Sem clima para festa na floresta
Há países que põem ideologia acima de tudo e nada fazem pela região

Foi, mais do que melancólico, patético o ambiente que dominou a Cúpula dos Países Amazônicos, uma das muitas inutilidades destinadas a criar ruído, não reais movimentos para lidar com os múltiplos problemas que se espalham como afluentes tóxicos pela floresta tropical, sendo o mais urgente deles a forma como organizações criminosas hoje dominam as vias de escoamento do tráfico de cocaína e tornam rasos como igarapés na seca os discursos sobre soberania. A realidade: não existe exercício algum de soberania nas vastidões amazônicas. O poder do tráfico coopta indígenas e integrantes de forças de segurança e do sistema judiciário, uma moleza em países com instituições fracas e sem capacidade de oferecer valores sólidos para os bons.
As fronteiras que vemos nos mapas são ficção. Tal como o Brasil, os outros países não têm controle algum sobre elas. Em vez de ver o problema bem diante de seus narizes, incluindo a volta do terrorismo na Colômbia, os participantes ficaram dando indiretas, típicas dos pequenos acovardados, contra Trump e a mobilização de navios de guerra para a região. Trump não quer desembarcar as tropas na Venezuela, mas existe pretexto melhor do que o descalabro provocado pelo tráfico comandando nas mais diferentes esferas? Os militares brasileiros que fazem carreira cogitando uma eventual intervenção na Amazônia deveriam levar bem a sério o poder crescente do tráfico. É isso que detona instituições, esgarça um tecido social já quase transparente e ameaça a própria democracia.
“Trump segue um roteiro de confrontos sistemáticos que não prenuncia nada de bom”
Além da crise sistêmica representada pelo tráfico que domina os mais remotos desvãos da floresta, existe a categoria “problemas que ninguém tinha antecipado”, os preços alucinantes cobrados por hotéis para participantes da COP30, em Belém. Em vez de uma vitória de relações públicas, com Lula encarnando o salvador do clima — repetindo: relações públicas, com poucos vasos conectantes com a realidade —, o ambiente é de fiasco de proporções amazônicas. “Não é um problema logístico. Isso é insanidade e um insulto”, insurgiu-se o representante panamenho para a conferência, Juan Carlos Monterrey. “Estamos sendo feitos de bobos”. Que tal levar lição de moral do Panamá?
A imagem elogiosa que o Itamaraty faz de si mesmo como uma máquina eficiente afunda nos meandros da burocracia e da falta de entendimento da encrenca. Se uma questão como a hospedagem de delegações para uma conferência mundial vira crise, imaginem a administração do mais sério problema de relações internacionais que o Brasil enfrenta desde o fechamento dos mares, pela Marinha inglesa, para coibir o tráfico de escravos, em meados do século XIX. Bater no peito, passar pito no encarregado de negócios americano e se imaginar um valoroso combatente da soberania não melhora a situação. Reconheça-se, em favor dos diplomatas estressados, que Trump segue um roteiro de confrontos sistemáticos que não prenuncia nada de bom. Ajuda ter um presidente que, em lugar de assumir postura firme contra o tráfico, afirma que “usam o combate ao crime organizado como pretexto para violar nossa soberania”? Essa soberania, infelizmente, é tripudiada com folga pelos criminosos que fazem a festa na floresta. Não vai ter boi-bumbá que dê jeito nisso.
Publicado em VEJA de 29 de agosto de 2025, edição nº 2959