Salvador da pátria: em momento de caos, Rishi Sunak tem missão pesada
Com o Partido Conservador destroçado, o ex-ministro da Economia emerge como o candidato de consenso para resgatar a economia e salvar partido
“Quando um homem sabe que será enforcado dentro de quinze dias, sua mente se concentra maravilhosamente”, dizia o linguista Samuel Johnson.
Foi sob essa máxima que o Partido Conservador agiu rápido. Diante de pesquisas que lhe davam 14% – repetindo, 14% – dos votos, contra 54% para a oposição trabalhista, os conservadores agiram rápido para tentar superar a situação simplesmente caótica deixada por um governo que conseguiu ficar no cargo apenas 44 dias. Em menos de uma semana, comandou o lançamento das candidaturas. Boris Johnson ainda tentou um “Napoleão voltando da ilha de Elba” – na verdade, férias com a família na República Dominicana -, mas se deu conta que, apesar de ainda ter muita popularidade, o partido precisa curar suas feridas, não trazer de volta um político obrigado a renunciar por causa de festinhas durante o lockdown.
Rishi Sunak é o nome. As promessas: estabilidade e competência, ambas extremamente necessárias nesse período febril em que a renúncia de Boris foi seguida pela de Liz Truss, a libra caiu, o Banco da Inglaterra interferiu e o reino, quinta maior economia do mundo, começou a ter preocupações que nos acostumamos a ver em países do Terceiro Mundo.
O ex-ministro da Economia no governo Johnson não é exatamente uma figura popular como Boris nem um ideólogo do livre mercado, como Liz Truss. Não tem o molho que faz os líderes políticos. Se preciso, como aconteceu durante a última disputa, apela aos “princípios thatcheristas” – de que nunca havia falado antes – para ficar bem com a base.
Mas exatamente nessa disputa ele descreveu as propostas de Liz Truss como um “conto de fadas”. Cortes extensos nos tributos, sem previsão de onde viria o custeio para substituí-los, provocariam alta da taxa de juros, com grande prejuízo para quem tem financiamento imobiliário. Não só isso aconteceu, como houve consequências piores ainda. Os fundos de pensão tiveram que receber uma força do banco central, o risco-país aumentos e até o FMI avisou que a coisa estava feira.
Mas Rishi já teve suas próprias encrencas. Com a imagem de “riquinho” e um nome feito para esse tipo de brincadeira – “Richie” – ele parecia que tinha queimado o filme quando dois fatos vieram à tona, em abril: sua mulher, Akthasha Murty, filha de um milionário indiano, mantinha o domicílio fiscal na Índia. Ele próprio continuou a manter o Green card que ganhou quando foi estudar nos Estados Unidos, o que o obrigaria a declarar rendimentos no país onde foi fazer mestrado, em Stanford.
Para os antiglobalistas, Rishi é tudo que tem de ruim: “homem de Davos”, carreira na Goldman Sachs, total desconexão com os problemas e os sentimentos reais da população.
Rishi realmente tem um estilo de vida sem nada de populista, a começar pelos ternos de 3 800 libras feitos sob medida pela alfaiateria Henry Herbert, bem justinhos, para não engolir sua silhueta, de apenas 1,68 metro. As camisas são da italiana Traveling Artisan. Os tabloides vibraram quando ele apareceu com um mocassim Prada em visita a um canteiro de obras. Ou com um tênis de 335 libras – mais de dois mil reais.
Somado o dinheiro próprio com o da esposa, Rishi Sunak tem uma fortuna de 730 milhões de libras. Pelo lado positivo, não vai ter que ficar pedindo “favores” a milionários conservadores como fazia Boris, para mudar a decoração de Downing Street.
Pelo negativo, enfrentará acusações de ser um milionário sem noção quando enfrentar os trabalhistas na eleição geral de 2024.
Diante do ambiente surrealisticamente delirante das últimas semanas na Grã-Bretanha – renúncia de Boris, morte da rainha, fiasco estrondoso de Liz Truss, descalabro econômico -, 2024 parece algo de longuíssimo prazo. Não é.
A ala da direita do Partido Conservador vê Sunak com maus olhos, principalmente porque aumentou impostos para compensar os gastos extraordinários da pandemia, mas Liz Truss conseguiu gorar qualquer experiência mais arrojada.
Os problemas para um novo primeiro-ministro são os mesmos da maioria dos países ricos: inflação, crescimento anêmico, perspectiva de recessão.
Se fizer o feijão com arroz, ou o fish and chips, já estará bom. Os britânicos precisam de momentos de calma e estabilidade depois de Boris Johnson e Liz Truss. Rishi Sunak não é nenhum salvador da pátria, mas tem conhecimento técnico – e ambição política, claro.
Como primeiro indiano a chegar à chefia de governo do reino que já foi a matriz colonial da Índia, tem também um significativo papel a cumprir como exemplo da flexibilidade do sistema britânico.
E se der tudo errado, ainda tem o sogrão, Naraya Murthy, dono de um império de soluções para empresas, indo de tecnologia da informação à terceirização, e uma fortuna de 4,5 bilhões de dólares.