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Reforma da Previdência: franceses detestam, mas Macron tem de fazer

Aposentadoria aos 64 anos, em regime progressivo, é o cerne da mudança que garante um ano de protestos ininterruptos

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 12 jan 2023, 12h05 - Publicado em 12 jan 2023, 07h14
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  • Qual a idade justa para se aposentar? Os brasileiros já discutiram a questão e perceberam, em parte, que a resposta não depende apenas de justiça, mas da capacidade de bancar os pagamentos sem quebrar o sistema nem criar uma situação insustentável para o país.

    Na França de Emmanuel Macron, o projeto de reforma agora apresentado mexe no mesmo vespeiro e garante um 2023 agitado por protestos de sindicatos e partidos de esquerda. As greves já começam na quinta, 19.

    Na primeira tentativa, deu errado e Macron foi apresentado como carrasco do estilo de vida francês, construído especialmente a partir do pós-guerra, com benefícios se acumulando e um sistema em que fica mais difícil o livre empreendimento, pelos obstáculos da legislação trabalhista, mas todos recebem uma fatia do bolo, nem que seja menor do que nos países onde criar empregos é considerado uma virtude (tradução: Estados Unidos, com quem os franceses se medem o tempo todo).

    Como o bolo pode virar farelo, diante de fatores comuns a todos os países de desenvolvimento médio e avançado, em especial o envelhecimento da população, agora veio a segunda tentativa de reforma.

    A proposta é de um sistema progressivo em que os 62 anos mínimos da aposentadoria por idade avancem três meses por ano até chegar, em 2030, a 64. Macron queria 65, mas fez a concessão depois de “semanas de diálogo”, segundo a primeira-ministra Élisabeth Borne, uma burocrata inalterável que só demonstrou a tensão dos meses de negociações (com os que negociam, obviamente) nas baforadas de cigarro eletrônico.

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    Outro ponto incandescente é o fim do regime especial para uma ampla gama de categorias, desde os ferroviários, beneficiados pela aposentadoria precoce desde o tempo das fornalhas a lenha, passando por trabalhadores da indústria elétrica e da gasífera, funcionários do Banco da França e até empregados de cartórios.

    O fim da regalia só passa a valer para quem entrar no regime trabalhista a partir de setembro de 2023. O regime especial continua a valer para integrantes da Opéra de Paris e da Comédie Française – quem quer comprar briga com a classe artística?

    Para adoçar a dose de realidade, a aposentadoria mínima terá um aumento de 10%, passado para 1 200 euros, ou 85% do salário mínimo. Em reais, é uma quantia razoável – mais de seis mil. Mas a vida é cara na França e, para quem paga aluguel, sobra pouco para as outras despesas, principalmente em cidades grandes como Paris.

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    As senhoras de idade com carrinhos de compra eternamente tomando ônibus em busca de preços melhores são um dos sinais de que sobra mês no fim da aposentadoria – e também da contradição da vida atual: as condições de saúde melhoram, a expectativa de vida aumenta e o regime de aposentadorias fica sobrecarregado.

    Numa declaração cruel, Taro Aso, então ministro das Finanças do Japão, disse em 2013 que as pessoas idosas com saúde comprometida deveriam “se apressar e morrer logo”, em lugar de sofrer de consciência culpada por ter “tudo pago pelo governo”.

    É um absurdo – e o próprio Aso, hoje com 82 anos, vice-presidente do Partido Liberal Democrático, não quer largar o osso. Mas o envelhecimento da população não pode ser ignorado.

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    O Japão tem a população mais idosa do mundo: 28% acima dos 65 anos. Itália, Portugal, França e Reino Unido ficam numa faixa que vai dos 18% aos 22%.

    A longevidade e a precocidade das aposentadorias, estabelecidas quando as expectativas de vida eram menores, têm um preço pesado. Na Europa, a França é o segundo país, depois da Itália, a gastar uma fatia maior do PIB com as aposentadorias: 15%. A média europeia é 13%. Os franceses são os que se aposentam com menos idade (os italianos, com fama de gastadores, terão futuramente que trabalhar até os 67 anos).

    A primeira tentativa de mudar o sistema francês foi suspensa por causa da pandemia – sem falar nos protestos em que Macron era apresentado como um aristocrata empedernido, quando não simbolicamente guilhotinado.

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    Ter uma vida razoável, mesmo que modesta, tomar um apérol de vez em quando num café ao sol do fim da tarde e até viajar duas semanas por ano é o mínimo que se espera num país rico.

    As pesquisas de opinião mostram um resultado curioso sobre a reforma da Previdência: 67% dos franceses em atividade são contra ela, mas 60% dos próprios aposentados são a favor. É por que não serão afetados pela mudança ou a idade traz uma perspectiva mais realista?

    “Vai ser a mãe de todas as batalhas”, promete Frédéric Souillot, da Força Operária, central sindical de inspiração trotskista na origem.

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    Em segundo mandato, Macron pode enfrentar a briga pela reforma “indispensável e vital”, mas tem que administrar uma reação que provocaria a paralisação de seu governo ou uma desidratação do projeto que o deixaria sem o ônus nem o bônus.

    Quem for a Paris, deve consultar sistematicamente as “manifestações do dia” para não ficar preso nos protestos que não vão acabar tão cedo.

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