Putin queria testar a Otan, mas acabou esgotando paciência de Trump
Presidente americano mudou de posição em relação ao conflito na Ucrânia - e isso não é uma boa notícia para o chefão do Kremlin

Sucessivas invasões do espaço aéreo de países membros da Otan, como a Polônia e a Estônia, demonstraram nas últimas semanas que Vladimir Putin se dispôs a testar os limites da aliança militar ocidental. Achava que estava num bom momento, com Donald Trump se inclinando a favor de um acordo de paz que selaria a tomada de territórios ucranianos – e que nenhum dos países importantes correria o risco de um conflito de proporções dantescas por causa da possibilidade que degenerasse para um conflito nuclear, a guerra do fim do mundo.
Só não contava com a capacidade de Donald Trump de mudar o jogo. Num dos dias mais espantosos da história diplomática dos Estados Unidos, o qual incluiu o convite a Lula da Silva para sentar e conversar, o presidente americano, num tsunami de discursos, postagens e entrevistas, chamou a Rússia de “tigre de papel”, por estar há três anos envolvida numa guerra que uma verdadeira potência militar resolveria em semanas. Mais importante, ele admitiu a possibilidade de que a Ucrânia recupere todos os seus territórios ocupados. Exatamente os mesmo territórios que ele já tinha rifado na proposta de acordo de paz.
Solenemente ignorado por Putin, Trump mudou a aposta e espantou os próprios ucranianos. Também elogiou a coragem do povo ucraniano e a bravura de Volodymyr Zelensky, o presidente que, na fatídica reunião do Salão Oval, em fevereiro, ele havia acusado de “jogar com a III Guerra Mundial” e não ter nenhuma carta na mão.
E não foi só: a uma pergunta sobre qual a reação dos países cujo espaço aéreo tem sido invadido por aviões de guerra, em sucessivas provocações de Putin, ele disse concordar que eles poderiam disparar contra os invasores.
RESULTADO ZERO
A reviravolta levou o porta-voz do Kremlin, Dimitri Peskov, a dizer que a Rússia é um urso de verdade e não um tigre de papel, surpreendeu os ucranianos, espantou os aliados ocidentais e, acima de tudo, deixou sem reações a ala da direita trumpista que, equivocadamente, passou a fazer campanha contra a Ucrânia, endossando muitos dos argumentos da propaganda russa.
Os peritos em trumpologia também estão tentando decifrar as motivações do presidente, para além da óbvia frustração com Putin, a quem ele estendeu o tapete vermelho numa cúpula no Alasca que produziu exatamente zero resultado.
A mudança de Trump passa pelo teste da realidade? Todos os especialistas concordam que, militarmente, é impossível reconquistar a Crimeia e a meia-lua de territórios próximos à sua fronteira que a Rússia ocupa desde antes da invasão.
Ao mesmo tempo, a Rússia também não tem conseguido grandes avanços, sofre perdas humanas em níveis que seriam inaceitáveis em qualquer outra grande potência, enfrenta as consequências das sanções econômicas e está sofrendo golpes sérios com a nova tática ucraniana de explodir refinarias. Pela lógica, Putin deveria ter aceitado a proposta de paz de Trump, cheia de vantagens para a Rússia, inclusive os 20% de território ucraniano.
SEGREDOS TÉTRICOS
Mas o inteligente, astuto e experiente Putin segue um outro conjunto de regras quando a Ucrânia está envolvida. Pulsões nacionalistas, fantasias expansionistas e o orgulho russo ferido pelo fracasso em conquistar rapidamente um vizinho quase trinta vezes menor embaralham o que, numa visão de fora, pareceria lógico.
Ele certamente também quer sabotar as bases da Otan – e parecia que estava perto de conseguir isso com o repúdio de Trump à aliança que foi fundamental para a consolidação dos Estados Unidos como superpotência depois da II Guerra Mundial. Sem contar o estranho fascínio de Trump por ele, origem de inúmeras teorias da conspiração que davam a inteligência russa como detentora de segredos tétricos sobre o presidente americano.
Os conspiracionistas têm pouca relação com os fatos e, portanto, suas teorias vão continuar prosperando. Quem precisará ajustar o discurso são os trumpistas que insensatamente se tornaram inimigos juramentados da Ucrânia. Os partidários da causa da liberdade adoraram. “Donald Trump disse a nossos amigos na Europa que parem de comprar petróleo e gás da Rússia. Como posso acabar uma guerra se vocês estão alimentando o inimigo?”, elogiou o senador Lindsey Graham, que tem sido continuamente execrado pelos próprios republicanos pelo apoio inabalável à Ucrânia. “Vamos vender armas à Otan em benefício da Ucrânia. Só assim a guerra vai acabar – com dois golpes, dar armas e acabar com a clientela.”
Será que desta vez Trump entendeu a verdadeira natureza de Putin e não ficou nada satisfeito com o que viu?