis fósseis”, disse literalmente o homem que agora foi para o beija-mão na Arábia Saudita.
Está certo: o mundo, principalmente os países mais pobres e despreparados para as “guerras da gasolina”, precisa de petróleo a um preço administrável. Fome e sofrimento – além de rebeliões como no Sri Lanka- são as alternativas.
No novo panorama, soam excepcionalmente cruéis políticas como a do governo do primeiro-ministro holandês, Mark Rutte.
“A verdade é que nem todos os produtores rurais poderão continuar no seu ramo”, decretou uma declaração oficial do governo holandês, analisando os resultados da decisão de cortar pela metade, até 2030, as emissões de monóxido de nitrogênio e amônia.
Os pecuaristas, com seu magnífico gado que deu origem à expressão “saúde de vaca holandesa”, serão especialmente afetados porque os bovinos produzem estas substâncias.
Os protestos dos produtores holandese, fechando estradas com tratores, não são tão intensos, ou fotografáveis, como os do povão do Sri Lanka e ninguém vai passar fome num dos países pioneiros do estado de bem-estar social.
Mas decisões políticas que pareciam tão adequadas e antenadas estão cada vez mais se revelando errôneas, quando não tolas como uma torta de creme na Mona Lisa.
Enfrentar problemas ambientais graves e urgentes exige mais do que jogar para a plateia com canetadas absurdas.