Javier Milei ganhou um palco do qual deveria sair consagrado: o dia final da Cpac, a anual Conferência da Ação Política Conservadora dos Estados Unidos. Em vez disso, fez o discurso de sempre, contra o socialismo e “os cantos de sereia da justiça social”. Nenhum ideia forte e inspiradora.
Não impressionou muito uma plateia disposta a aplaudir, mas que precisava de um certo incentivo. Falar em espanhol também não ajudou, ao contrário de Nayib Bukele, com inglês fluente e conhecimento dos botões certos para conquistar a massa (“Quem elegeu Soros para ditar as políticas públicas e as leis?”).
Como o grande feito de Bukele foi colocar na cadeia 70 mil acusados de integrar facções do crime, conseguindo espetacularmente controlar os bandidos que transformavam El Salvador num lugar sem salvação, ele fica confinado ao tema da criminalidade. Tem certamente ambições muito maiores e inspirou seguidores em países da região, mas El Salvador é um país de seis milhões de habitantes, sem peso geopolítico nem simbólico.
A Argentina é outra conversa, mas até a direita tradicional hesita diante do fenômeno Milei: é para valer ou apenas um impostor performático que apareceu no lugar certo com o discurso certo? Vai conseguir um milagre ou afundar a credibilidade dos princípios libertários numa crise sem precedentes até pelos padrões argentinos?
HUMOR SOCIAL
Sem negociação política, Milei não tem como aplicar as profundas transformações propostas. Bater pé não adianta. “Eu não me desvio nunca: eu sei qual é o meu objetivo e sou reto”, disse numa entrevista recente. “Tenho convicção, sei o que quero, sei como quero fazer”.
Tem consciência dos problemas espantosos que enfrenta para isso? Muitos analistas acreditam que sim, embora sejam vastas as dúvidas sobre as táticas. “Milei acha que está no caminho correto, que antes de meados do ano poderá domar a inflação – à custa de um profundo esfriamento da economia – e que sua condução não precisa de copiloto”, escreveu Federico Mayol no Infobae, com a ressalva: “Embora o humor social comece a mostrar sinais evidentes de esgotamento e, em alguns casos, de violência”.
Com o estilo performático e ideias extremas, Milei tem um público “natural”, na Argentina ou fora dela, de mais ou menos um terço da opinião pública. Excepcionalmente, numa reação ao candidato do kirchnerismo, Sergio Massa, ministro da Economia falida, conquistou 56% dos votos. Para ampliar essa base e se projetar além fronteiras como um modelo digno de ser seguido, ou pelo menos levado em consideração, não uma maluquice ocasional, tem que mostrar serviço.
Curiosamente, a falta de nomes consistentes ou viáveis da direita coincide com um momento negativo para os líderes de esquerda no poder. No Brasil e no México, nomes fortes como Lula da Silva e López Obrador, solapam a própria credibilidade com declarações absurdas, contrárias a seus interesses . A do presidente mexicano incluiu dar o número de telefone da chefe da sucursal do New York Times no país, Natalie Kritoeff, em vingança por uma reportagem do jornal mostrando suspeita proximidade do entorno de López Obrador com cartéis do tráfico.
Gabriel Boric tem mais de 60% de desaprovação no Chile, Gustavo Petro afunda a si mesmo – e à Colômbia – cada vez que tuíta, Luis Arce e Evo Morales lutam a pedradas pela hegemonia na Bolívia. Venezuela, Cuba e Nicarágua são os três exemplos mais eloquentes de tudo o que pode dar errado com todos os modelos de esquerda tentados, bem sucedidos apenas em manter tiranetes no poder, desfrutando de suas benesses.
TERRENO FÉRTIL
O país onde os princípios da economia liberal mais haviam conseguido avanços, o Chile, foi dilacerado pelos violentos protestos iniciados em 2019. O autor desse progresso, injustamente acusado pelas manifestações de esquerda, foi Sebastián Piñera, o ex-presidente morto no começo do mês em acidente de helicóptero.
Quem pode reunir o a clareza de visão de Piñera, o fator apelo popular e a convicção de que a economia liberal, mesmo sem prometer um futuro utópico e onírico, traz os maiores benefícios para a maior quantidade de gente possível?
Existe um público ansioso por fundamentos que sustentem essas ideias e políticos que as promovam, dentro dos princípios democráticos favoráveis à livre iniciativa, aos direitos do indivíduo e ao respeito por todos, com um Estado que sirva aos cidadãos e não o contrário.
Uma frente ampla de direita, com espaço para suas várias manifestações, que incorporasse ideias populares como o combate à criminalidade, sem os desvios de Bukele; a condenação à casta de privilegiados, sem os destemperos de Milei, e a capacidade de mobilização de Bolsonaro, sem a inelegibilidade, entre outros problemas, teria um terreno político fértil e poderia se transformar em exemplo regional para a América Latina. Só faltam nomes para explorá-lo.