Até pelos padrões da Inglaterra, onde não faltam escândalos do gênero, o caso do ex-ministro da Saúde, Matt Hancock foi quase inacreditável.
Primeiro fotos, depois um vídeo, mostraram-no em seu gabinete trocando beijos com grau dez de paixão e acariciando o corpo de uma colaboradora, a magnificamente chamada Gina Coladangelo.
Com seu jeito meio atrapalhado, pediu demissão no dia seguinte, depois de passar algumas horas acreditando que conseguiria driblar o duplo escândalo: o caso extraconjugal em pleno local – vigiadíssimo – de trabalho e a quebra das regras de distanciamento ainda em vigor quando o flagrante foi captado, em maio.
Durante todas a fase de controles de livre movimentação para evitar contágios, Hancock tinha sido um dos mais radicais integrantes do governo Boris Johnson, chegando a pedir penas de prisão para quem furasse o lockdown.
Logo depois da queda de Hancock, a colunista Sarah Vines escreveu no Mail on Sunday um artigo sobre as dificuldades conjugais enfrentadas por casais formados por políticos e suas esposas (políticas famosas como Margaret Thatcher e Theresa May foram modelos de estabilidade matrimonial).
“Ministros são cercados por pessoas que lhes dizem como são geniais. Seus departamentos os tratam como barões feudais. Cada mínimo capricho deles é tratado como lei. Ninguém jamais diz não a eles. E certamente nunca lhes pedem que tirem os pratos da lava-louças”.
“Depois de um tempo, isso faz com que mudem. Vai ficando cada vez mais difícil que qualquer coisa possa competir com a adrenalina do poder”.
“Como se pode esperar que alguém ponha o lixo na rua depois de um dia salvando o mundo?”.
“O problema com a mulher que o conhece desde de antes que fosse o rei do mundo é que ela vê o que tem por trás da fachada. Ela sabe que, no fundo, você não é o rei do universo que se propõe a ser”.
As palavras de Sarah foram consideradas uma análise cirúrgica das relações conjugais complexas no mundo da política, especialmente porque ela conhece o problema por dentro, tendo se casado vinte anos atrás com Michael Gove, outro ministro importante do governo de Boris Johnson.
Quem viu um traço de amargura na maneira como ela descreveu como as esposas vão ficando para trás, enquanto assessoras mais jovens e mais afinadas com os políticos conquistam espaços que vão muito além da vida profissional, não se enganou.
Menos de uma semana depois, ela e Gove anunciaram que estavam se separando.
Primeira reação: Gove, como Hancock, tinha sido pego em flagrante e, antes que a prova aparecesse, se antecipou.
Segunda: haveria não apenas prova da infidelidade, como do desrespeito às regras de distanciamento (afinal, como ter um caso sem atropelar o distanciamento?). “Na casa de quem ele estava ficando?”, insinuou uma fonte da oposição trabalhista.
Completando o pacote de maldades, outra liderança trabalhista deu a entender, com o veneno típico dessas intrigas, que a pessoa nessa “casa” seria alguém do mesmo sexo.
Não é a primeira vez que circulam boatos sobre homossexualidade envolvendo Gove, uma forma comum, e em vários países, de detonar a imagem de políticos – um motivo adicional para exemplificar a estratégia do governador gaúcho Eduardo Leite: onde há certezas, não sobra espaço para insinuações.
Tal como celebridades do show business, figuras públicas ocupam um lugar importante no imaginário coletivo. É quase irresistível saber que podem abrigar fraquezas, quando não hipocrisias, como todos nós.
Nenhum outro político encarnou essa realidade mais do que Bill Clinton, que tentou apagar os traços dos apimentados encontros com Monica Lewinsky e, por causa das mentiras sob juramento, sofreu um impeachment do qual se safou apenas porque o Partido Democrata tinha maioria no Senado.
Bill Clinton fez o que todo mundo sabe, inclusive com o uso heterodoxo de um charuto, mas quando sua mulher, Hillary, foi candidata a presidente, a boataria que a pintava como lésbica foi baseada puramente em antipatias políticas.
Para complicar, a mulher que davam como sua amante, a assessora Huma Abedin, era casada com o deputado estadual Anthony Weiner, condenado a pena de prisão por trocar textos e imagens picantes com uma menor de idade.
Nas suas buscas por interlocutoras na internet, Weiner usava o nome Carlos Danger – a mais clara de todas as comprovações de que o perigo incrementa a sensação de prazer das personalidades públicas que sabem que, se forem pegas, estão fritas.
A antipatia política, tingida por tendências ao conspiracionismo, também faz com que muitos republicanos acreditem firmemente até hoje que Barack Obama é gay e que o porte majestoso de sua mulher, Michelle, que mede 1,80 metro de altura, seja influenciado por testosterona acima dos níveis femininos.
Passar a impressão de que sabe de algum segredo da vida sexual de pessoas ilustres também alimenta o sentido da própria importância e cria uma sensação de superioridade sobre o resto dos desinformados.
A realidade frequentemente supera a imaginação dos fofoqueiros. Quem poderia inventar que Bill Clinton falava com personalidades importantes pelo telefone em pleno Salão Oval, enquanto recebia sexo oral da jovem estagiária? Ou que um secretário da Guerra do Reino Unido – em plena Guerra Fria, nos anos sessenta – frequentasse uma garota de programa que também se relacionava com o adido naval da embaixada soviética, um posto exclusivo da alta espionagem?
Foi esse o motivo do maior escândalo misturando sexo e política na história recente do reino, o do secretário John Profumo e sua queda pela linda Christine Keeler. Como Clinton, ele mentiu ao Parlamento e teve que renunciar, deixando o governo conservador da época gravemente desacreditado.
Hoje, os conservadores têm um primeiro-ministro que se comportou exatamente como Sarah Vine descreveu: apaixonou-se pela jovem assessora de imprensa Carrie Symonds e acabou largando a mulher. Em maio, os dois, que já têm um filho, se casaram.
Boris Johnson provavelmente tinha seu próprio e movimentado histórico em mente quando tentou dar o caso Matt Hancock por superado com um simples pedido de desculpas.
Foi impossível, obviamente, e a bancada conservadora fez uma pressão enorme e imediata.
Ao contrário do desenxabido Hancock, Boris tem uma personalidade incandescente que sempre atraiu muitas mulheres para sua órbita
Mas ambos, como toda a categoria, bebem na mesma fonte, aquela em que o poder cria uma torrente afrodisíaca. Irresistível, pelo menos enquanto dure.